Discurso no Senado Federal

DEFESA POR UMA REFORMA TRIBUTARIA AJUSTADA A REALIDADE NACIONAL, INDUTORA DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E PROMOTORA DA JUSTIÇA SOCIAL.

Autor
Odacir Soares (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • DEFESA POR UMA REFORMA TRIBUTARIA AJUSTADA A REALIDADE NACIONAL, INDUTORA DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E PROMOTORA DA JUSTIÇA SOCIAL.
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/1998 - Página 14443
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • URGENCIA, NECESSIDADE, REFORMA TRIBUTARIA, BENEFICIO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, COMBATE, SONEGAÇÃO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA.
  • NECESSIDADE, DEBATE, REFORMA TRIBUTARIA, DEFESA, GRADUAÇÃO, IMPLEMENTAÇÃO, COMENTARIO, QUESTIONAMENTO, COMPETENCIA, ESTADO, PODERES CONSTITUCIONAIS, ESTADOS, MUNICIPIOS.

      O SR. ODACIR SOARES (PTB-RO. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as reivindicações da sociedade brasileira em prol da realização da reforma tributária têm encontrado forte eco neste Plenário. Com grande freqüência, eminentes pares assomam a esta tribuna para pugnar em defesa da implementação de modificações em nossa legislação fiscal de nível constitucional e infra-constitucional, iniciativa que é, de fato, não apenas conveniente e oportuna, mas imprescindível e impostergável.

      Os motivos que tornam a reforma tributária necessária e urgente têm sido amplamente explicitados e, quanto a eles, existe relativo consenso. É indiscutível que a estrutura tributária hoje vigente no Brasil prima pela complexidade, onerosidade e regressividade, características opostas àquelas que deveria ostentar um modelo tributário voltado a alavancar o desenvolvimento econômico e a favorecer a justiça social.

      O interminável rol de tributos e a inextricável teia constituída pela legislação que os regulamenta representam um terrível tormento para empresas e cidadãos, e acabam funcionando como indutores da sonegação, inclusive da não-intencional. A pesada carga tributária incidente sobre a produção onera de maneira absurda a atividade empresarial, prejudicando gravemente a possibilidade de nossas empresas competirem em igualdade de condições com as estabelecidas em outros países. A ênfase na arrecadação de imposto indiretos, em detrimento dos diretos, faz com que os pobres paguem, proporcionalmente, mais impostos do que os ricos, servindo a tributação, dessa forma, como um mecanismo de concentração da riqueza, exatamente o contrário do que deveria ser.

      Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, é consensual, como afirmei anteriormente, a necessidade e a urgência de se modificar essa estrutura tributária complexa, onerosa e regressiva, que inferniza a vida do brasileiro, prejudica o progresso de nossas empresas e contribui para o agravamento de nosso já problemático quadro social. É consensual, também, a necessidade de se avançar no sentido de uma estrutura tributária drasticamente simplificada, de forma que o recolhimento de impostos deixe de exigir o concurso de profissionais altamente especializados; de se avançar no sentido de uma estrutura mais horizontalizada, em que mais pessoas contribuam, para que todos possam contribuir com menos; de se avançar no sentido de um sistema mais progressivo, em que os que têm maior capacidade contributiva entrem com uma parcela mais significativa para o custeio das despesas de toda a sociedade.

      No entanto, Srs. Senadores, embora haja consenso em relação a todas essas linhas mestras da reforma tributária a ser implementada, é ainda muito difícil chegar a um acordo quanto às feições exatas que deverá ter a nova estrutura tributária do País.

      É natural que assim seja, porque é vasta a gama de interesses envolvidos nesse processo. Muita coisa está em disputa. Está em disputa, por exemplo, qual será a contribuição de cada setor social para o custeio das despesas da sociedade como um todo. Além disso, está também em disputa o quinhão de recursos de que cada esfera de governo disporá para responder por suas atribuições, bem como a própria divisão, entre as três esferas de governo, dessas atribuições.

      Assim sendo, em vista do volume e da relevância dos interesses que estão em jogo, não nos podemos iludir que possa ser simples e tranqüila a definição da nova estrutura tributária, de que o País tanto precisa, muito embora o consenso quanto à necessidade dessa redefinição.

      Em função dessa dificuldade, em função dos conflitos de interesses existentes, já se tornou claro que o caminho mais viável para a implementação das alterações na estrutura tributária é o caminho do gradualismo. Mas não basta que as alterações sejam implantadas gradualmente, de acordo com um cronograma. Será necessário, ainda, determinar o ritmo dessa implantação gradual.

      A prova de que são necessários muita cautela e muito gradualismo na implantação de qualquer alteração na estrutura tributária está, por exemplo, na reação dos Estados - e principalmente do Estado de São Paulo - ao processo de compensação pelas perdas com a desoneração do ICMS sobre as exportações de produtos primários e semi-elaborados.

      A reação contra essa alteração pontual na legislação tributária representa uma pequena amostra das muitas batalhas que se travarão em torno dos projetos de reforma fiscal. É fácil antever, por exemplo, que as Unidades da Federação de vida econômica mais pujante colocar-se-ão em franca oposição à proposta de reforma fiscal esboçada pelo Ministério da Fazenda. Afinal, seus Erários seriam violentamente prejudicados pela substituição do ICMS pelo IVV - Imposto sobre Vendas a Varejo, medida que deslocaria o eixo tributário da origem do produto para o seu destino, ou seja, o local onde se realiza o consumo.

      Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a argumentação recém expendida objetiva apenas exemplificar as dificuldades inerentes à implementação de qualquer modificação na estrutura tributária do País. Nesse contexto de dificuldade, para que os objetivos da reforma tributária possam ser atingidos, fica evidente a necessidade de se definirem determinados antecedentes, antes de que se possa pensar na repartição de recursos.

      Em primeiro lugar, é preciso que a sociedade brasileira defina o que espera do Setor Público. Em outras palavras, é preciso chegarmos a uma definição bastante precisa do papel que o Estado deverá desempenhar daqui para o futuro, quais deverão ser suas áreas de atuação. Se não soubermos, com exatidão, o que o Estado fará, não há como saber o quanto custará a prestação dos serviços que ele deverá oferecer à comunidade. Sem resposta a essa indagação essencial, torna-se quase impossível proceder a uma reforma tributária definitiva.

      O segundo antecedente, prévio a qualquer esboço relativo à repartição dos recursos tributários, é determinar quais encargos deverão caber a cada esfera de Governo. Essa definição - que se deveria estar procedendo desde 1988, por meio de leis complementares - consiste não apenas em delimitar as áreas de atuação das esferas federal, estadual e municipal de Governo, mas também, dentro de cada uma dessas áreas de atuação, determinar que tipo de serviço deverá ser executado pela União, pelos Estados ou pelos Municípios.

      O terceiro ponto a ser levado em consideração é, também, da maior importância. Trata-se, aqui, de afastar a falsa suposição de que os Municípios são simétricos, isto é, de que tudo aquilo que é válido para um Município é também válido para qualquer outro Município, não importando o seu tipo.

      Na verdade, os Municípios brasileiros vivem uma vastíssima diversidade de situações, cada um tendo as suas particularidades, motivo pelo qual a realização de análises a partir de dados das finanças municipais representa uma das mais difíceis tarefas com que se defrontam os técnicos. Estamos, aqui, falando de um universo composto por mais de 5 mil e 500 municipalidades, as quais apresentam realidades individuais muito distintas.

      Afinal, os Municípios distinguem-se pelo seu porte demográfico, pelo seu nível de urbanização, por sua base econômica, pelo seu tamanho, pelas condições físicas de seus territórios, por sua estrutura político-administrativa, pela composição de suas receitas e até pelo perfil e percepção de cada Prefeito, de sua assessoria e dos Vereadores, bem como pelo grau de envolvimento da comunidade no trato dos assuntos locais. O conjunto de todas essas particularidades acaba produzindo uma infinidade de combinações, de tal forma que o perfil de cada Município costuma ser bastante próprio, diferenciando-se sobremodo da grande maioria dos demais.

      Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, esses três pontos recém mencionados devem, evidentemente, ser encarados como antecedentes a qualquer cogitação relativa à repartição dos recursos no contexto da reforma tributária que a Nação reclama. Não se pode ter a pretensão de chegar a um acordo quanto à repartição das receitas tributárias sem antes definir o papel do Estado na prestação de serviços à população, sem estabelecer a divisão dos encargos entre as três esferas de Governo e sem admitir a evidência de que os milhares de Municípios brasileiros são muito distintos entre si.

      No que tange à problemática municipal em particular, importa destacar que a indefinição na repartição de encargos e de recursos tem sido um dos grandes problemas enfrentados pelos Municípios brasileiros. O que vem ocorrendo, via de regra, é que, à míngua de uma melhor definição quanto ao que constitui atribuição da União, dos Estados e dos Municípios, o Governo Federal e os Governos Estaduais se aproveitam para eximir-se de suas responsabilidades, deixando aos Municípios a tarefa de prestar à comunidade uma vasta gama de serviços que, na verdade, seriam da competência daquelas esferas de Governo. Às Prefeituras - como não têm mais para quem empurrar o problema, e como estão diretamente submetidas à cobrança da população - não resta alternativa senão "fazer das tripas coração" e procurar, de alguma forma, responder aos reclamos populares.

      Na verdade, a Constituição de 1988 explicitou, em seus artigos 23, 30 e 144, uma série de atribuições como sendo de competência exclusiva ou compartilhada dos Municípios. No entanto, essa explicitação não veio trazer novidade alguma, eis que todas essas atribuições já vinham sendo desempenhadas pelos Municípios há muitos anos. Além disso, tal como nas Constituições anteriores, repetiu-se a referência à organização e à prestação de serviços de "interesse local" como responsabilidade dos Governos Municipais.

      Ora, é difícil imaginar o que poderia ficar de fora de uma definição tão vaga e abrangente quanto "serviços de interesse local". Evidentemente, aí estão incluídos um sem número de serviços sem os quais a vida nas cidades e no meio rural se tornaria extremamente penosa, se não impossível. Também por essa via, uma série enorme de tarefas que seriam de responsabilidade do Governo Federal e dos Governos Estaduais acaba pesando sobre os ombros das Prefeituras.

      Podem ser relacionadas, entre as muitas atribuições desempenhadas pelos Municípios:

      - a edificação e conservação dos prédios públicos municipais e, normalmente, até mesmo dos próprios pertencentes às demais esferas de Governo;

      - a construção e conservação das vias urbanas, pontes e viadutos, das estradas rurais e dos caminhos vicinais, que, além de não poderem contar com a cobrança de uma taxa pela prestação do serviço, foram prejudicadas pela extinção do IVVC - Imposto sobre a Venda a Varejo de Combustíveis. Acrescente-se, aqui, que não são raros os casos em que os Municípios efetuam a conservação de rodovias estaduais e federais;

      - a sinalização das vias públicas, muito embora as multas de trânsito sejam recolhidas pelos Governos Estaduais;

      - a realização dos serviços de assistência social, por meio de creches, asilos, orfanatos e albergues, que antes contavam com o suporte financeiro da União, mediante convênios com a extinta Legião Brasileira de Assistência;

      - o provimento do serviço de iluminação pública, que a cada dia encontra maiores dificuldades em conseguir garantir a sua remuneração mediante o sistema de cobrança de uma taxa específica;

      - a manutenção da merenda escolar, que não mais poderá ser computada como despesa na área da educação;

      - a manutenção da Unidade Municipal de Cadastramento, cujo serviço atende às necessidades do INCRA;

      - a manutenção do serviço de fomento agropecuário, que deveria caber ao Ministério da Agricultura;

      - a manutenção da Junta de Alistamento Militar, que deveria ser mantida pelos Ministérios Militares;

      - a manutenção dos serviços de correios e telégrafos, principalmente nas localidades de menor porte demográfico, o que deveria ser uma incumbência da EBCT;

      - a manutenção e muitas vezes até mesmo a construção do Fórum, o que deveria ser uma atribuição estadual;

      - a manutenção do posto policial, o fornecimento de alimentação para os presos, o fornecimento de combustível para as viaturas, o que deveria ser uma função estadual;

      - a manutenção, a conservação ou o pagamento de aluguel da residência do Juiz de Direito, o que deveria ser uma atribuição estadual;

      - o fornecimento de terrenos ou de prédios para o funcionamento dos mais diversos órgãos da administração federal e estadual (instituições bancárias, repartições públicas, agências, postos ou representações de órgãos da administração direta e indireta).

      Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a verdade nua e crua é que o Governo Municipal atua como uma verdadeira máquina invisível, desempenhando uma série de atribuições que são dos outros níveis de Governo e não recebendo sequer o devido crédito político por isso. De fato, seu trabalho somente é notado quando, por algum motivo, vem a falhar. No dia-a-dia, o bom funcionamento de todos esses serviços, inclusive dos que absolutamente não são da competência do Governo Municipal, é tido pelo cidadão como algo normal.

      Apenas o que o cidadão percebe é que o Poder Público Municipal é o mais importante no seu cotidiano, sem se dar conta de que sua Prefeitura está cobrindo as omissões dos demais níveis de Governo. Isso é o que demonstram as pesquisas de opinião, como uma recentemente realizada, onde 61% dos entrevistados apontaram o Município como a esfera de Governo mais importante, subindo para 71 por cento esse índice entre as pessoas com maior nível de instrução.

      Outro detalhe irônico e perverso nesse processo de desoneração do Governo Federal e dos Governos Estaduais em relação a suas atribuições, com a conseqüente absorção das mesmas pelos Governos Municipais, é o fato de que essa transferência de encargos ocorre com maior intensidade e variedade no caso dos Municípios de pequeno porte demográfico. É que as esferas mais amplas de Governo não encontram motivação para estabelecer uma série de serviços nos Municípios de pequeno porte, em vista da pequena clientela a ser atendida em cada um deles.

      Sob seu ponto de vista, a relação custo/benefício não seria compensatória, seria um ônus demasiado manter esses serviços integralmente às suas expensas, para o atendimento de uma clientela pouco numerosa. Mesmo no caso de serviços não gratuitos, o retorno financeiro não justificaria sua manutenção, pelo mesmo motivo.

      Desse modo, aos pequenos Municípios não resta alternativa senão assumir o encargo de oferecer à sua população toda uma série de serviços que são atribuição das demais esferas de Governo, sob pena de, não o fazendo, dificilmente - ou talvez jamais - dispor desses serviços em seu território.

      Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, no bojo das discussões que levarão à definição da nova estrutura tributária do País, um ponto precisa ficar bem estabelecido: para que as municipalidades possam continuar assumindo e para que possam desempenhar satisfatoriamente todos os encargos com que historicamente vêm sendo sobrecarregadas, urge que sejam dotadas dos recursos financeiros adequados e suficientes. Disso, é necessário que nos conscientizemos, se nossa pretensão for a de realizar uma reforma tributária duradoura, ajustada à realidade nacional, consoante à realidade de nossa administração pública, indutora do desenvolvimento econômico e promotora da justiça social.

      Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/1998 - Página 14443