Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÕES DO PSB FRENTE AO PACOTE ECONOMICO ENCAMINHADO AO CONGRESSO NACIONAL. CRITICAS A POLITICA ECONOMICA DO GOVERNO, EM ESPECIAL AO EQUIVOCO DA SOBREVALORIZAÇÃO CAMBIAL.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL.:
  • PREOCUPAÇÕES DO PSB FRENTE AO PACOTE ECONOMICO ENCAMINHADO AO CONGRESSO NACIONAL. CRITICAS A POLITICA ECONOMICA DO GOVERNO, EM ESPECIAL AO EQUIVOCO DA SOBREVALORIZAÇÃO CAMBIAL.
Aparteantes
Ademir Andrade.
Publicação
Publicação no DSF de 31/10/1998 - Página 14844
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL.
Indexação
  • MANIFESTAÇÃO, POSIÇÃO, ORADOR, QUALIDADE, REPRESENTANTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB), ANALISE, CRITICA, AJUSTE FISCAL, GOVERNO FEDERAL, ENCAMINHAMENTO, CONGRESSO NACIONAL.
  • CRITICA, MANUTENÇÃO, GOVERNO FEDERAL, POLITICA, VALORIZAÇÃO, CAMBIO, MOEDA, REAL, PROVOCAÇÃO, AUMENTO, VALOR, EXPORTAÇÃO, COMPROMETIMENTO, COMPETIÇÃO INDUSTRIAL, BRASIL, MERCADO INTERNACIONAL.
  • ANALISE, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CRITICA, SUJEIÇÃO, BRASIL, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), ADOÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, PREJUIZO, POPULAÇÃO CARENTE, CLASSE MEDIA.
  • CRITICA, AJUSTE FISCAL, GOVERNO FEDERAL, EXCESSO, AUMENTO, ALIQUOTA, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, APOSENTADO, FUNCIONARIO PUBLICO.
  • CRITICA, GOVERNO, FALTA, INCLUSÃO, LEGISLATIVO, DISCUSSÃO, ELABORAÇÃO, AJUSTE FISCAL, OBJETIVO, COMBATE, FUGA, CAPITAL ESPECULATIVO, CAPITAL ESTRANGEIRO, BRASIL.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago, neste momento, a palavra de preocupação do PSB, do meu Partido, frente ao "pacotão" que está sendo hoje digerido pela sociedade brasileira e encaminhado ao Congresso Nacional pelo Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso.  

Trata-se de um remédio amargo que nos está, mais uma vez, sendo imposto pelo Governo Federal. Em novembro do ano passado, por ocasião da crise asiática, o Governo veio ao Congresso Nacional apresentar um Plano de Estabilização Fiscal e afirmou, alto e bom som, que não era do seu desejo entrar em entendimento com o FMI. Não se passou nem um ano e o Governo se entrega à vontade do FMI, passando a adotar uma política recessiva com a aprovação desse plano, para o qual não houve uma discussão prévia, pelo menos entre Lideranças do Governo e da Oposição, porque essa poderia apresentar alternativas que talvez fossem aceitas pelo Governo, não digo em sua totalidade, mas parcialmente, no sentido de não penalizar, como está fazendo, as classes mais pobres do Brasil.  

Quando, por exemplo, o Governo, através do seu Ministro da Fazenda, vem ao Senado Federal e afirma, alto e bom som, que não pretende mudar a sua política cambial e que, com a elevação dos juros, vai segurar a estabilidade do real, ele age impositivamente, de forma discricionária, porque, sabendo que tem maioria no Congresso Nacional, conta com a aprovação tácita, certa, do seu projeto que penaliza a sociedade brasileira. Se o Governo realmente quisesse discutir de forma democrática o problema do câmbio, que é questão nevrálgica que vem desacreditando, pelo menos em nível internacional, o Brasil, quem sabe estaríamos hoje numa situação muito mais confortável e a recessão não estaria batendo às nossas portas com todo tipo de conseqüências, principalmente para as camadas mais pobres.  

Os economistas divergem, têm pontos de vista diferentes sobre a condução da política econômica no Brasil.  

A equipe do Presidente Fernando Henrique Cardoso mantém teimosamente a nossa moeda ou o câmbio sobrevalorizado. É o que afirma, por exemplo, um Deputado da Bancada do Governo, o Deputado Federal Antônio Delfim Netto, que escreve na Folha de S.Paulo , na última quarta-feira, um artigo "O Brasil e os Outros", mostrando que países como o Canadá, Austrália e Nova Zelândia mexeram no câmbio, desvalorizando as suas moedas, e nem por isso entraram em crise ou tiveram uma alta tão grande nos níveis de inflação. Nesses países, os seus governos desvalorizaram as suas moedas, chegando até a 20%, e, no entanto, não se ouve falar de lá em crise cambial.  

O articulista Deputado Antônio Delfim Netto, em determinado momento, diz em seu artigo:  

...é falsa a "teoria" de que a flutuação do câmbio é inútil, porque ela eleva na mesma proporção os preços internos e, conseqüentemente, não altera o câmbio real; 2) que em condições normais de pressão e temperatura existe, sim, a escolha política de defender o câmbio valorizado elevando a taxa de juros para atrair capital e cobrir o déficit em conta corrente reduzindo a atividade interna (que é a escolha do Brasil) ou deixar flutuar o câmbio e defender o emprego (que é a escolha mais inteligente dos outros); 3) que, quando o câmbio flutua, as condições de ataque especulativo tornam-se mais difíceis: as reservas dos três países permaneceram intactas nos últimos 12 meses.  

Quando comparamos o "mix" de política econômica desses três países com a do Brasil é que compreendemos a extensão de nosso desastre: uma magnífica vitória no combate à inflação foi usada para esconder uma inepta política cambial sustentada por sistemáticas elevações de juros que destruíram a higidez do sistema bancário e arruinaram a agricultura e a indústria. Tudo bem temperado com a enorme "farra" fiscal produzida pela reeleição!  

Sr. Presidente, não é apenas um economista brasileiro que acha que a condução da política econômica do Brasil está errada. Outros economistas no mundo inteiro, inclusive nos Estados Unidos, acreditam que o Brasil está tomando o bonde errado.  

O economista Rudiger Dornbusch, chamado profeta do fim do mundo, dizia, no dia 4 de julho de 1996, que "o Brasil está à beira de uma crise financeira como a que se abateu sobre o México no fim de 1994". Segundo o economista, "o Governo brasileiro está mantendo a inflação sob controle às custas de uma supervalorização de 30% a 40% do real e da manutenção de taxas de juros em níveis artificialmente elevados, como maneira de atrair capital do exterior".  

Aliás, em se falando sobre juros, Sr. Presidente, o jornal O Globo , de ontem, publicou uma tabela que mostra que o Brasil terá carga tributária recorde com o ajuste, que chegará a 31% do PIB, maior do que a dos Estados Unidos, África do Sul, Argentina, Egito, Costa Rica, Panamá, Japão, Singapura, México, Chile, Tailândia, Coréia do Sul e Índia.  

Sr. Presidente, a teimosia do Governo Federal em manter essa política econômica equivocada é também atacada e criticada por um dos maiores jornais dos Estados Unidos, o The New York Times . Nele, um grande economista, Michael M. Weinstein, afirma, que:  

Nesse meio tempo, o receituário do FMI vai lançar o Brasil numa recessão que pode melhorar o déficit em transações correntes mas vai tratar brutalmente os mais pobres e esmagar as aspirações da classe média".  

E adiante:  

A problemática situação financeira brasileira foi causada por uma incendiária combinação de políticas. O País fixa sua moeda, o real, a uma taxa que pode estar sobrevalorizada de 15% a 40%. Isso torna as exportações caras, as importações baratas e encoraja os dólares a sair, não a entrar.  

... 

Terceiro, o real é conversível, o que significa que os investidores podem forçar o governo a trocá-lo por dólares a qualquer momento. A combinação de uma moeda sobrevalorizada, elevado endividamento" - o endividamento de curto prazo do Brasil chega a US$150 bilhões - "e conversibilidade cria um cenário financeiro em que a calamidade está apenas a um passo adiante da crise de confiança.  

Sr. Presidente, não é possível que tantas críticas são feitas no Brasil e fora dele a essa política econômica e só quem está certo é a equipe do Sr. Pedro Malan. Ontem S. Exª esteve aqui no Senado Federal, passou quatro horas falando e não disse a que veio; não explicou, não convenceu, inclusive deixou muita gente do próprio Governo mais atônita e sem entender os objetivos do Governo Federal, a não ser que ele resolveu realmente se render às imposições do FMI.  

Os funcionários públicos foram muito visados nesse Plano de Estabilização Fiscal do Governo. Um Técnico do Ministério da Fazenda, por exemplo, que ganha R$2.200,00, atualmente paga 11% de contribuição para a Previdência Social, ou seja, R$242,00. Com o acréscimo de 9%, uma vez que sua remuneração está acima de R$1.200,00, passará a pagar R$332,00; R$90,00 a mais serão extraídos do seu salário, o que corresponde a 37% de aumento na contribuição. Para qualquer brasileiro da classe média, R$90,00 é muito dinheiro; dá, por exemplo, para cobrir quase que a mensalidade da escola particular de um filho.  

Levando-se em conta que os funcionários, durante quatro anos, não tiveram qualquer aumento, é injusto que, neste momento, sejam convocados a ajudar na efetivação de um plano para o qual sequer foram consultados.  

Do ponto de vista do nosso Partido, é injusto que o Governo Federal apresente esse Plano ao Congresso Nacional. Esperamos que, no decorrer dos debates, tanto na Câmara como no Senado, possamos aperfeiçoá-lo. Será difícil fazê-lo, porque a filosofia principal é a de manutenção da política de câmbio no Brasil. Mesmo com a boa vontade que a Oposição terá nos debates, será difícil melhorá-lo, porque o principal o Governo, teimosamente, mantém-se a defender.  

Sr. Presidente, Srs. Senadores, a nossa palavra é de preocupação e de protesto; também é de solidariedade a todos aqueles que estão sofrendo as conseqüências dessa crise. A minha solidariedade às pessoas que não possuem casa própria e não têm perspectiva de consegui-la no futuro, uma vez que a recessão dificultará o financiamento para a construção da casa popular; aos trabalhadores que perderão o emprego, pois se prevê que haverá, aproximadamente, dois milhões de desempregados a partir de 1999, com a aplicação desse Plano; aos micro e pequenos empresários, que, com o aumento da CPMF e do Cofins e com o recrudescimento das taxas de juros, estão sendo profundamente penalizados em seus projetos em favor do desenvolvimento do Brasil. A minha solidariedade, enfim, a todos os brasileiros, que esperam do Congresso Nacional — e, mais de perto, do Senado Federal — o cumprimento do seu dever constitucional de propor ao Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso medidas sociais para combater a crise, bem como de sugerir-lhe mais humildade, porque, a adoção de um plano como esse, sem consulta prévia ao Parlamento, não deixou de ser um ato de desatenção ao Legislativo.  

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB-PA) - Permite-me, V. Exª, um aparte?  

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB-SE) - Concedo o aparte ao Senador Ademir Andrade.  

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB-PA) - Cumprimento V. Exª pelas preocupações que manifesta nessa tribuna e me somo à solidariedade que também presta ao povo brasileiro neste momento de dificuldades. Volto a repetir, Senador Antônio Carlos Valadares, o que falei no aparte anterior: estou extremamente preocupado com a situação do nosso País. O Orçamento da União passa, por exemplo, a ser uma peça de ficção; até se perde o gosto de discuti-lo. Já veio o primeiro Orçamento no prazo constitucional — em agosto —, e, na próxima semana, o Governo mandará o segundo, naturalmente com cortes drásticos na área social, principalmente no que se refere à educação e saúde. Nós, nesta Casa, procuramos dar a nossa contribuição ao desenvolvimento do nosso País; trabalhamos muito para colocar no Orçamento recursos destinados a determinadas obras que promovem o desenvolvimento e o emprego, mas, no final, depois de uma luta árdua para aprovar as emendas no Congresso Nacional, percebemos a dificuldade na liberação do dinheiro. Darei um exemplo específico: a Comissão de Assuntos Sociais aprovou um projeto para desenvolvimento do turismo em cidades com orlas fluviais. A emenda apresentada pela Comissão foi de R$20 milhões; no Orçamento — com muito esforço nosso — foram aprovados R$5 milhões. Conseguimos fazer com que o Congresso Nacional aprovasse, e o Presidente da República sancionasse esse valor. Trata-se de uma obra na Prefeitura de Belém, uma cidade belíssima, cuja orla é toda tomada por particulares; o povo de Belém não vê a sua baía, não vê o seu rio. Nós criamos um projeto para abrir a baía, o que incrementaria enormemente o turismo. Dos R$5 milhões, o Governo assinou um convênio de R$2.900 milhões, empenhou R$500 mil, liberou R$100 mil; faltam R$400 mil. Ontem, tive uma audiência com o Dr. Caio, da Embratur, que mencionou a quase impossibilidade de empenhar os R$2 milhões restantes. Quer dizer, todo o esforço feito foi em vão. O próprio Dr. Caio reconhece a importância desse projeto para modificar o futuro da capital do Pará, gerar emprego e propiciar o desenvolvimento do turismo em Belém. Ele é um defensor intransigente desse projeto, mas não consegue os recursos para sua execução. Isso é lamentável! Nossa vida é uma verdadeira peregrinação por coisas simples, que não se conseguem com facilidade. As nossas emendas não são atendidas, muito menos as de Bancada. Penso que V. Exª trabalhou, no ano passado, na Comissão do Orçamento; fiz questão de ser membro dessa Comissão no primeiro e no segundo ano de mandato, mas depois desisti, porque é um esforço em vão. O Governo não respeita; o Orçamento é uma peça de ficção. Não existe dinheiro para o que é fundamental ao desenvolvimento do nosso País; no entanto, o dinheiro para pagar o serviço da dívida é "imexível", como disse um ex-Ministro do Trabalho.

 

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB-SE) - A curto prazo, são US$150 bilhões.  

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB-PA) - Apresentei uma emenda constitucional que revoga o artigo referente ao dinheiro destinado ao serviço da dívida e que até hoje não foi aprovada. Aliás, ninguém sabe como esse artigo foi incluído na Constituição. Quer dizer, o único dinheiro que não se discute é aquele que se destina ao serviço da dívida; pelo que se sabe, está chegando a 50% do nosso Orçamento. É preciso refletir sobre essa situação e sobre a real preocupação do Governo, ou seja, se ele está preocupado em equilibrar as contas e resolver o problema do nosso País, ou em pagar a conta aos banqueiros nacionais e internacionais.  

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB-SE) - E o lamentável, Senador Ademir Andrade, é que o Governo Federal — mais de perto, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, perdeu um grande trunfo. No ano passado, no período que antecedeu as eleições, ao invés de se debruçar e estudar um plano viável de combate a essa crise que está atingindo todo o Brasil, preocupou-se única e exclusivamente em viabilizar o projeto pessoal da sua reeleição e perdeu quase um ano, lutando para que o Congresso Nacional promovesse a aprovação do seu sonho de ser reeleito Presidente da República.  

Se o Governo, naquele ano, ao invés de ter se dedicado a um problema político pessoal, tivesse entrado de rijo, com vontade política, na solução dos problemas nacionais, por certo não estaríamos vivendo essa crise, já que tudo foi adiado em nome da reeleição.  

Obrigado, Sr. Presidente.  

 

m* z


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/10/1998 - Página 14844