Discurso durante a 106ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE MEDIDAS ADOTADAS NO PLANO DE AJUSTE FISCAL, QUE SACRIFICAM EXAGERADAMENTE OS SERVIDORES PUBLICOS.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA FISCAL. :
  • COMENTARIOS SOBRE MEDIDAS ADOTADAS NO PLANO DE AJUSTE FISCAL, QUE SACRIFICAM EXAGERADAMENTE OS SERVIDORES PUBLICOS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, José Eduardo Dutra.
Publicação
Publicação no DSF de 30/10/1998 - Página 14791
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA FISCAL.
Indexação
  • DEFESA, SERVIDOR, OPORTUNIDADE, COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, FUNCIONARIO PUBLICO.
  • ANALISE, PLANO, AJUSTE FISCAL, GOVERNO, AUMENTO, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, PREJUIZO, ASSALARIADO, SERVIÇO ATIVO, APOSENTADO.
  • MANIFESTAÇÃO, OPOSIÇÃO, EXCESSO, AUMENTO, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, FUNCIONARIO PUBLICO, EXIGENCIA, COBRANÇA, APOSENTADO, CRITICA, POSSIBILIDADE, ARBITRARIEDADE, EXONERAÇÃO, SERVIDOR.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, transcorreu ontem o Dia Nacional do Servidor Público.  

Não podia ser menos festiva e alvissareira a conjuntura em que se comemorou o evento. A própria data, tão cara aos milhões de servidores públicos brasileiros, acabou por ficar na sombra, passou quase despercebida, ofuscada na mídia pelas preocupações gerais com o anúncio do ajuste fiscal pelo Presidente da República e pelo Ministro da Fazenda, ocorrido ontem.  

Entre as medidas editadas, em vias de serem apreciadas pelo Congresso Nacional, a maioria de caráter impopular, tidas, no máximo, como um mal necessário para evitar o descalabro financeiro da União, figura uma com endereço certo – o funcionalismo público federal –, na forma de aumento das contribuições dos servidores ativos e inativos para o sistema de seguridade social.  

Outra iniciativa legislativa temática parece ser a das leis complementares, versando sobre os critérios tanto de avaliação de desempenho como causa de perda do cargo de servidores estáveis (art. 41, inciso III, da Constituição Federal), como de definição de prioridades na exoneração de servidores estáveis em razão de excesso de gastos da unidade federativa, em face do percentual fixado em lei, em obediência ao comando do art. 169, § 4º, da Constituição Federal.  

Neste quadro, entendo que a melhor forma de um parlamentar federal render homenagens aos servidores públicos – na sua imensa maioria constituídos de profissionais zelosos e dedicados – é colocar sua voz e seu voto a serviço dessa numerosa e sacrificada coletividade.  

Quanto às matérias mencionadas, quero manifestar de antemão minha contrariedade em relação à elevação exagerada da contribuição dos servidores ativos em alíquotas que, especula-se, chegariam a 15 e até a 20%.  

Ora, um gravame de 20% sobre os vencimentos brutos, somado ao desconto do imposto de renda de até 26,5%, além de outros descontos voluntários, resultaria num verdadeiro confisco de metade da remuneração do servidor, o que repugna a nossa consciência jurídica e, até mesmo, contrasta com a Carta Magna do País, que proíbe, expressamente, qualquer tributação com efeito confiscatório. E, como se sabe, pelo sistema da Constituição vigente, a contribuição social tem natureza tributária.  

Quero deixar claro, todavia, minha posição favorável ao controle dos gastos públicos, compreendendo a necessidade de distribuição equânime dos sacrifícios, ainda que com certo ônus para os servidores, mas nunca numa escala tão penosa. Até porque não há segmento social no Brasil que, como os servidores, tanta contribuição tenha dado ao saneamento das contas públicas, mantidos há quatro anos sem qualquer reajuste. Assim, não é justo nem razoável penalizá-los ainda mais sem prejuízos definitivos à sua própria dignidade humana.  

Quanto aos inativos, não há justificativa moral ou jurídica para cobrar-lhes, de novo, contribuição a um sistema para o que já foram descontados durante toda uma vida funcional, ao longo da qual aperfeiçoou-se seu direito, conforme as normas então vigentes, a perceber uma certa contrapartida na forma de proventos de inatividade.  

Negar-lhes hoje tal benefício importa, a meu ver, ofensa ao princípio do direito adquirido, erigido pela Constituição da República em cláusula pétrea, imune até ao poder reformador, através de proposta de emenda ao seu texto. Trata-se de uma questão de princípio, onde não vale transigir.  

Quanto à regulamentação das possibilidades de exoneração do servidor público estável, é preciso todo cuidado na elaboração de critérios que prestigiem o princípio da impessoalidade e moralidade administrativas, para não se dar ensejo, numa matéria técnica e financeira como essa, a arbitrariedades e privilégios de quaisquer naturezas.  

Sinto-me à vontade para assumir tais posições, sem qualquer conteúdo de oposição aos esforços louváveis do Excelentíssimo Senhor Presidente da República de contenção de gastos públicos, mas apenas por dever de coerência para com a minha própria trajetória política.  

Nestes quatro anos no Senado Federal, tenho me batido, sem trégua, em defesa dos interesses dos servidores públicos, notadamente os do meu Estado – o Amapá.  

Ombro a ombro com a bancada federal do Amapá, realizei junto à Administração Pública Federal todas as gestões possíveis para evitar a demissão de milhares de servidores públicos federais à disposição do Estado do Amapá, obtendo êxito nestas gestões.  

No texto da Reforma Administrativa, logramos inserir dispositivo (o art. 31) garantindo a manutenção em quadro em extinção da Administração Federal de inúmeros servidores que prestavam serviços ao ex-Território quando de sua transformação em Estado.  

Toda esta atuação tem em vista não somente a proteção dos cargos dos servidores, mas, sobretudo, o princípio da continuidade administrativa, primordial ao funcionamento eficiente da máquina pública.  

Entendo, com a melhor doutrina administrativa, que as prerrogativas dos servidores, tais como uma certa estabilidade no cargo e a garantia de não redução de vencimentos, não resguardam apenas o interesse individual do servidor, mas pretendem assegurar ao Estado um mínimo de condições para realizar uma boa administração, através de agentes públicos eficientes, bem treinados, bem remunerados e protegidos de eventuais práticas abusivas por parte de autoridades.  

É preciso, a todo custo, evitar-se o risco de se colocar a ocupação e a desocupação de cargos públicos ao sabor de picuinhas políticas locais, regionais ou mesmo nacionais.  

Da profissionalização, da qualificação e de um mínimo de segurança na permanência nos quadros administrativos é que depende o sucesso de qualquer governo sério, com projetos estratégicos que exijam continuidade e não se esgotem numa só gestão.  

Isto é o que de precisamos: de uma burocracia estável competente e bem remunerada.  

Assim, nesta data alusiva ao funcionalismo público, quero colocar-me ao seu lado, pelo menor sacrifício possível de seus interesses, já tão duramente atingidos nos últimos tempos, certo de que seus interesses são, quase sempre, coincidentes com o do próprio Estado ou Nação, na qualidade de seus agentes administrativos, membros atuantes e indispensáveis no organismo estatal, que queremos ver forte e saudável na prestação de bons serviços públicos à população.  

Sr. Presidente, nobres Senadores, mais uma vez temos uma dificuldade complexa. Desde anteontem, a Nação discute o lançamento do pacote de ajuste fiscal, e ontem, aqui da minha cadeira, observava os nobres Pares a comentarem suas preocupações e fazerem ponderações. Tive a oportunidade de acompanhar uma intervenção do nobre Senador Artur da Távola, que, com seu brilhantismo e o baile harmônico das palavras proferidas, encantou a todos neste plenário.  

Em outro momento, subiu a esta tribuna o Senador Roberto Requião. Acompanhei seu discurso, conjecturando sobre seu enfoque. De um lado e do outro, presenciei o brilhantismo de vários Colegas, mas nesta tribuna esteve um Senador aguerrido e operante, que, de uma forma contundente, repudiou o ajuste fiscal. Do meu lugar, fiquei atento e preocupado. E pensei: ali está o príncipe do Apocalipse. O discurso de S. Exª foi tão veemente que me pareceu que o Brasil não teria mais jeito, segundo as afirmações do Senador.  

Ora, estamos vindo de uma eleição, e o Presidente Fernando Henrique e seus ministros, na área do Executivo, têm suas preocupações e tomam medidas que não são tão populares, mas que se fazem necessárias. Apesar dos sacrifícios e das dificuldades que o povo brasileiro enfrentará, nesta hora em que todos os segmentos são convidados a dar sua contribuição, qual é o político que não gostaria de ter 100% de apoio da opinião pública? O sacrifício, no entanto, faz-se necessário.  

Portanto, Sr. Presidente, ao mesmo tempo em que venho à tribuna em defesa dos servidores públicos, também defendo o Presidente da República; mas aproveito a oportunidade para fazer um apelo a Sua Excelência e à sua equipe econômica: que os sacrifícios a serem imputados aos servidores públicos sejam vistos com muito carinho. Temos como fazer alguns cortes, temos como ajustar, mas não é por esse caminho.  

Senhor Presidente da República, Srs. Ministros, estamos há quatro anos sem reajuste, com o salário defasado, e tenho certeza absoluta de que não é cortando 20% do salário dos servidores que vamos resolver o problema dessa crise, que acredito será passageira.  

Ontem ouvi o nobre Senador Requião tirar do túmulo Karl Marx e Engels, conclamando o estatismo enquanto o mundo se moderniza. E nós pagamos um preço por essa modernização. Ao Presidente da República e à sua equipe econômica, como também ao Congresso Nacional, devemos grandes avanços. Contudo, voltou aqui o atraso, Sr. Presidente. Desta tribuna, vi talvez um troglodita do estatismo rejuvenescendo no desejo único e exclusivo de chamar a atenção. Portanto, aos príncipes do Apocalipse, cautela, porque o Brasil tem jeito e está no caminho certo.  

Fica registrado o meu apelo ao Presidente de República e à sua equipe econômica para que dêem atenção especial aos nossos servidores públicos.  

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT-SE) - V. Exª me concede um aparte, Senador Gilvam Borges?  

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Concedo o aparte a V. Exª, nobre Senador José Eduardo Dutra.  

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT-SE) - Senador Gilvam Borges, queria apenas fazer um registro: fui um dos Senadores que estavam em plenário por ocasião do pronunciamento do Senador Roberto Requião, e fiz-lhe um aparte, elogiando seu discurso. Agora, vejo V. Exª criticá-lo duramente. Naturalmente, o procedimento dos Senadores não é igual, não são todos que agem da mesma forma; por exemplo, nas duas ou três vezes que me pronunciei sobre discursos feitos anteriormente por outros Senadores, fiz questão de avisá-los, dizendo-lhes que faria referência a seus pronunciamentos, e que gostaria de contar com suas presenças. Se não me engano, isso aconteceu com o Senador José Roberto Arruda e com o Senador Romero Jucá, na época da discussão da Reforma Administrativa. V. Exª diz que assistiu ao discurso do Senador Roberto Requião; não sei se pela televisão ou em plenário; se V. Exª estava no plenário e tinha essa opinião sobre o seu discurso, poderia tê-lo contestado de corpo presente, em aparte. Particularmente, não considero muito elegante fazer referências a pronunciamentos de Colegas na ausência deles, a não ser que V. Exª tenha avisado ao Senador Roberto Requião - e então antecipo minhas desculpas - de que iria referir-se ao seu discurso, e S. Exª, porventura, não tenha tido a oportunidade de comparecer. Eu quis fazer esse registro, porque não concordo com o pensamento de V. Exª sobre o pronunciamento do Senador Roberto Requião. Particularmente, alinho-me com quase tudo o que S. Exª disse. E não me considero um troglodita. Muito obrigado.

 

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Senador José Eduardo Dutra, sem sombra de dúvida, eu estava aqui ontem; mas justamente por uma questão de educação e elegância, não quis tirar o brilho do pronunciamento do Senador Roberto Requião, interrompendo-o e polemizando sobre o assunto, porque talvez eu fosse quebrar a seqüência do discurso de S. Exª . Contudo, do meu discurso daqui desta tribuna, teremos desdobramentos, quando então teremos oportunidades para o embate neste plenário. Ainda temos quatro anos pela frente.  

Respeito e compreendo a posição de V. Exª, como Líder da Oposição. Sei que V. Exª está enfrentando um grande conflito, em face de toda a mudança que temos tido: o Muro de Berlim já caiu, a Revolução de 1917 não deu certo, e o mundo está-se modernizando. É uma questão de metodologia ou de ideologia, mas respeito o posicionamento de V.Ex.ª e reconheço sua brilhante atuação.  

Quanto ao embate, V. Exª pode ter a certeza de que o Senador Roberto Requião e eu teremos muitas oportunidades de travá-lo. Não fiz a intervenção ontem, Senador José Eduardo Dutra, por uma questão de educação e respeito ao pronunciamento do Senador e por não pretender quebrar a sua seqüência ou diminuir o seu brilhantismo. De repente, o aparte levaria cinco ou dez minutos, e S. Exª voltaria para contestar. Tive realmente muito respeito pelo pronunciamento do Senador, mas contesto-o em outras posições e ótica.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Concede-me V. Exª um aparte?  

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Ouço V. Exª com prazer.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Desejo apenas dar meu testemunho. Assisti ao pronunciamento do Senador Roberto Requião, aparteei-o e o cumprimentei. Tendo acompanhado as mais de 20 laudas escritas e faladas pelo Senador Roberto Requião, escutei críticas severas, por exemplo, à política de taxas altíssimas de juros, a políticas que resultaram em problemas de desigualdade, a políticas que não combateram devidamente a pobreza, o desemprego, a políticas que resultaram no encolhimento da produção agrícola e na diminuição do valor da produção industrial em relação ao Produto Interno Bruto brasileiro. Ainda nesta semana, a Associação Brasileira de Indústrias de Máquinas e Equipamentos – Abimaq – e o Sindicato das Indústrias de Máquinas e Equipamentos – Sindimaq – divulgaram na imprensa um documento sobre qual será a próxima bordoada. Falam justamente da diminuição tão significativa do setor de equipamentos, que, antes, abrigava um número bem maior de empregados. Foi esse o sentido maior da crítica do Senador Roberto Requião. S. Exª não fez menção a querer que a economia brasileira fosse hoje estatizada, como V. Exª mencionou. S. Exª se preocupou com a criação de um modelo que representasse crescimento mais acelerado da Economia e maior eqüidade para todos os brasileiros. É apenas este o registro que gostaria de fazer, a bem da verdade.  

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Agradeço o aparte de V. Exª e apelo para que releia o pronunciamento do nobre Senador Roberto Requião para compreender o que há realmente no seu âmago. Tratou-se de um apelo ao estatismo. Mais tarde, discutiremos o mérito desse discurso. Coloco-me à disposição para discutir a questão não só no Plenário, como em outras oportunidades.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, encerro minhas palavras e agradeço a atenção. Que Deus nos abençoe e nos proteja. Continuarei, como um dos caçulas da Casa, observando os debates.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/10/1998 - Página 14791