Pronunciamento de Emília Fernandes em 04/11/1998
Discurso no Senado Federal
SOLICITAÇÃO DE ESCLARECIMENTOS SOBRE O PACOTE DE ESTABILIZAÇÃO FISCAL.
- Autor
- Emília Fernandes (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
- Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA FISCAL.:
- SOLICITAÇÃO DE ESCLARECIMENTOS SOBRE O PACOTE DE ESTABILIZAÇÃO FISCAL.
- Publicação
- Publicação no DSF de 05/11/1998 - Página 15113
- Assunto
- Outros > POLITICA FISCAL.
- Indexação
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- DEFESA, NECESSIDADE, DIALOGO, GOVERNO FEDERAL, CONGRESSO NACIONAL, DISCUSSÃO, PLANO, AJUSTE FISCAL, BRASIL.
- CRITICA, PROPOSTA, GOVERNO FEDERAL, AJUSTE FISCAL, AUMENTO, IMPOSTOS, DESTINAÇÃO, FUNDO DE ESTABILIZAÇÃO FISCAL, CONTRIBUIÇÃO PARA FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS), CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, FUNCIONARIO PUBLICO, APOSENTADO, MOTIVO, INSUFICIENCIA, RECURSOS, COMBATE, CRISE, NATUREZA FINANCEIRA, AMBITO INTERNACIONAL, RESULTADO, MANUTENÇÃO, GOVERNO, TAXAS, JUROS, ATUALIDADE, BRASIL.
- CRITICA, REJEIÇÃO, GOVERNO, NORMAS, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), PROVOCAÇÃO, DEPENDENCIA, BRASIL, CAPITAL ESPECULATIVO, AUMENTO, IMPORTAÇÃO, MERCADORIA ESTRANGEIRA, COMPROMETIMENTO, INDUSTRIA NACIONAL, PROMOÇÃO, DESEMPREGO, PREJUIZO, CLASSE MEDIA, POPULAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE.
A SRª EMILIA FERNANDES
(Bloco/PDT-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. Senadoras, Srs. Senadores, também queremos nesta tarde fazer uma avaliação das últimas medidas tomadas pelo Presidente da República no que se refere ao novo pacote apresentado à sociedade brasileira.
Acompanhávamos o desenrolar das eleições e lamentávamos profundamente que o povo brasileiro não estivesse tendo a oportunidade de uma participação mais efetiva no debate e no encaminhamento das propostas. As eleições aconteceram de acordo com as normas estabelecidas pela lei eleitoral, profundamente discriminatórias. Não houve oportunidade de um aprofundamento maior de debates entre os candidatos. Durante a campanha eleitoral, anunciou-se que o Governo tomaria algumas medidas em relação ao País. Tenho certeza de que empresários e trabalhadores imaginavam que seriam decisões inovadoras em relação ao estímulo à produção, ao combate às altas taxas de juros e ao desemprego que toma conta do País.
Encerradas as eleições, o Governo, que ganhou no primeiro turno, não apresenta o pacote; aguarda o segundo turno e lança um novo pacote, contendo medidas extremamente prejudiciais ao País.
É evidente o sentimento nacional de frustração com as novas medidas, com suas conseqüências nefastas para a sociedade e também com a forma enganosa e eleitoreira como foram encaminhadas. Houve manifestações de empresários e preocupação de sindicalistas, como ouvimos recentemente aqui neste plenário, e principalmente grande apreensão por parte dos trabalhadores e desempregados. O novo pacote aprofunda, por um lado, a dependência econômica, política e ideológica do atual Governo aos especuladores internacionais e, por outro, aumenta seu distanciamento dos verdadeiros interesses nacionais.
O que assistimos é um Governo que cumpre à risca o receituário do FMI, mas que se nega a ouvir o Congresso Nacional. Vir aqui responder algumas perguntas não é dialogar, nem tampouco sair daqui mantendo sua posição e emitindo medidas provisórias imediatamente. Enquanto discutia com os Deputados na Câmara Federal, já estavam sendo publicadas medidas provisórias. Isso não é diálogo com o Congresso Nacional. O Governo não dialoga com os governadores eleitos nem com outras lideranças da sociedade brasileira, que teriam, sim, contribuições a dar e alternativas a apresentar.
Aliás, o pacote lançado em novembro de 1997 teve a mesma característica autoritária, o que, além da ineficácia das medidas, certamente contribuiu para o seu fracasso.
Srªs e Srs. Senadores, antes de mais nada, o Governo deve explicações ao povo brasileiro sobre o último pacote emitido no ano passado, que tinha objetivos semelhantes ao atual, ou seja, segundo as autoridades do Governo, promover um ajuste nas contas públicas. A edição de um novo pacote, no mínimo, deveria ser precedida da justificativa do fracasso da iniciativa anterior e dos motivos que levaram o Governo a adotar novas medidas com os mesmos fins. A bem da verdade, o Governo cala-se porque não existia daquela vez, assim como não existe agora, outra intenção senão a de arrecadar recursos para cobrir o rombo dos juros da dívida e da falência das contas externas.
Naquele pacote, em nome de enfrentar a crise externa e para arrecadar R$20 bilhões, investiu-se contra os servidores públicos, idosos e aposentados, a classe média, os setores produtivos e os trabalhadores em geral. Se mais medidas não foram levadas adiante é porque realmente o próprio Governo reconheceu a sua ineficácia e não as implementou.
Hoje simplesmente queremos saber: o que realizou? O que arrecadou? Em que melhorou o Brasil, a partir das altas taxas de juros impostas ao povo brasileiro? Tenho certeza de que essas nossas indagações são também as de muitas pessoas, e elas gostariam de vê-las respondidas.
Passado menos de um ano, o Governo volta à carga com os mesmos argumentos falaciosos e investindo contra os mesmos alvos - mas agora querendo mais dinheiro, num total de 28 bilhões. Para tentar cumprir as determinações do FMI, o Governo aposta em uma série de medidas que aprofundam a recessão, agridem o pacto federativo, empobrecem os servidores públicos, aumentam o desemprego e fragilizam o setor produtivo, as nossas empresas.
Segundo dados do DIEESE, o índice de desemprego, que hoje chega a aproximadamente 8%, no ano de 1999 atingirá o terrível percentual de 10%, agravando ainda mais a situação dos trabalhadores. Somente no Rio Grande do Sul, que muitos dizem estar em situação melhor do que a de outros Estados brasileiros, há mais de 850 mil desempregados.
Portanto, não temos dúvida de que o pacote é uma agressão à sociedade brasileira e principalmente, mais uma vez, aos servidores públicos, ativos e inativos, ao pretender, depois de quatro anos de salários congelados, tomar-lhes mais uma fatia dos salários por meio do aumento do desconto previdenciário, que passará a ser de 11% para os inativos e 20% sobre os salários acima de R$1.200,00 dos ativos.
É um atentado à precária saúde do setor produtivo nacional aumentar a Cofins de 2% para 3% sobre o faturamento das empresas, ou seja, um absurdo aumento de 50% em meio à recessão, à queda das vendas e à inadimplência generalizada.
O pacote é um crime contra a população dos Estados e Municípios, pois dobra de 20% para 40% a retenção dos recursos do Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), com a agravante de valer esse índice até o ano 2.006, confiscando dinheiro da saúde, da educação e da segurança.
É também um golpe contra a economia popular aumentar a CPMF para 0,38%, principalmente quando se sabe que os recursos arrecadados, declaradamente, são desviados de sua função, que seria financiar a saúde, envolta no abandono e no caos, como é sabido por todos os senhores.
Além disso, é inaceitável cortar recursos orçamentários, que, sabemos, farão falta à educação, à saúde, à segurança e aos serviços sociais fundamentais à sobrevivência de milhões de brasileiros.
Srªs e Srs. Senadores, por nossa avaliação e segundo contribuições por nós recebidas de economistas, trabalhadores, sindicalistas e empresários, o atual pacote é tão ineficaz quanto o anterior, porque em nenhum momento enfrenta os verdadeiros problemas da economia brasileira, que se agravam a cada dia, em conseqüência da atual política econômica e monetária.
É incompreensível falar-se em ajuste e corte de gastos sem que se toque na principal fonte da sangria dos recursos públicos, as atuais taxas de juros beirando os 50%, as maiores do mundo.
Atualmente, segundo especialistas do mercado financeiro, devido às atuais taxas de juros do País, destinadas a atender os especuladores internacionais, o Brasil está pagando, por semana - repito, por semana - o Brasil está pagando mais de US$1bilhão de juros da dívida.
O resultado dessa política é que, desde que assumiu, o atual Governo elevou a dívida interna do País de US$61 bilhões para US$304 bilhões, valor que deverá chegar aos US$360 bilhões no final deste ano.
É importante destacar que, igualmente como fez no pacote passado, o Governo tenta justificar as medidas como necessárias para baixar os juros, o que não ocorreu daquela vez e não ocorrerá agora, pois a causa dos juros altos é outra, como já demonstramos.
Agregue-se a isso as importações indiscriminadas, que vão desde produtos supérfluos até produtos primários, como trigo, arroz e leite, por exemplo, que comprometem nossas contas externas com déficits cada vez maiores e destróem a produção nacional.
O mais grave é que, sem enfrentar o problema central da crise brasileira, as medidas ainda aprofundam a recessão, a ponto de o próprio Governo admitir que a economia vai crescer menos de 1% neste ano – o que vai resultar em mais desemprego e fome.
Diante desse quadro, o Governo ainda tenta aproveitar-se das dificuldades do País para investir contra os direitos e a organização dos trabalhadores, por meio de medidas como a "demissão temporária", a pluralidade sindical e o fim da contribuição sindical.
As eleições deste ano, a exemplo do que aconteceu em meu Estado, o Rio Grande do Sul, mostraram que o povo brasileiro está despertando da letargia imposta pelas campanhas publicitárias oficiais, pela mídia comprometida e pelas pesquisas manipuladas.
A cada dia que passa, fica mais clara a fragilidade de um plano econômico, que, limitado ao combate à inflação, não apresenta qualquer proposta de desenvolvimento, de incentivo à produção nacional, de valorização da agropecuária e de promoção da tecnologia ou da educação.
Quando aqui chegamos, em 1995, citando o exemplo do México, alertamos para o fato de que a simples queda da inflação não bastava, pois aquele país havia quebrado exatamente quando sua taxa inflacionária estava próxima de zero, porque outras medidas não foram tomadas.
Infelizmente, é o que assistimos hoje, depois de 4 anos de inoperância, de submissão a uma política imposta de fora, que visa unicamente apropriar-se de nossos mercados e ganhar fábulas de dinheiro por meio da especulação financeira. O atual Governo é refém desta situação e, ao que parece, não está disposto a livrar-se dela, haja vista o recente comportamento diante da negociação do pacote, quando cumpriu ordens do FMI e virou as costas para a Nação brasileira e para o seu legítimo representante, o Congresso Nacional.
Esta Casa, assim como a Câmara dos Deputados, está sendo chamada à responsabilidade neste momento, e dela não pode fugir, sob pena de pagar o preço da conivência com a continuidade de uma política que, sem dúvida, já se mostrou inócua e perversa.
Da mesma forma, os Governadores, Prefeitos, lideranças sindicais e populares têm hoje a grande responsabilidade de mobilizar a Nação em defesa de uma alternativa capaz de orientar o País para uma nova direção.
Na última quinta-feira, os Governadores de oposição eleitos, em reunião aqui em Brasília, da qual participamos juntamente com vários outros Senadores do Bloco de Oposição, convocaram uma mobilização contra o pacote. Não apenas criticaram as medidas, como apontaram alternativas. Se o Governo tivesse a sensibilidade de recolher também da Oposição idéias e compromissos, tenho certeza de que outros caminhos seriam encontrados para evitar novo sacrifício dos interesses nacionais.
Prefeitos de todo o País também já manifestaram a sua insatisfação com as medidas do pacote, trazendo a Brasília a posição de defesa dos interesses dos Municípios, em grande parte já punidos pela queda da arrecadação, pelo corte de verbas oficiais e pela crise econômica.
Temos iniciativas e propostas que poderiam ser discutidas com o Governo, caso ele desejasse o diálogo. Na realidade, ele faz um verdadeiro monólogo, impondo medidas econômicas à sociedade, jogando com o Congresso Nacional e submetendo-se ao FMI.
Os Governadores eleitos marcaram algumas posições para iniciar os debates, tais como retirar os aposentados e pensionistas da Lei Camata; excluir o Legislativo e Judiciário da conta de gastos com funcionalismo; criar um fundo previdenciário para custear as aposentadorias dos servidores com recursos que foram pagos por esses funcionários antes que eles optassem pelo regime estatutário; definir critérios claros de compensação pelas perdas dos Estados com a Lei Kandir, que, sabemos, é altamente prejudicial a vários Estados; fechar questão contra o aumento do percentual do Fundo de Estabilização Fiscal; criar uma contrapartida do Governo Federal para o Fundef. Tratam-se, enfim, de medidas fundamentais que certamente contribuiriam para esclarecer a sociedade e para impedir que, mais uma vez, o povo, os setores produtivos, os Estados e os Municípios paguem a conta da incompetência e da especulação financeira estabelecidas neste País e coordenadas pelo Governo Federal.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, reafirmo a necessidade de realizar-se no País um debate sério sobre a gravidade da atual situação e de aprofundar-se a unidade de pensamento e de ação de todos aqueles que acreditam no Brasil, em sua potencialidade e em sua gente, para que se busque um novo caminho para a economia nacional.
O Brasil não tem futuro com a atual política de submissão aos especuladores internacionais, política esta que escancara suas fronteiras às importações indiscriminadas e aposta na desestruturação do pacto federativo duramente construído e mantido por várias gerações de brasileiros.
Estamos diante de um momento de grande preocupação para a Nação brasileira. Empresários, como o orador que nos antecedeu na tribuna, disse exatamente o que reiteramos. Estamos posicionando-nos como Oposição. O presidente da CNI, como o Senador Fernando Bezerra, é da base de sustentação do Governo e empresário, e suas palavras proferidas há poucos minutos desta tribuna foram taxativas e referiram-se ao pacote de novembro de 1997 como fracassado, afirmando ser difícil aceitar essas propostas de aumentar impostos, como propõe o Governo. S. Exª considera necessário procurar outras alternativas, ressaltando que a queda dos juros é essencial para que o País retome o caminho do desenvolvimento. Pede, portanto, diálogo e debate.
Não adianta o Governo prometer a queda de juros, assim como o fez por ocasião do pacote de 1997. Um ano depois, quantas empresas faliram, quantos trabalhadores perderam o emprego! Vamos esperar que outros tantos entrem nessa vala comum do desemprego, da falência e da desesperança?
A Oposição, ao contrário do que afirma o Governo, tem propostas, não faz a crítica pela crítica, pede o debate e solicita principalmente que os novos Governadores de Oposição e os demais sejam ouvidos, a fim de que se trave uma grande discussão entre todos os representantes dos Estados, que têm uma enorme responsabilidade ao assumir o mandato por quatro anos.
Sr. Presidente, temos esperança de que, no momento em que a discussão se aprofundar nesta Casa, Governo se dê conta de que realmente os caminhos que tem tomado são do enfraquecimento da produção nacional, da quebradeira da nossa agricultura e pecuária e do empobrecimento. O Rio Grande do Sul deu a resposta ao Presidente Fernando Henrique, derrotando-o nas urnas, demonstrando que não queria a continuidade da política neoliberal vigente, ratificando a votação de 1994. Derrotou também o atual Governador do Rio Grande do Sul, que representa o continuísmo, sem dúvida nenhuma, dessa política neoliberal. O Rio Grande do Sul, portanto, demonstrou ter a consciência da gravidade do momento por que passa o País.
Gostaríamos que também o País tivesse tido tal compreensão em nível da política federal, o que, infelizmente, não aconteceu. Cada vez mais, redobra a responsabilidade do Governo Fernando Henrique, quando estamos vendo que sua capacidade de continuar iludindo e impondo pacotes vai terminando.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desejamos contribuir. Vamos fazer crítica, sim, porque temos o compromisso com uma parcela significativa do Rio Grande do Sul e do Brasil como um todo. Queremos, todavia, que o povo brasileiro esteja atento. A grande mobilização deverá sair da população, de Prefeitos, de sindicatos, de empresários, de trabalhadores e de políticos.
Era o que tínhamos a dizer, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy) - Concedo a palavra à Senadora Marina Silva.
A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Senadora Emilia Fernandes, quero fazer o registro de um fato que considero de suma importância, que foi a aprovação, pelas Comissões de Educação e Assuntos Sociais desta Casa, em caráter terminativo, do Projeto de Lei nº 306/95, que dispõe sobre a regulamentação da Convenção da Biodiversidade, instituindo um instrumento legal para acesso aos nossos recursos genéticos e biológicos. O projeto de lei é de minha autoria e teve como Relator o eminente Senador Osmar Dias.
Aproveito para parabenizar S. Exª por seu excelente trabalho e sua capacidade de inovar no processo de tramitação desse projeto de lei. S. Exª realizou várias audiências públicas, em que tivemos a oportunidade de mobilizar os mais diferentes segmentos da sociedade, principalmente a comunidade científica, as lideranças comunitárias de todo o País, as organizações não-governamentais e o próprio Governo.
O Brasil, por ser um dos detentores da maior biodiversidade do planeta em termos de recursos genéticos e biológicos, tinha a obrigação de apresentar um projeto de lei que regulamentasse a Convenção da Biodiversidade, que foi o acordo instituído a partir da ECO-92, do qual 180 países são signatários. Até o momento em que ocorreu a ECO-92, os recursos genéticos eram tratados como patrimônio da humanidade.
Aparentemente, parece uma proposta com uma concepção grandiosa e humanitária e com um fim social elevado. No entanto, se analisarmos com mais profundidade, verificaremos que essa postura de tratar os recursos genéticos e biológicos dos países em desenvolvimento como recursos da humanidade acaba por beneficiar os países detentores de tecnologia em detrimento dos interesses dos países que têm uma grande riqueza em termos de recursos naturais.
A Convenção da Biodiversidade determina que cada país é soberano em relação a seus recursos genéticos e biológicos e que aqueles que assinaram o acordo deveriam buscar fazer a regulamentação.
Neste momento, estamos plenamente satisfeitos, porque tivemos a oportunidade de alcançar, com o projeto, um dos objetivos a que nos propúnhamos, que era exatamente o de realizar um debate com a opinião pública, o Congresso Nacional e o próprio Executivo. Além de ter alcance nacional, o projeto foi capaz de atravessar fronteiras e, ao ser traduzido para o inglês pela Assessoria do Senado, contribuiu também para os projetos que hoje estão em debate na Costa Rica, no México e em outros países. Fico feliz de podermos estar servindo de referência para outros países que também estão buscando criar uma legislação para regulamentar a Convenção da Biodiversidade.
Há ainda outra iniciativa tramitando na Câmara dos Deputados, que é um projeto de lei de autoria do Deputado Jaques Wagner. A partir de uma discussão com o Senado, S. Exª optou por apresentar também o projeto na Câmara dos Deputados, como uma forma de acelerar o debate e de dar algumas contribuições, já que, no âmbito da discussão do Senado, não fomos capazes de alcançar definições que S. Exª, com certeza, tentou mostrar com mais precisão.
Há também uma iniciativa do Poder Executivo. Lamentavelmente, no caso desta proposta, eu gostaria de fazer uma ressalva. Primeiro, o Governo, de alguma forma, desconhecendo o acúmulo de discussão que travamos durante três anos no Senado, apresentou um substitutivo com o argumento de que era preciso simplificar o projeto de lei. Do meu ponto de vista, devemos ter muito cuidado. A idéia de simplificar é positiva, porque as grandes questões, se não são simplificadas, muitas vezes, não são apreendidas, e não temos condições de traduzi-las para a população. No entanto, o ato de simplificar não necessariamente significa que tenhamos de trabalhar com uma variável de simplismo em relação àquilo que se está propondo e àquilo que se está querendo dizer para a sociedade.
O projeto, que é o substitutivo do Senador Osmar Dias, tem maior precisão, passou por uma ampla discussão em várias audiências públicas e tentou dar conta de alguns aspectos que considero fundamental: primeiramente, a matéria referente aos nossos recursos genéticos e biológicos propriamente ditos e ao modo pelo qual serão feitos o acesso, a partilha de benefícios e a transferência de tecnologia. Ele abrange ainda uma questão polêmica, que é o reconhecimento do saber das populações tradicionais e da sua autonomia em relação aos recursos.
O projeto apresentado pelo Governo, ao contrário do substitutivo do Senador Osmar Dias, tem algumas definições que considero pelo menos questionáveis, como a de entender que os recursos genéticos e biológicos constituem bens da União. Nesse caso, havendo necessidade, quando do pedido de concessão para acessar os recursos que estão em território indígena, poder-se-ia dispensar a negociação com as comunidades envolvidas. Este é o meu entendimento, que está fulcrado na Constituição Federal: são do domínio da União as terras ocupadas pelos índios, os quais têm seu usufruto. Essas terras são exclusivas das comunidades indígenas, e o Governo não poderia interferir na mediação entre elas e os que buscam fazer a pesquisa. Portanto, o projeto que está tramitando no Senado, que é substitutivo do Senador Osmar Dias, tem uma melhor precisão.
Outro aspecto que considero importante é o fato de que o Governo institui no seu projeto uma forma de facilitar a troca de melhoramentos de sementes entre países que precisam desse acesso. No entanto, os nossos agricultores deveriam contar com o respeito no momento de se realizar esse acesso, senão estaríamos colocando o Governo como aquele que faz a mediação entre a pirataria, só que, dessa vez, de uma forma oficial.
Então, há vários aspectos que observamos em relação ao projeto do Governo e àquele que tramitou no Senado e agora foi remetido à Câmara dos Deputados. Esperamos que, no debate, possamos fazer valer aquele conjunto de propostas que atenderá melhor às necessidades do nosso País. O Governo também alega que, sendo o projeto de iniciativa do Executivo, poder-se-ia já pensar em uma estrutura com relação a como seria operada esta lei. Lamentavelmente, o Governo apresenta esse argumento, mas, no projeto de lei, não está previsto nenhum tipo de estrutura ou, mesmo, como se constituiria a autoridade competente, bem como os mecanismos que fariam valer o que seria instituído a partir desta lei.
É por isso que nós, que trabalhamos durante esses três anos no projeto do Senado, gostaríamos que houvesse uma discussão aberta em relação às três propostas — a do Senado, a do Deputado Gerson Péres e a do próprio Governo — e que fôssemos capazes não de simplesmente tratar uma proposta como um bem e outra como um supremo mal, mas, sim, que haja maturidade em um aspecto que considero bastante importante, que é a ânsia da autoria.
Parece-me que há uma tendência no Governo em não suportar iniciativas de outras pessoas, principalmente Parlamentares. Sempre que isso ocorre - utilizando um termo que tem a ver com a lei -, há como uma "clonagem" dos projetos da Oposição. Foi assim com o projeto da Deputada Marta Suplicy, está ocorrendo com o meu projeto e com várias iniciativas de outros Parlamentares. Entretanto, ocorre uma "clonagem" muitas vezes mal feita daquilo que foi inicialmente proposto por Parlamentares.
Espero que esse tipo de atitude não prevaleça no decorrer da tramitação do meu projeto, a fim de que possa haver um debate amplo, do qual participem a sociedade, a comunidade científica e o Poder Executivo, que não poderia estar ausente até porque essa discussão já ocorre, de forma incipiente, naquela esfera do Poder.
Quando cheguei ao Senado Federal, o meu desejo inicial foi o de apresentar esse projeto de lei, porque nasci e me criei vendo a biopirataria na Amazônia. A primeira delas, guardo em minha memória, foi a retirada de sementes de seringueiras para sustentar os bancos de germoplasmas dos seringais da Malásia.
A partir daí, percebi que muitos dos prejuízos decorrem do nosso descaso em relação ao nosso patrimônio natural, que poderia servir muito bem para viabilizar economicamente e socialmente a nossa região, e, acima de tudo, para preservar o meio ambiente.
Essa proposta foi apresentada no Senado. Poderia ter surgido de uma iniciativa do Poder Executivo – não o foi. Mas, graças a Deus, neste momento, o Governo, convencido da necessidade dessa lei, apresenta uma proposta a partir da discussão do texto do Senado, com algumas modificações que considero prejudiciais ao acúmulo de dados obtidos nesses três anos de discussão. Apesar disso, essa proposta constitui-se num avanço, pelo fato de o Governo hoje estar convencido de que é inadmissível a existência da biopirataria, a retirada ilegal dos nossos recursos naturais, que vem ocorrendo desde que o Brasil é Brasil.
Era o que eu tinha a dizer.
Muito obrigada, Sr. Presidente.
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