Discurso no Senado Federal

ANALISE DO PROGRAMA DE AJUSTE FISCAL DO GOVERNO FEDERAL.

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL.:
  • ANALISE DO PROGRAMA DE AJUSTE FISCAL DO GOVERNO FEDERAL.
Aparteantes
Marina Silva, Sérgio Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 31/10/1998 - Página 14833
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, DEMORA, ADOÇÃO, AJUSTE FISCAL, BRASIL, RESULTADO, INTERESSE, REELEIÇÃO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
  • COMPROMETIMENTO, ORADOR, PARTICIPANTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), APOIO, AJUSTE FISCAL, GOVERNO FEDERAL, COMBATE, CRISE, NATUREZA ECONOMICA, AMBITO INTERNACIONAL.
  • ANALISE, AJUSTE FISCAL, GOVERNO FEDERAL, IMPROCEDENCIA, IMPUTAÇÃO, IMPRENSA, RESPONSABILIDADE, CONGRESSISTA, ISENÇÃO, AUMENTO, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, OBJETIVO, COMBATE, CRISE, NATUREZA ECONOMICA, MUNDO.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o assunto das medidas de ajuste fiscal não pode ficar praticamente sem receber uma palavra de cada Congressista neste momento. As minhas serão de tentativa de análise, de prudência e de superação deste falso antagonismo: tudo é bom do meu lado e tudo é ruim do lado do adversário; o Governo está carregado de razões e a Oposição está sem nenhuma razão, ou a Oposição está carregada de razões, e o Governo, sem razão alguma.  

O País está diante de sua decisão mais profunda nos últimos 20 ou 30 anos. Talvez, somente a realização da Assembléia Nacional Constituinte tenha sido um fato de valor político-histórico mais relevante que o momento em que estamos vivendo.  

Portanto, creio que as palavras do Congresso não podem ser as de retirar o máximo de proveito para efeito oposicionista, ou retirar o máximo de proveito para efeito situacionista. Não creio que o embate posto nesses termos vá contribuir, e a Nação, do outro lado, o receberá bem. Há que se analisar, em profundidade e em dificuldade, o momento e as medidas tomadas.  

Quero, de antemão, dizer que, dias atrás, a Bancada do PSDB no Senado tomou uma deliberação que me parece de extrema prudência: fixou o corte necessário na mesma casa dos R$28 bilhões, necessários ao ajuste fiscal, sem propriamente decidir, dentro do conjunto de medidas chegadas ao Congresso, quais aceitará, quais reformará ou quais rejeitará, até porque é uma pretensão descabida supor que, num primeiro momento, é possível aprofundar análises e chegar a conclusões sobre matéria de tal complexidade. Como também é impossível pressupor que a própria equipe econômica do Governo, premida por circunstâncias de momento, possa ter a perfeição de acertar em todos os pontos.  

Por tudo isso, essa matéria merece a nossa meditação, o nosso estudo e o nosso aprofundamento sério. Essa posição da Bancada do PSDB me pareceu adequada, prudente e, ao mesmo tempo, independente. Nem estamos aqui para sermos, como somos, membros do Governo, defendendo, em qualquer circunstância, todas as medidas; nem, evidentemente, estamos aqui para prejudicar não mais o Governo, mas o País, na medida em que interesses contra o Governo possam - e podem, como eventualmente acontece - chocar-se com os interesses do País.  

Para isso, é necessário analisarmos a natureza da notícia no seu primeiro impacto. Vamos tomar um exemplo acontecido com os nossos Parlamentares. Ele é muito expressivo de como é a notícia no seu primeiro momento. No dia de ontem, seja pela Internet, pelo fax ou pelo telefone, o meu gabinete recebeu dezenas de mensagens, o que, para um dia, é uma amostragem muito significativa, de um nascente clamor popular relativo ao que seria a inexistência de cortes na contribuição dos Parlamentares. Imediatamente correu pelo País a idéia de que o Parlamentar não ia pagar. Claro! Recordo-me, na véspera, em um noticiário de televisão, de a apresentadora acentuar que: "Parlamentares e militares ficarão fora". Aquilo é suficiente, para quem conhece comunicação, para imediatamente alastrar um ânimo que, no caso, seria completamente justo, porque não há nenhuma razão para parlamentar não participar de um sacrifício coletivo.  

No dia seguinte - hoje -, os jornais, e felizmente, ontem, as televisões, de um modo extremamente correto, adequado, do ponto de vista da comunicação e da informação, já dizem que não é assim. Os Parlamentares, tão logo se extinga o IPC, no início do próximo ano, evidentemente participarão, já aí como servidores públicos que descontam, e não como Poder Legislativo que desconta para um instituto especializado. Possivelmente se acalme, para quem ler a notícia de hoje, a idéia de que os Parlamentares estariam, eles, isentos dessa obrigação.  

Isso não é importante do ponto de vista geral. Quero apenas analisar como é a etiologia da notícia, da informação, como ela se expressa. Ela se expressa por conotativos. E tão logo um conotativo se faça, a meia verdade passa a ser verdade por inteiro; o indício passa a ser sintoma; o sintoma passa a ser fato; e o fato já é apresentado como julgamento; habitualmente, o julgamento acaba em condenação; e a condenação vai para o linchamento. Portanto, vamos às vezes do indício à condenação em poucas horas.  

Assim, a meu ver, acontece com o impacto de um pacote dessa natureza. O pacote apareceu para a Nação como uma grande ameaça de violência, e ele tem conteúdos ameaçadores realmente. A ameaça não é o pacote. A ameaça é a situação econômica, mas ele, que é um remédio para a situação econômica, aparece e tem alguns pontos efetivos de ameaça, principalmente sobre o servidor público, que é uma das categorias que o atual Governo não tem sabido tratar. Não tem sabido tratar do ponto de vista da comunicação, não tem sabido tratar do ponto de vista das generalidades. Sou membro do Governo, tenho que o reconhecer.  

As ameaças estão na situação brasileira. A crítica que me parece procedente da parte da Oposição é a de que essas medidas poderiam ter sido tomadas antes. Não há dúvida. Creio que houve na condução do macroprocesso político, ao longo dos últimos quatro anos, um grande equívoco na ordenação do que aconteceu politicamente nesses anos. Em primeiro lugar, o fato de que a reforma tributária não esteve adiante das demais. É um assunto que poderia ter sido resolvido há três anos. Em segundo lugar, a colocação da questão da reeleição no meio do mandato de quatro anos, que está a se extinguir. Esse foi um erro que procurei combater dentro do meu Partido - não fui vitorioso; ao contrário, fui derrotado -, que gerou um prejuízo muito grande para o andamento das reformas, pois paralisou o Parlamento por mais de um ano, além de criar um desgaste totalmente desnecessário para o Governo, do ponto de vista de sua base de aliança. É evidente que tínhamos de colocar a questão do mandato na pauta, pois, do ponto de vista constitucional, estava "quebrado". A meia revisão constitucional anterior alterou a duração do mandato de cinco para quatro anos, sem a emenda relativa à reeleição, já preparada, que era o acordo daquela ocasião. Havia que mexer, porque a Constituição estava de pé quebrado nessa matéria.  

Aquele momento não me pareceu oportuno, porque, se tivéssemos feito as reformas com uma ordenação diferente da atual, a começar pela reforma tributária, naturalmente, ao fim do processo, o problema da reeleição seria ansiado pela Nação, até porque medidas de natureza profunda na administração pública estariam dando um lastro de vitórias superior às vitórias administrativas que o Governo Fernando Henrique teve, que são inúmeras e muito pouco conhecidas. Desde logo, as vitórias nos campos da educação, da reforma agrária, da moralização da vida pública, da ordenação básica das finanças do País, da política internacional, da afirmação do Brasil no exterior. Todas as vitórias expressivas que o povo soube reconhecer seriam coroadas com a reeleição, se fosse discutida após o processo das reformas.  

Por que estou a ligar isso às medidas de ajuste fiscal? Porque, evidentemente, muitas dessas medidas, ou algumas delas, pelo menos básicas, poderiam haver sido tomadas a esse tempo.  

Com minha pequena experiência política, sei hoje que política é alternativa. Não se pode jamais analisar um fato sem considerar-lhe a alternativa. A política não é uma opção simples por uma decisão; ela é sempre alternativa. E há decisões que têm de ser tomadas entre duas alternativas difíceis, um conflito no qual a valência de cada pólo é negativa. Esses, aliás, são os conflitos mais difíceis do ser humano, optar entre dois pólos de valência negativa.  

É claro que se também algumas medidas fossem tomadas antes, acredito eu, o governante teria passado pela dificuldade de não ter praticamente o que fazer no Governo do ponto de vista de realizações administrativas. Porque o que estamos a tratar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é de uma falência do Estado, do Poder Público no Brasil, que não vem de agora. E digo com a mesma franqueza com a qual critico o meu Governo. vem de muitos anos. E, por primeira vez na história recente do Brasil, a partir de quatro anos passados, talvez não com a urgência necessária, como estou a dizer, mas começou a ser enfrentada.  

A falência do Estado, no Brasil, é uma falência antiga, que se agravou, é certo, mas que vem e pertence a um ciclo histórico no qual o Estado factor ou fautor - o Estado que faz no lugar da sociedade - chegou ao limite na sua possibilidade de abrigar potencial de investimento; chegou ao limite na sua capacidade de agir com eficácia; e chegou ao limite em relação ao custo desordenado, necessário, é certo, a todo um período no qual o Estado foi fundamental para o desenvolvimento da economia e para a propulsão do País, praticamente de uma Idade Média econômica para as fronteiras da Idade Moderna, pois estamos quase a entrar nela. E esse é o grande sentido, aliás, de o Governo Fernando Henrique Cardoso permitir que o País mude de ciclo histórico. E é por isso que paga os preços de contradições, de dificuldades, de erros e acertos nessa caminhada, mas não vacila quanto à caminhada.  

A Srª Marina Silva (Bloco/PT-AC) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Artur da Távola?  

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Com prazer, ouço o aparte da nobre Senadora Marina Silva.  

A Srª Marina Silva (Bloco/PT-AC) - Parabenizo V. Exª pelo pronunciamento. Eu estava acompanhando o discurso de V. Exª do meu gabinete. Na introdução, V. Exª expressou pensamentos muito semelhantes aos meus. Ou seja, em determinadas discussões, não se deve fazer um discurso maniqueísta, em que se enquadram os que são completamente a favoráveis ou totalmente contrários. Não se chega a um resultado, fazendo-se algum tipo de mediação entre esses opostos. Advogo uma tese que foi motivo do meu convencimento para assumir uma posição contrária à reeleição. Inicialmente, era favorável à reeleição, por entender que um cidadão não poderia ser privado do direito de recolocar seu nome para a sociedade avaliar seu desempenho à frente do Governo. No entanto, no decorrer das discussões, o Senador Eduardo Suplicy sugeriu-me ler Alexis de Tocqueville, que apresenta algo que considero fundamental: ao direito de um recolocar seu nome para uma disputa eleitoral, subordinam-se interesses de muitos. É exatamente isso que ocorre no expediente da reeleição. Ao invés de o governante fazer o que é estrategicamente necessário para o País, para o Estado ou para o Município, pelas circunstâncias — e até porque somos humanos, cheios de interesses que podem estar acima de nossas forças —, acaba fazendo o que é funcional ao expediente da reeleição. Sem o risco de estar cometendo uma injustiça, afirmo a V. Exª que o Governo não tomou certas medidas há muito tempo, pelo desgaste que causariam e pelos prejuízos que ofereceriam no decurso de um processo de reeleição. Nesse sentido, a reforma tributária foi protelada e algumas ações estruturais foram propostas à sociedade somente agora, um ou dois meses após as eleições, como parte do ajuste, quando o problema já vinha desenrolando-se no decorrer de todos esses anos. Em relação a isso, a Oposição teve uma postura de lealdade, que foi a de admoestar o Governo, durante todo o processo, de que medidas precisavam ser tomadas para que o País não chegasse a uma situação de desespero, como a atual. Não advogo a tese de que adotemos a prática de Pôncio Pilatos, ou seja, a de lavar as mãos para a crise. Penso que a Oposição precisa ter uma postura de responsabilidade e deve apresentar propostas alternativas, assim como o Governo deve ter a humildade — talvez essa não seja a palavra mais adequada, mas, na ausência de outra, eu a usarei — de reconhecer que, em momentos de crise, não se pode simplesmente chamar as pessoas, para que assumam a proposta que foi apresentada em uma postura adesista. Lamento que o Governo Federal, com a eleição recente de todos os Governadores deste País, tenha lançado o pacote, sem chamá-los para uma conversa. A crise está sendo operada pelo Governo — digamos assim — na esfera federal, mas os seus desdobramentos acontecerão em todos os rincões deste País. E as coisas acontecem nos Estados e Municípios, ou seja, na vida das pessoas. Por isso, considero que a reeleição foi prejudicial a esse processo. Ela é prejudicial, porque acaba engessando as ações do Governo àquilo que lhe rende mais pontos para a próxima disputa, e não àquilo que precisa ser feito, que, muitas vezes, pode levar ao desgaste e somente será compreendido no futuro. Isso não é válido apenas para o Presidente, mas também para os Governadores, para os Prefeitos, para todos aqueles que estão à frente de um cargo executivo e que já trabalham, pensando na próxima eleição O grande mérito do Presidente Fernando Henrique Cardoso, como sociólogo, poderia ter sido o de fazer exatamente o que era preciso, para entrarmos no novo período histórico a que V. Exª acabou de se referir.

 

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Muito obrigado, Senadora. Fico feliz de saber que V. Exª usou a expressão "aquilo que precisa ser feito". Isso já induz à certeza de que, com a liderança que tem em seu Partido, V Exª o convencerá de que precisa ser feito o que aí está.  

Porém, não quero desviar-me do meu assunto, até porque V. Exª me levará, com esse carinho e essa capacidade de nos envolver com sua inteligência e simpatia — é fácil para V. Exª me levar a qualquer caminho, pois está sempre nos caminhos do bem — para uma discussão Oposição versus Governo, exatamente o que estou tentando evitar na minha fala. V. Exª também começou analítica e acabou oposicionista. Dessa maneira, ficará difícil adequar uma resposta sem desviar-me do tempo, e o discurso, enfim, acabará por se estiolar. No geral, não conseguimos chegar ao fim que pretendemos. Isso será oportunidade de outros apartes.  

O Sr. Sérgio Machado (PSDB-CE) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Concedo o aparte, com o maior prazer, ao meu Líder, Senador Sérgio Machado.  

O Sr. Sérgio Machado (PSDB-CE) - Caro Sr. Presidente, Senador Artur da Távola, estava ouvindo seu discurso do meu gabinete. V. Exª apresentou fatos extremamente importantes. Temos de discutir a crise não sob a ótica de Oposição ou Situação, mas de brasileiro. Temos de discuti-la com medidas que venham, efetivamente, resolver o problema. Não podemos mais pensar em ajustes possíveis; temos de fazer o necessário. Se preciso de um grama de antibiótico, 0,8 não vai curar minha doença. Eu tomarei, sentirei seus efeitos e não obterei os benefícios. Este é o momento histórico do Brasil em que temos de nos colocar. Lamento muito o que ouvi, ontem, dos Governadores da Oposição recém-eleitos. Ao invés de discutirem a crise e apresentarem alternativas para sua solução, simplesmente entraram na posição do palanque, a de ser contra. A Senadora Marina Silva falou muito bem. É hora de a Oposição, de a Situação apresentarem propostas. Vamos discutir propostas que possam, efetivamente, apresentar a solução dos nossos problemas. É claro que o Brasil tem fundamentos muito importantes. Somos uma democracia consolidada, controlamos a inflação, temos um sistema financeiro saneado, somos um País transparente, mas temos dois fundamentos que precisam ser enfrentados. Nenhum país consegue sobreviver, gastando mais do que arrecada. Com um déficit de 7,8, é impossível ter um crescimento estável, reduzir os juros, enfrentar os problemas. Como V. Exª disse muito bem em sua análise, devemos ter consciência de que o papel do Estado é atender aos mais carentes, e a sua prioridade é definida pelo volume de recursos que aplica em cada atividade. No entanto, lamentavelmente, o Estado brasileiro, cada vez mais, tem menos recursos para aqueles que mais precisam, e é esse novo caminho, essa nova estrada que temos de trilhar. Vivemos um momento importante. O nosso Partido, como V. Exª bem disse na nossa reunião de Bancada, definiu que é necessário fazer o ajuste de que o País precisa. Vamos discutir se há melhores caminhos, melhores propostas; se, em vez de determinada medida, deve-se adotar outra. O que não podemos aceitar é que simplesmente se faça o ajuste "meia-sola", e, daqui a um ano, tenhamos de discutir novamente. Esse filme já vimos no Brasil: foram 20 anos de inflação continuada, com medidas paliativas, destruindo o poder aquisitivo, a renda do mais pobre. Fico muito contente com sua posição. Vamos esquecer o palanque, a Oposição e a Situação e apresentar propostas que possam resolver a questão dos brasileiros.  

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Muito obrigado, Senador Sérgio Machado, Líder da minha Bancada, por sua visão sempre clara. Sou testemunha do quanto V. Exª se empenhou, na reunião da Bancada do PSDB, no sentido de abrir uma discussão interna, fixando a idéia de um teto de corte necessário ao começo da recuperação e de uma estabilidade que agora já não é mais exclusivamente relativa à moeda, mas a questões estruturais da economia brasileira. E isso coloca para nós todos, principalmente para nós do PSDB, e tanto quanto para nós, para toda a base do Governo, uma questão crucial. Não quer dizer que concordemos em todos os pontos com o que aqui foi apresentado pelo Governo. Em relação à questão dos inativos há muito a discutir, também em relação a algumas opções por cortes - outros possivelmente sejam mais adequados; há fórmulas alternativas. O que nós temos, sim, como Congresso e como base de Governo é, em primeiro lugar, o dever de um estudo muito sério dessa questão, um dever de transcender a essas limitações do aproveitamento da situação, tanto na área do Governo quanto na área da oposição. Nem ao Governo cabe ficar o tempo todo a dizer que resolveu a questão da inflação, nem cabe à Oposição ficar o tempo todo a dizer que essas medidas teriam que ter sido tomadas às vésperas da eleição, o que evidentemente é uma utopia, já que são teses governistas e teses oposicionistas.  

Temos que enfrentar o centro do problema, particularmente, nós do PSDB. Tenho a certeza de que vamos viver momentos de extrema dificuldade em nossa popularidade pessoal, os que assumirmos o compromisso decisivo desse momento. Vai ser difícil. A matéria já foi passada à opinião pública como persecutória, ela inclusive tem alguns traços persecutórios, ela pune de modo injusto categorias que não são as responsáveis pelo fato. E, no entanto, a continuarem essas categorias a ter o peso e o custo que têm na vida brasileira, custo esse que é pago por toda a população, evidentemente que se torna insuportável a questão do Estado, torna-se inviável o Brasil como um país merecedor de investimentos externos, torna-se inviável a nossa afirmação num momento em que estamos dando a passagem de um país subdesenvolvido, de um país atrasado, de um país sem respeitabilidade internacional para uma sociedade que se pretende ser moderna, e que para ser moderna precisa, em primeiro lugar, pôr sua casa em ordem e, em seguida, partir para um programa deliberado, decisivo, infrene de enfrentamento da questão social, que é a questão mais grave deste País, que não vem deste Governo, mas de séculos de opressão, da nossa formação histórica, do conjunto de acumulação de capital, de uma concentração de riquezas que dura décadas, que nos levou para o exílio os que estão na oposição e os que hoje estão no Governo, que vem de uma questão agrária terrível, atrasada, ancestral - século XIX -, e que, por primeira vez, não apenas pelo Governo, mas pela moderna sociedade brasileira, por modernos partidos de oposição, está sendo enfrentada neste País com clareza, com uma imprensa livre, com um espetáculo democrático, com a possibilidade de vida, de vibração, para provar que na democracia é possível fazer as mudanças.  

Quando ao tirano Pinochet se lhe imputa, com toda a razão, os crimes cometidos, os setores que o apóiam brandem o argumento de que foi graças a ele que a economia chilena cresceu e se expandiu, com a suposição de que é só através das ditaduras que, pela ação decisiva do Estado, uma economia pode crescer e se desenvolver.  

O Brasil teve, em um determinado momento do Governo Vargas, no Governo Juscelino Kubitschek e no Governo Fernando Henrique Cardoso, a possibilidade de mostrar a si mesmo e ao mundo que é um País capaz de realizar transformações na plenitude do Estado democrático, esse bem maior que a Nação está a viver; e, em pouco mais de dez anos, já está a se constituir como uma democracia carregada dos defeitos ligados ao nosso atraso, mas plena na liberdade de organização e capaz de avançar através de métodos e modelos democráticos pelo seu Parlamento.  

Tudo isso são bens inestimáveis dos quais não podemos abrir mão nesse momento, os quais temos que levar em consideração ao ver esse momento dramático, histórico, esse corte na vida brasileira que está posto para a Nação, e, mais do que para a Nação, para o Congresso e para o Poder Executivo resolverem.  

Tenho a certeza - não sou uma pessoa dada à dramaticidade, exceto as interiores, que são absolutamente impossíveis de controlar, mas, na política, não sou dado à dramaticidade - de que vivemos um momento dramático, porque se não forem dados os passos, pelo Congresso e pelo Poder Executivo, no sentido de enfrentar em profundidade essa crise, agora que há condições políticas para tal, com o Governo lastreado pelo apoio popular, praticamente em começo de gestão, se não dermos as condições para o País acertar, também seremos responsáveis pelo fim de um sonho e pela imersão do Brasil naquele estado dos países que nada têm a dizer ao mundo, exatamente quando ele estava na aurora de uma forma de independência e de existência mundial como nação, que pode vir a ser uma nação moderna.  

Temos que assumir o risco de errar, porque se dermos ao Governo esses instrumentos e, ainda assim, por engano da equipe econômica ou nosso, as medidas não derem certo - porque nada é perfeito na economia e nas ciências que o homem supõe serem ciências imutáveis - também estaremos dando um passo errado, ou seja, tanto o Governo Fernando Henrique, quanto nós, quanto o País, e principalmente este, neste momento espera de nossa parte coragem, capacidade de enfrentar a popularidade. Sei que vai ser muito difícil nesses primeiros momentos, em que a oposição já ganhou a batalha da mídia, como ganhou várias outras ao longo dos quatro anos. Vai ser muito difícil para nós dizer que apoiamos o Governo. Vai ser impopular, vai ser penoso, vais ser sofrido, mas essa é a hora da nossa coragem, até porque estamos comprometidos tanto quanto o Governo nessa questão. E, na hora da nossa coragem, não podemos faltar com ela. Podemos discordar sim, aqui e ali. Não podemos deixar de analisar em profundidade a crise brasileira, de sermos capazes de superar esses antagonismos superficiais e que, muitas vezes, levam-nos a descaminhos de "nós estamos do lado do bem e os outros estão do lado do mal". Nós, como Congresso, temos esse dever. Quem se alhear a esse dever, por subserviência ao poder ou por antagonismo a outra forma de poder, que é o brilho oposicionista fácil, estará a se afastar do verdadeiro compromisso profundo com a Nação, que, neste momento, nos impele à meditação, ao aprofundamento e a um trabalho, que, nestes meus doze anos de Parlamento até agora, oito como Deputado Federal e quatro como Senador, só vi ter importância igual ao tempo da Assembléia Nacional Constituinte.

 

Obrigada, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pela atenção.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/10/1998 - Página 14833