Discurso no Senado Federal

LANÇAMENTO DO NOVO PLANO GOVERNAMENTAL PARA O SETOR AGROPECUARIO, RELATIVO AO BIENIO 98/99, VISANDO AO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO DO SETOR E A MELHOR DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO PAIS.

Autor
Odacir Soares (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • LANÇAMENTO DO NOVO PLANO GOVERNAMENTAL PARA O SETOR AGROPECUARIO, RELATIVO AO BIENIO 98/99, VISANDO AO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO DO SETOR E A MELHOR DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 21/10/1998 - Página 14373
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • COMENTARIO, CONFERENCIA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, GUILHERME DIAS, ECONOMISTA, CRITICA, PLANO, GOVERNO, AUMENTO, SAFRA, GRÃO, MOTIVO, DIFICULDADE, COMERCIALIZAÇÃO.
  • OPINIÃO, ORADOR, DISCORDANCIA, ECONOMISTA, MOTIVO, CRESCIMENTO, POPULAÇÃO, SITUAÇÃO, MISERIA, DESNUTRIÇÃO, IMPORTANCIA, AUMENTO, ABASTECIMENTO, ALIMENTOS.
  • CRITICA, POLITICA AGRICOLA, TRIBUTOS, AUMENTO, IMPORTAÇÃO, PRODUTO AGRICOLA, ESPECIFICAÇÃO, TRIGO, MILHO, FEIJÃO, ARROZ, ALGODÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
  • EXPECTATIVA, LOBBY, AGRICULTOR, ALTERAÇÃO, POLITICA AGRICOLA, GOVERNO.

O SR. ODACIR SOARES (PTB-RO. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 31 de julho, a imprensa noticiou com destaque que o economista Guilherme Dias, ex-Secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e do Abastecimento e um dos formuladores do Programa “Mãos à Obra” para um eventual segundo Governo Fernando Henrique Cardoso, criticou o anúncio de metas de crescimento da produção nacional de grãos.

É importante lembrar que o crescimento da produção de grãos foi anunciado no dia 17 de junho de 1998, quando, em solenidade realizada no Palácio do Planalto, o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, e o Ministro da Agricultura e do Abastecimento, Francisco Turra, lançaram o novo plano para a safra agrícola 1998/99.

O aumento do volume de recursos para o crédito rural ficou definido em R$11,0 bilhões para o setor, dos quais R$10,0 bilhões para custeio e R$1,0 bilhão para investimento. O volume previsto para custeio representa um expressivo aumento, de 37%, em relação ao total efetivamente aplicado de R$7,3 bilhões na safra 1997/98. O plano de safra 98/99 foi aprovado em reunião extraordinária do Conselho Monetário Nacional-CMN.

O novo plano de safra agrícola 1998/99 pretende alcançar dois grandes objetivos: o primeiro é o de aumentar a produção e a produtividade da agricultura brasileira e com isso aumentar a competitividade do setor de forma a que o País, na virada do ano 2.000, alcance a produção-meta de 100 milhões de toneladas de grãos.

O segundo objetivo é o de fortalecer o Programa Nacional de Agricultura Familiar-PRONAF. Esse programa terá um aumento de recursos correspondente a 80%, passando de R$1,3 bilhões da safra 1997/98 para R$2,35 bilhões na safra 1998/99.

Mesmo sem citar nominalmente o Ministro Francisco Turra, Senhor Presidente, o economista Guilherme Dias afirmou no “Seminário Safra 98/99”,  promovido pela Confederação Nacional da Agricultura, em Brasília-DF, que fica “com pena dos agricultores” quando começam a falar em produzir 90 ou 100 milhões de toneladas de grãos. “Isso é o mesmo que dar um tiro no pé, pois temos de produzir o que dá para vender; senão o preço desaba” disse Guilherme Dias ao jornal O Estado de São Paulo em matéria intitulada “Economista condena meta agrícola”, publicada no dia 31 de julho de 1998.

Para o economista Guilherme Dias, o limite da ampliação da produção de grãos no Brasil deve ser suficiente para a recomposição dos estoques oficiais, praticamente zerados com a quebra da safra 1997/98, principalmente de milho e arroz. “Assim mesmo, a produção de arroz deve aumentar só por um ano, senão teremos problemas posteriores”, alerta o economista.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, com todo o respeito que tenho à qualificação profissional, competência técnica e seriedade sempre posta em prática pelo ex-Secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, desde o início do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso até o ano passado, quando retornou à Universidade de São Paulo, atrevo-me a divergir das colocações do economista, relacionando a produção de alimento (grãos) com a população.

Com freqüência ouço falar e leio nos informativos notícias sobre “super-safras”. Entretanto, compulsando estatísticas da “Evolução da Produção Brasileira de Grãos, Safras 76/77 a 97/98”, produzidas pela Companhia Nacional de Abastecimento-CONAB anexadas a este meu pronunciamento, verifico que, no decênio 76/77 a 86/87, a produção brasileira de grãos oscilou entre o mínimo de 38.212 mil toneladas, na safra 77/78, para a maior safra dos dez anos: 64.948 mil toneladas. Na verdade, em seis anos, a safra de grãos ficou abaixo dos cinqüenta milhões de toneladas.

No período 87/88 a 97/98, a menor safra registrada foi de 57.804 mil toneladas e a safra-recorde foi alcançada em 94/95 com 81.064 mil toneladas. No período 87/88 a 97/98, quando freqüentemente ouvi falar de “super-safras”, à exceção da safra 94/95, com 81 milhões de toneladas de grãos,  no período 87/88 a 92/93, a safra ficou abaixo dos setenta milhões de toneladas. As safras 93/94 a 97/98, excluída a “safra-recorde” de 94/5 com 81 milhões de toneladas, se situaram em torno dos 75 milhões de toneladas de grãos.

Enquanto isso, no período de vinte anos, a população brasileira evoluiu de 93.1239.037 habitantes, em 1970, para 119.002.706, em 1980, e 146.917.459 em 1991. .Ao contrário do que está ocorrendo em outras partes do mundo, o aumento da população não apresenta problemas para o Brasil, um País com vasto território e muitos recursos inexplorados.

O ritmo de crescimento populacional brasileiro vem diminuindo a cada ano, tendo caído de 2,89% na década de sessenta para 1,55% na década de noventa. Essa notícia de queda no ritmo do crescimento populacional está a sinalizar uma estabilidade no denominador da equação produção de alimentos/população, o que é uma boa notícia.

O Brasil entrou no século XX com 17,3 milhões de habitantes e estamos prestes a passar para o século XXI com 160 milhões de habitantes. A população brasileira decuplicou em cem anos. No período 1970-1991, ou seja, em vinte e um anos, a população cresceu 93.139.037, em 1970, para 146.917.459 habitantes em 1991. Com a redução do número de filhos por família, a previsão é que, para o ano 2075, a população brasileira pare de crescer, estabilizando-se em torno de 265 milhões de habitantes.

Quando se considera o quadro alimentar brasileiro, o cenário é desastroso. O Brasil tem a oitava população mais desnutrida do planeta. Em situação pior encontram-se Índia, Paquistão, Bangladesh, Indonésia, Filipinas, Somália e Etiópia.

Quando se pensa, Sr. Presidente, na produção e consumo de alimentos, o Brasil é visto como um caso único no mundo: enquanto dois em cada três brasileiros são subnutridos ou famintos, o País é um dos principais exportadores mundiais de alimentos. Esse fato coloca a questão da segurança alimentar como prioritária e de solução ao alcance da mão, dado o nosso grande potencial nessa área.

A equação da produção de alimentos/população no Brasil, tomando-se como numerador a safra-recorde de 81 milhões de toneladas de grãos e como denominador 160 milhões de habitantes fica definida em 0,5 tonelada de alimentos(grãos)/habitante. Para o Brasil atingir padrões alimentares do Primeiro Mundo, terá de dispor de mais do dobro da quantidade de grãos produzidos na safra-recorde - 81 milhões de toneladas - e quase três vezes mais proteína de origem animal.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a discordância que apontei na fala do economista Guilherme Dias resulta dessas constatações que, em última análise, me levam a comentar, novamente, a situação de pobreza alimentar das famílias brasileiras. Um terço das famílias, com renda até um salário mínimo, vive na miséria absoluta, ou seja, passa fome. Outro terço, com renda média de até três salários mínimos, é subnutrida ou desnutrida. Somando-se, têm-se duas em cada três famílias brasileiras famintas ou carentes.

Essa situação decorre, Sr. Presidente, da falta de uma política de segurança alimentar. Segurança alimentar não é sinônimo de socorro alimentar. “Segurança alimentar quer dizer precisamente o acesso assegurado a cada família à quantidade necessária de alimentos para garantir uma dieta adequada a todos os seus membros para uma vida saudável”. Assim se lê no livro “Segurança Alimentar, uma Abordagem de Agribusiness”, publicado pela Associação Brasileira de Agribusiness.

A previsão para este ano é de uma importação recorde dos principais produtos agrícolas - trigo, milho, feijão, arroz e algodão - em decorrência dos problemas climáticos, aliados à falta de incentivos à produção de milho e trigo. A estimativa é de que o Brasil importe cerca de 10,9 milhões de toneladas, em 1998, contra as 9,4 milhões de toneladas importadas em 1997.

A previsão da Confederação Nacional da Agricultura-CNA é de que somente as importações de arroz e feijão deverão custar ao Brasil, em 1998, cerca de US$660 milhões. Está prevista a importação de 1,5 milhão de toneladas de arroz e 200 mil toneladas de feijão para fazer frente à escassez na oferta e à alta de preços no mercado interno.

No que toca à produção de feijão, a situação vem-se configurando desfavorável a partir da safra 96/97, quando alcançou 2.914 mil toneladas. Na safra 97/98 ficou em 2.252 mil toneladas, ou seja, uma redução de 662 mil toneladas. A dificuldade de abastecimento de feijão reside no fato de que, mesmo com os juros privilegiados das importações, os cultivares encontrados em outros países são diferentes dos produzidos e consumidos no Brasil.

A exceção fica para o feijão preto, produzido na Argentina e destinado à exportação para o Brasil e outros países. No ano passado, a Argentina exportou para o Brasil 140 mil toneladas. As importações brasileiras de feijão, no ano passado, foram de 157 mil toneladas, gastando-se US$ 90,6 milhões. A expectativa para este ano é de importarmos 200 mil toneladas, com um custo de US$ 140 milhões. 

As importações de milho crescerão de 532 mil toneladas, em 1997, para cerca de 1,5 milhão de toneladas, em 1998, com um aumento de 182%. A dificuldade na comercialização de milho, decorrente da queda dos preços pagos aos produtores, no ano passado, causou sérios prejuízos ao setor produtivo. Como não houve sinalização na política oficial para compensar a frustração da comercialização, a única saída foi diminuir a produção. Na safra 96/97, foram produzidas 35,7 milhões de toneladas de milho, reduzindo-se a 31,5 milhões de toneladas, na safra 97/98, uma diminuição de 4,2 milhões de toneladas.

No caso do trigo, a situação não é diferente. Na década de 80, a produção de trigo alcançou números acima das 5,5 milhões de toneladas, com um recorde de 6,1 milhões de toneladas, no ano 86/87 que é duas vezes e meia maior do que as safras de trigo nos anos 96/97 e 97/98 quando se produziram 2,4 e 2,5 milhões de toneladas.

Números do Departamento Técnico e Econômico da Confederação Nacional da Agricultura-CNA informam que o trigo importado atualmente supre 75% das necessidades do mercado interno. Ressalte-se que o trigo é um produto de grande potencial produtivo, notadamente na Região Sul, mas que tem sido prejudicado por política agrícola equivocada, o que impede a expansão da produção nacional e desloca a comercialização interna em favor do produto importado.

As estatísticas apresentadas indicam claramente que o Brasil, apesar das mudanças sinalizadas pelo Governo Fernando Henrique Cardoso para o setor agropecuário como o saneamento financeiro, a expansão do crédito e o rebaixamento das taxas das taxas de juros, o zoneamento agrícola etc., o País está longe de suprir com segurança as necessidades alimentares da sua população e continuar a figurar como um grande exportador de alimentos.

Um ponto em que não poderei discordar do economista Guilherme Dias diz respeito à tributação. Refere Guilherme Dias que, em um mercado aberto, praticar alíquotas de ICMS de 17 e 18% é um absurdo. A estrutura tributária do mercado interno brasileiro contribui substancialmente para perda de competitividade de culturas como o arroz, o feijão e o trigo frente aos países do Mercosul.

No Uruguai, Sr. Presidente, os tributos pagos por um produto agrícola, da produção à comercialização, correspondem a 14% do preço final. Na Argentina, a carga tributária é de 16%, enquanto que, no Brasil, o ICMS, o PIS e o Cofins representam 37% do preço final.

É muito importante que os produtores se manifestem de forma organizada por via de suas lideranças, como a CNA , a CONTAG, Comissão de Agricultura e Política Rural, a Frente Parlamentar do Cooperativismo, a Organização das Cooperativas Brasileiras, para a adoção de uma estratégia agressiva de pressão sobre os governantes que serão eleitos, com o objetivo de conseguir a reforma tributária para o País.

Finalizo, Sr. Presidente, reafirmando o que disse em outras oportunidades: a agropecuária é o setor da economia que mais rapidamente responde a qualquer estímulo governamental. Uma política de desenvolvimento realista, com condições de vida aceitáveis, deve priorizar o fortalecimento do interior brasileiro, de modo a fixar o trabalhador, o produtor rural no seu local de origem.

Uma política agrícola que contemple tal estratégia, além de contribuir para desconcentrar o crescimento econômico e melhorar a distribuição de renda, geraria diminuição e racionalização na aplicação dos recursos absorvidos pela administração das grandes metrópoles e da médias cidades que caminham para a metropolização interiorizada no País.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/10/1998 - Página 14373