Discurso no Senado Federal

JUSTIFICATIVA AO PROJETO DE LEI DO SENADO 169/98, ENCAMINHADO A MESA NA PRESENTE SESSÃO, QUE ALTERA A REDAÇÃO DO ARTIGO 33 DA LEI 9.504, DE 1997 (LEI ELEITORAL).

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL. ELEIÇÕES.:
  • JUSTIFICATIVA AO PROJETO DE LEI DO SENADO 169/98, ENCAMINHADO A MESA NA PRESENTE SESSÃO, QUE ALTERA A REDAÇÃO DO ARTIGO 33 DA LEI 9.504, DE 1997 (LEI ELEITORAL).
Aparteantes
Lúcio Alcântara.
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/1998 - Página 14435
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL. ELEIÇÕES.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO ELEITORAL, PERIODO, DIVULGAÇÃO, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA, PREVISÃO, VOTAÇÃO.
  • COMENTARIO, ELEIÇÕES, ERRO, PREVISÃO, VOTAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTADO DE GOIAS (GO), DISTRITO FEDERAL (DF), ESTADO DO AMAZONAS (AM), ESTADO DO PARA (PA), PREJUIZO, CANDIDATO, SENADOR, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • CRITICA, EMISSORA, TELEVISÃO, DIVULGAÇÃO, PESQUISA, DIA, ELEIÇÕES, ANTERIORIDADE, CONCLUSÃO, FAVORECIMENTO, REELEIÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

      O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, conforme já havia anunciado, estou apresentando hoje um projeto de lei que modifica a lei eleitoral - Lei nº 9.504 -, no ponto que trata das pesquisas eleitorais.

      Acompanhamos a eleição deste ano, quando vimos que, mais uma vez, a divulgação das pesquisas foi objeto de bastante polêmica. Particularmente entendo que uma pesquisa bem feita, desenvolvida dentro dos critérios exigidos pela ciência estatística, pode naturalmente estabelecer uma tendência do eleitorado com um grau de aproximação bastante razoável. Mas sabemos também que, dentro da chamada margem de erro, existe uma ampla margem para manipulações.

      Vimos isso nesta campanha eleitoral, o que já foi objeto inclusive de pronunciamento de vários parlamentares. Em alguns Estados como São Paulo, Goiás, Distrito Federal, Amazonas e Pará, particularmente na eleição para Senador, o resultado das urnas foi muito diferente daquele apresentado nas pesquisas de véspera, divulgadas pelos institutos de pesquisa. Sabemos também que o clima do “já ganhou”, criado pela divulgação de pesquisas na véspera das eleições, pode induzir o voto de alguns eleitores.

      Particularmente nesta eleição, acompanhamos alguns absurdos cometidos: às 17 horas - hora de Brasília -, era divulgada, na Rede Globo de Televisão, uma pesquisa de boca de urna para Presidente da República, apresentando como vitorioso, no primeiro turno, o candidato Fernando Henrique Cardoso, com 57% dos votos válidos. Apuradas as urnas, Fernando Henrique realmente venceu no primeiro turno, mas com 53% dos votos válidos, diferença acima da margem de erro de 2%, que era a margem de erro apresentada na pesquisa.

      Srs. Senadores, o mais grave é que esse resultado de boca de urna foi divulgado às 17 horas de Brasília, quando sabemos que, em algumas regiões do Brasil, as eleições ainda se prolongariam por no mínimo duas horas. No caso do Acre - lembra-me aqui a Senadora Marina Silva -, seriam três horas a mais, em função do horário de verão. Além disso, em várias localidades, a votação continuava, como foi o caso de São Paulo, em que várias de suas seções tiveram a votação prolongada até depois das 19 horas.

      Coincidentemente ou não, o fato é que o candidato Fernando Henrique Cardoso conseguiu seus maiores índices de votação exatamente naquelas regiões onde havia diferença de fuso horário. Já que estamos liberados para fazer qualquer tipo de elucubração sobre o resultado, foi nas Regiões Norte e Centro-Oeste, onde há variação do fuso horário de uma a três horas, que Fernando Henrique Cardoso conseguiu, respectivamente, 57,61% e 61,15% dos votos.

      Além disso, cito outros fatos: na eleição para Senador no Maranhão, o candidato do PT, Haroldo Sabóia, tinha 10% dos votos nas pesquisas de véspera; apuradas as urnas, teve 32%. Na eleição para Senador no Pará e no Amazonas, os candidatos do PT foram apresentados com menos de 20% dos votos nas pesquisas de véspera, mas saíram derrotados com uma diferença de apenas 2% dos votos.

      Fala-se muito na necessidade de disciplinar a divulgação das pesquisas. Confesso que trabalhei para tentar encontrar essa forma de disciplinar a divulgação, mas é extremamente difícil, até porque, quando os meios de comunicação apresentam a pesquisa, principalmente nas emissoras de televisão, em que o tempo é muito mais exíguo do que no jornal, no qual se pode publicar a margem de erro, o que é margem de erro, o que é intervalo de confiança, ou seja, o candidato tem 35%, mas pode ter 31 ou 39. As emissoras de televisão, no entanto, só divulgam o valor absoluto. Posso citar como exemplo a eleição para Governador no Estado de São Paulo: o Jornal Nacional da véspera apresentou um resultado de pesquisa onde era dito textualmente: “Maluf já está no segundo turno, resta saber quem vai enfrentá-lo no segundo turno, se Francisco Rossi ou Mário Covas.” Mas o resultado acabou mostrando que a disputa estava entre Mário Covas e Marta Suplicy, isso sem contar as afirmações e as informações que se têm de que, em função do alto índice de rejeição que tinham os candidatos Maluf e Rossi, vários eleitores acabaram praticando o voto útil já no primeiro turno, votando em Covas, avaliando que Marta Suplicy não tinha chance de chegar ao segundo turno.

      Como é difícil esse disciplinamento da divulgação das pesquisas, optei por uma prática que já existe em outros países, como França, Portugal e Espanha, que é a instituição da chamada quarentena, ou seja, um período antes da realização do pleito no qual estaria proibida a divulgação das pesquisas. Quero dizer que a minha proposta de quarentena é extremamente pequena: estou propondo que seja proibida a divulgação das pesquisas eleitorais no período compreendido entre 72 horas antes das eleições, período em que hoje se proíbe a realização de comícios.

      É lógico que essa questão sempre suscita discussão constitucional, se fere ou não a liberdade de informação. Mas, como já disse anteriormente, o princípio da liberdade de informação não pode servir como um biombo para viabilizar a manipulação e impedir que o eleitor possa exercer o seu voto única e exclusivamente de acordo com as propostas dos candidatos, de acordo com aquele candidato que ele entende como merecedor do seu voto e não em função da possibilidade deste ou daquele candidato ganhar as eleições.

      Quero dizer que esses países, que já adotam a quarentena, como França e Portugal, por sete dias, e a Espanha, por cinco dias, são países que inclusive têm uma tradição de liberdade de informação até maior do que a do Brasil. Então, não consigo conceber essa proibição da divulgação de pesquisa nesse curto período que antecede às eleições como um ataque à liberdade de informação, até porque a Constituição estabelece, por exemplo, a liberdade de associação, mas não permite que partidos que se propugnem a acabar com o Estado democrático, com a república ou com o sufrágio universal venham a se organizar. Trata-se de um disciplinamento dessa liberdade de organização partidária.

      Entendo que essa forma de divulgação das pesquisas também seria disciplinamento dessa liberdade de informação. Já que a lei eleitoral estabelece punição para pesquisas fraudulentas, também estou estabelecendo, neste projeto, um conceito do que seria uma pesquisa fraudulenta, de forma que se uma pesquisa divulgada entre cinco dias e a antevéspera da eleição, confrontada com o resultado apurado, vier a ter uma diferença superior à margem de erro, será classificada como pesquisa fraudulenta.

      Os institutos de pesquisa sempre se utilizam da famosa margem de erro para justificar as diferenças mais gritantes entre os seus resultados e os resultados das urnas. Ora, se está dentro da margem de erro, a pesquisa não pode ser considerada uma fraude. Estou estabelecendo que seriam fraudulentas as pesquisas nas quais, levando-se em consideração a margem de erro, o resultado das urnas mostrar um resultado diferente das estatísticas.

      O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - Permite V. Exª permite um aparte?

      O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Ouço V. Exª com prazer.

      O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - Senador José Eduardo Dutra, temos debatido essa questão das pesquisas por várias vezes. Procuro encontrar o ponto justo, o ponto em que está realmente a razão e a fragilidade do atual sistema. Muitas pessoas se precipitam na crítica, mas, quando se conclui o período de apuração, não cotejam os resultados. No entanto, o que mais me chamou a atenção foram as surpreendentes votações para Senadores do Amazonas, do Maranhão e do Pará não registradas pelos institutos. É verdade que a dificuldade para se estabelecer essa norma reside justamente no fato da veiculação da pesquisa, que pode levar até a uma interpretação falsa da própria pesquisa. Cito um exemplo: se um candidato perde dois pontos e o jornal noticia em manchete dizendo que ele despencou, isso é totalmente desproporcional, até porque dois pontos podem ser considerados como margem de erro. Mas há um ponto em que os institutos de pesquisa falharam clamorosamente - não sei se algum candidato ou algum partido político já questionou isto -, e que está na lei eleitoral que votamos aqui: justamente o dispositivo que determina que a pesquisa seja entregue ao tribunal cinco dias antes a fim de ser registrada. Como é que uma pesquisa feita às vésperas da eleição, 48 ou 24 horas antes da eleição, pode ser divulgada se não cumpriu o prazo de cinco dias para ser enviada ao tribunal? O instituto tem que entregar a pesquisa pelo menos cinco dias antes da sua divulgação para que se conheça a sua metodologia, o número de pessoas entrevistadas, assim por diante. De sorte que já seria uma grande ajuda se conseguíssemos fazer cumprir esse dispositivo constante da lei eleitoral. Assim, não haveria essas pesquisas de última hora, pelo menos não poderiam ser divulgadas, ainda que algum partido ou alguém as faça para seu conhecimento, para seu controle. Como V. Exª está atento a essas questões, gostaria de chamar a atenção para esse dispositivo do registro no tribunal no que tange ao prazo, não concomitante com a divulgação, mas obedecendo ao prazo legal para ser entregue ao tribunal. Agradeço a V. Exª e penso que, travando essa discussão, podemos melhorar a legislação existente. Não queremos resolver o problema eleitoral de ninguém escondendo o sofá. Precisamos entender que a pesquisa é um instrumento importante, mas não pode ser a última palavra, incontestável, que não precisa de qualquer ajuste para ficar adequadamente inserida no conjunto de procedimentos próprios do período eleitoral. Muito obrigado.

      O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Muito obrigado, Senador Lúcio Alcântara. V. Exª lembrou outro dispositivo da legislação que se cumprido produziria um resultado ainda pior, já que por esse dispositivo uma pesquisa que fosse divulgada, vamos dizer, na véspera da eleição, teria sido feita, na verdade, no mínimo seis dias antes. Se o resultado tem que ser entregue cinco dias antes da sua divulgação, a coleta dos dados em campo deve ser concluída pelo menos seis dias antes da divulgação da pesquisa. Então, seria um resultado ainda mais diferente. Se houvesse um caso em que o candidato estivesse crescendo na reta final, como muitas vezes acontece, essa pesquisa refletiria o momento referente a cinco dias antes, que seria divulgado na véspera da eleição como sendo o resultado real, não refletindo o sentimento do eleitorado naquele momento.

      Embora esse aspecto deva ser cumprido, ele não resolve o problema da manipulação da pesquisa se ela for divulgada na véspera da eleição, o que estou querendo impedir, em consonância com o próprio espírito da lei eleitoral. Desde o Código Eleitoral antigo, foi estabelecido um período de dois ou três dias antes da eleição em que se acabam as campanhas eleitorais. Avalio que isso acontece para que o eleitor possa decantar as informações que recebeu ao longo da campanha eleitoral e fazer a sua opção. Ora, se é proibido fazer comício, se é proibido fazer campanha eleitoral de forma explícita e institucional dois dias antes da eleição, nada mais natural que também haja proibição da divulgação das pesquisas de opinião nesse mesmo período. Embora possamos continuar levantando questões relativas à constitucionalidade, creio que é um prazo que está dentro da razoabilidade e da própria tradição do Brasil em relação às campanhas eleitorais.

      O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - V. Exª me concede um outro aparte, Senador?

      O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Concedo mais um aparte a V. Exª com muito prazer.

      O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - Gostaria de adicionar um dado: pela legislação atual, a divulgação de pesquisas de boca de urna está proibida pois requer um prazo impossível para ser registrada. Ao Princípio da Liberdade de Informação, que é constitucional, pode-se opor o Princípio da Liberdade de Consciência. O que pretende a legislação eleitoral ao estabelecer que nas 48 horas anteriores ao pleito não se pode fazer campanha? Quer que o eleitor fique à vontade, que não sofra qualquer tipo de constrangimento, de pressão ou bombardeio de mensagens buscando seduzir sua intenção de voto. Esse período em que não pode haver campanha poderia perfeitamente ser estendido às pesquisas. Durante as 48 horas anteriores ao pleito e no próprio dia da eleição, os jornais circulam com retratos de candidatos, e não são fotografias eventuais, circulam fazendo campanha. Indaguei e disseram-me que essa situação está prevista, que a legislação permite, mesmo no dia da eleição. Se formos aceitar a proposta de V. Exª, teremos também que restringir qualquer tipo de publicidade. Embora V. Exª esteja falando de pesquisa, se estendemos essa quarentena à pesquisa, teremos que retirar também qualquer hipótese de propaganda nesses dois dias que antecedem à eleição.

      O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Concordo com V. Exª. Estou tratando especificamente de pesquisa, por isso fui buscar na lei em vigor hoje um argumento que justifique a suspensão de apenas dois dias. Pode-se também estender isso para a propaganda impressa em jornais, a qual, pela atual legislação, está liberada. Proíbe-se comício, campanha na televisão e nas rádios, mas permite-se, mesmo nas 48 horas anteriores à eleição, a propaganda por meio da mídia impressa.

      Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este é um projeto que apresentei hoje à Mesa, em relação ao qual espero merecer a apreciação dos nobres Senadores, considerando-o também como parte da discussão sobre a reforma política que estamos fazendo.

      Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/1998 - Página 14435