Discurso no Senado Federal

ANALISE DE DECLARAÇÃO FINAL DO SIMPOSIO SOBRE A DIVIDA EXTERNA, PROMOVIDO PELO CONSELHO NACIONAL DAS IGREJAS CRISTÃS, PELA CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL E PELA COORDENADORIA ECUMENICA DE SERVIÇOS.

Autor
Odacir Soares (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA EXTERNA.:
  • ANALISE DE DECLARAÇÃO FINAL DO SIMPOSIO SOBRE A DIVIDA EXTERNA, PROMOVIDO PELO CONSELHO NACIONAL DAS IGREJAS CRISTÃS, PELA CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL E PELA COORDENADORIA ECUMENICA DE SERVIÇOS.
Publicação
Publicação no DSF de 30/10/1998 - Página 14802
Assunto
Outros > DIVIDA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, DECLARAÇÃO, RESULTADO, SIMPOSIO, DIVIDA EXTERNA, PROMOÇÃO, CONSELHO NACIONAL, IGREJA, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), REALIZAÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF).
  • DEFESA, URGENCIA, DISCUSSÃO, PROBLEMA, DIVIDA EXTERNA, PAIS.

O SR. ODACIR SOARES (PTB-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, promovido pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e Coordenadoria Ecumênica de Serviços, realizou-se em Brasília, no período de 21 a 23 de julho último, um simpósio sobre dívida externa, suas implicações e perspectivas. Participaram do evento cerca de 100 representantes de igrejas cristãs e de movimentos e entidades da sociedade civil, inclusive 17 representantes advindos de outros países da América Latina, dos Estados Unidos e da Europa.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos tempos, o problema da dívida externa deixou de ser elemento de análise e discussões públicas, seja porque os governos estão centrados na administração dos problemas imediatos, seja porque o assunto deixou de ser veiculado pelos meios de comunicação de massa. No entanto, trata-se de uma questão cujas conseqüências se fazem presentes de forma contundente sobre a vida da Nação que vê seu Estado cada vez com menos condições de encaminhar adequadamente e com a rapidez requerida o seu desenvolvimento. Deixou-se de falar da dívida externa, mas suas conseqüências continuaram e continuam inexoráveis.  

O endividamento externo do nosso País, nas décadas de 70 e 80, foi marcado por um longo processo de expansão e de crise, comprometendo uma inteira geração, pelos resultados profundamente negativos, configurados na estagnação e no aumento da dependência a que o Brasil foi sendo submetido.  

Na atual década, esse processo assumiu características diferenciadas, porém sem mudança no que diz respeito às perspectivas sociais e econômicas. Os horizontes indicam uma evolução que se encaminha para uma crise ainda mais grave. A realidade do endividamento externo apresenta maior complexidade no contexto das relações econômicas internacionais e não se constitui o único elemento indicador da dependência de recursos externos.  

De acordo com os participantes do Simpósio, o atual ciclo do endividamento está marcado pelo pequeno crescimento econômico, pela alta dependência das importações e pelo baixo nível de investimento público e privado. Tudo isso, em termos de indicadores econômicos, traduz-se no crescimento do déficit em conta corrente com o exterior e na ampliação do volume do capital em mãos estrangeiras.  

"Passivos externos crescentes - destaca a conclusão do Simpósio - sem contrapartida de exportações com crescimento similar, aprofundam o desequilíbrio externo. Esse indicador direto da dependência econômica externa torna o sistema frágil, à semelhança de organismo débil, susceptível a toda e qualquer contaminação por bactérias e parasitas em circulação pelo meio ambiente, ávidos por atacar seletivamente corpos indefesos. Essa lógica da biopatologia não é estranha às estratégias dos denominados ataques especulativos financeiros que ora devoram as chamadas economias emergentes pelo mundo afora".  

"O crescimento do endividamento externo - continua a declaração final do Simpósio - reflete-se também no aumento da dívida pública interna. Esta, por sua vez, implica encargos que consomem recursos públicos para esse fim reservados ilimitadamente nos orçamentos estatais. Produz-se, então, uma completa inversão de valores éticos na gestão da política fiscal, visto que, ao sancionar os gastos com encargos das dívidas interna e externa sem limites e sem participação do Congresso, o sistema impõe toda a prioridade orçamentária para o serviço das dívidas...", destinando resíduos a todas as outras funções e necessidades públicas, resíduos a serem "ajustados", cortados, ignorados ou suprimidos.  

Nesse sentido, é importante lembrar o que a imprensa comentou por ocasião do leilão da Telebrás. Foi dada razão ao Governo quanto à decisão de utilizar os recursos obtidos por meio do leilão para abatimento da dívida. No entanto, embora a venda tenha sido exitosa, como tantas outras, o País continua com seu Tesouro obrigado a rolar uma cara e fantástica dívida, em prazos curtíssimos. Trata-se, portanto, de um Tesouro imobilizado, sem liberdade para agir.  

O montante bruto dessa dívida, de acordo com dados do Banco Central, do começo de 1994 para o início de 1998, passou de 145 bilhões e 700 milhões para 193 bilhões e 200 milhões de dólares. De janeiro de 1995 a junho de 1998, os déficits em conta corrente com o exterior foram da ordem de 89 bilhões e 500 milhões de dólares. No final do ano em curso, deverão atingir 100 bilhões de dólares em novas obrigações a serem pagas com moeda estrangeira.  

Em termos puramente numéricos, em junho do corrente ano, a dívida mobiliária do Brasil em poder do mercado era de 168 bilhões e 238 milhões de reais, ou, somando-se também os papéis do Tesouro na carteira do Banco Central, 262 bilhões e 409 milhões de reais.  

É fácil imaginar as obrigações que decorrem de montantes tão altos de dívida. Vale lembrar também que a decisão de aplicar o dinheiro do leilão no abatimento da dívida não constitui garantia para que a mesma pare de crescer. A dívida poderá subir em qualquer circunstância, a partir de problemas internacionais ou de erro na condução da política interna.  

A melhor política continua sendo a de apressar os ajustes e reduzir a dívida, mas estão aí as dificuldades pelas quais passa o País, especialmente, a humilhante situação de não ter liberdade para resolver os problemas do seu povo.  

Trata-se de uma engenharia econômica perversa, responsável pela postergação das prioridades sociais nos orçamentos, exigindo mais sacrifícios e austeridade em nome da necessidade urgente de ajustes estruturais.  

É verdade que durante esse período de aumento do endividamento externo houve também uma expansão econômica da ordem de 2,5 a 3 % do Produto Interno Bruto, mas a possibilidade de emprego tem diminuído nos últimos tempos. Em 30 de julho de 1998, a Gazeta Mercantil comentou esse fato, dizendo que "está havendo um fenômeno novo e perturbador no mercado de trabalho. Há um grande formigueiro de trabalhadores se movimento pelo País". Na mesma matéria, afirma que "o dinamismo da economia e a grande movimentação dentro do mercado de trabalho vão aumentar a demanda por políticas públicas para a manutenção do nível de emprego. O governo terá que se preocupar em minimizar os custos das mudanças e maximizar os benefícios".  

Ainda segundo a Gazeta Mercantil de 30 de julho último e registrando observações feitas pelo Diretor do DIEESE em relação ao desemprego na grande São Paulo, "os indicadores ainda refletem as medidas do governo, no último trimestre de 1997, para enfrentar a crise asiática". Somente no setor do comércio, por exemplo, não obstante a abertura de 26 mil vagas no mês de junho, a maioria para autônomos e assalariados sem carteira assinada, ainda assim não foi compensado o corte de 80 mil postos de trabalho resultante das medidas tomadas para contornar a crise acima referida.  

O que esperar no caso de uma explosão da crise da dívida externa? Instalar-se-ia uma verdadeira calamidade, com nenhum crescimento e total queda das oportunidades de trabalho. É claro também que uma semelhante situação não se provaria apenas por meio de números, mas também pela degradação da vida humana, pelo aumento da violência, pela destruição física e psicológica das pessoas, especialmente dos mais pobres.  

Na esteira do endividamento externo público, cresceu também o endividamento externo privado. Embora a dívida externa privada não dependa de recursos públicos, não pode, no entanto, ficar isenta de controles e regulações públicas, pois acaba afetando o sistema econômico, pelo volume de recursos que movimenta. É necessário gerir esses fluxos, sem riscos de perda de reservas e sem os custos excessivos com a imobilização e o financiamento ao longo do tempo dessa mesma imobilização.  

As condições relacionadas com a gestão monetária e financeira são parcialmente condições de ordem interna, mas dependem também em grande parte da estruturação da ordem financeira internacional em bases substancialmente diferentes do sistema de desregulamentação que ora prevalece.  

A dívida na sua totalidade, a externa e a interna, pública ou privada, independentemente de suas implicações e significados, cria uma gama de obrigações que recaem sobre toda a sociedade, provocando conseqüências de diversa natureza.  

Em primeiro lugar, eleva os compromissos que o País tem em termos de pagamentos a fazer em moeda estrangeira, tanto no presente quanto no futuro, comprometendo o desenvolvimento.  

Agiganta progressivamente a dependência econômica do País, expondo-o aos mais diversificados humores do mercado mundial e dos financiadores, de modo particular em relação aos capitais especulativos.  

Sobrecarrega e captura os orçamentos públicos, obrigando os governos a esquecerem ou a colocarem em segundo plano as obrigações do Estado no que diz respeito às necessidades sociais da Nação.  

Compromete a soberania dos povos, submetendo-a às estratégias internacionais do capital financeiro e às hegemonias que manuseiam a globalização.  

Por último, impõe ao povo humilde e pobre duros sacrifícios, pois as conseqüências da falta de investimento e de recursos públicos o privam da satisfação das necessidades fundamentais para uma vida digna, ou seja, lhe tolhem a oportunidade de emprego, de educação, de serviços de saúde e de moradia, enfim, os serviços básicos que apenas o Estado é capaz e tem o dever de promover.  

Do ponto de vista ético, na atualidade, aprofunda-se um gritante paradoxo: de um lado, recursos financeiros, tecnológicos e de produção inimagináveis, de outro, a falaciosa idéia de que é impossível atingir uma ordem social mais justa. É claramente inaceitável que, com recursos sem precedentes, o mundo darwinisticamente admita a exacerbação das desigualdades, não somente nos países tradicionalmente desiguais, mas mesmo nos que alcançaram um relativo nível de desenvolvimento social.  

É urgente, então, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como o fez o Simpósio aqui referido e comentado, que o problema da dívida seja discutido com profundidade e exaustivamente. Como afirmou o Pastor Ervino Schmidt, Secretário do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs: "Não dá para o País voltar a crescer nem aumentar os investimentos sociais enquanto durar o atual elevado grau de dependência dos capitais estrangeiros". Ainda segundo Schmidt: "A crise da dívida dos anos 80 e os ataques especulativos dos 90 são componentes de uma mesma desordem financeira internacional, altamente prejudicial à economia e sociedade mundiais, sobretudo as pobres".

 

Há uma necessidade urgente de resgatar as dívidas sociais e ecológicas. O desenvolvimento das nações inviabiliza-se se essas se encontrarem imobilizadas pela dependência do capital estrangeiro.  

Daí a necessidade da informação e da mobilização social em âmbito nacional e mundial, do debate, da contestação das propostas prejudiciais à soberania e do apoio decisivo às iniciativas voltadas para a concepção de políticas e a criação de mecanismos capazes de assegurar correta solução da avassaladora problemática das dívidas externas.  

Sem envolvimento, sem informação, sem resistência esclarecida, sem negociação soberana não se vislumbra solução para os países emergentes.  

Muito obrigado!  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/10/1998 - Página 14802