Discurso no Senado Federal

APROVAÇÃO EM CARATER TERMINATIVO, NAS COMISSÕES DE EDUCAÇÃO E DE ASSUNTOS SOCIAIS, DO PROJETO DE LEI DO SENADO 306, DE 1995, DE AUTORIA DE S.EXA., 'QUE DISPÕE SOBRE OS INSTRUMENTOS DE CONTROLE DE ACESSO AOS RECURSOS GENETICOS DO PAIS DA OUTRAS PROVIDENCIAS'.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • APROVAÇÃO EM CARATER TERMINATIVO, NAS COMISSÕES DE EDUCAÇÃO E DE ASSUNTOS SOCIAIS, DO PROJETO DE LEI DO SENADO 306, DE 1995, DE AUTORIA DE S.EXA., 'QUE DISPÕE SOBRE OS INSTRUMENTOS DE CONTROLE DE ACESSO AOS RECURSOS GENETICOS DO PAIS DA OUTRAS PROVIDENCIAS'.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/1998 - Página 5116
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • REGISTRO, APROVAÇÃO, AMBITO, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REGULAMENTAÇÃO, RETIRADA, PAIS, RECURSOS NATURAIS, RECURSOS AMBIENTAIS.
  • CONGRATULAÇÕES, OSMAR DIAS, SENADOR, ATUAÇÃO, QUALIDADE, RELATOR, FACILITAÇÃO, TRAMITAÇÃO, PROJETO DE LEI, COMISSÃO.
  • COMENTARIO, ANALISE, PROJETO DE LEI, EXECUTIVO, CAMARA DOS DEPUTADOS, REGULAMENTAÇÃO, RETIRADA, RECURSOS NATURAIS, BRASIL, NECESSIDADE, DEBATE, ASSUNTO, OBJETIVO, APERFEIÇOAMENTO, PROPOSTA, PROJETO.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Senadora Emilia Fernandes, quero fazer o registro de um fato que considero de suma importância, que foi a aprovação, pelas Comissões de Educação e Assuntos Sociais desta Casa, em caráter terminativo, do Projeto de Lei nº 306/95, que dispõe sobre a regulamentação da Convenção da Biodiversidade, instituindo um instrumento legal para acesso aos nossos recursos genéticos e biológicos. O projeto de lei é de minha autoria e teve como Relator o eminente Senador Osmar Dias.

Aproveito para parabenizar S. Exª por seu excelente trabalho e sua capacidade de inovar no processo de tramitação desse projeto de lei. S. Exª realizou várias audiências públicas, em que tivemos a oportunidade de mobilizar os mais diferentes segmentos da sociedade, principalmente a comunidade científica, as lideranças comunitárias de todo o País, as organizações não-governamentais e o próprio Governo.

O Brasil, por ser um dos detentores da maior biodiversidade do planeta em termos de recursos genéticos e biológicos, tinha a obrigação de apresentar um projeto de lei que regulamentasse a Convenção da Biodiversidade, que foi o acordo instituído a partir da ECO-92, do qual 180 países são signatários. Até o momento em que ocorreu a ECO-92, os recursos genéticos eram tratados como patrimônio da humanidade.

Aparentemente, parece uma proposta com uma concepção grandiosa e humanitária e com um fim social elevado. No entanto, se analisarmos com mais profundidade, verificaremos que essa postura de tratar os recursos genéticos e biológicos dos países em desenvolvimento como recursos da humanidade acaba por beneficiar os países detentores de tecnologia em detrimento dos interesses dos países que têm uma grande riqueza em termos de recursos naturais.

A Convenção da Biodiversidade determina que cada país é soberano em relação a seus recursos genéticos e biológicos e que aqueles que assinaram o acordo deveriam buscar fazer a regulamentação.

Neste momento, estamos plenamente satisfeitos, porque tivemos a oportunidade de alcançar, com o projeto, um dos objetivos a que nos propúnhamos, que era exatamente o de realizar um debate com a opinião pública, o Congresso Nacional e o próprio Executivo. Além de ter alcance nacional, o projeto foi capaz de atravessar fronteiras e, ao ser traduzido para o inglês pela Assessoria do Senado, contribuiu também para os projetos que hoje estão em debate na Costa Rica, no México e em outros países. Fico feliz de podermos estar servindo de referência para outros países que também estão buscando criar uma legislação para regulamentar a Convenção da Biodiversidade.

Há ainda outra iniciativa tramitando na Câmara dos Deputados, que é um projeto de lei de autoria do Deputado Jaques Wagner. A partir de uma discussão com o Senado, S. Exª optou por apresentar também o projeto na Câmara dos Deputados, como uma forma de acelerar o debate e de dar algumas contribuições, já que, no âmbito da discussão do Senado, não fomos capazes de alcançar definições que S. Exª, com certeza, tentou mostrar com mais precisão.

Há também uma iniciativa do Poder Executivo. Lamentavelmente, no caso desta proposta, eu gostaria de fazer uma ressalva. Primeiro, o Governo, de alguma forma, desconhecendo o acúmulo de discussão que travamos durante três anos no Senado, apresentou um substitutivo com o argumento de que era preciso simplificar o projeto de lei. Do meu ponto de vista, devemos ter muito cuidado. A idéia de simplificar é positiva, porque as grandes questões, se não são simplificadas, muitas vezes, não são apreendidas, e não temos condições de traduzi-las para a população. No entanto, o ato de simplificar não necessariamente significa que tenhamos de trabalhar com uma variável de simplismo em relação àquilo que se está propondo e àquilo que se está querendo dizer para a sociedade.

O projeto, que é o substitutivo do Senador Osmar Dias, tem maior precisão, passou por uma ampla discussão em várias audiências públicas e tentou dar conta de alguns aspectos que considero fundamental: primeiramente, a matéria referente aos nossos recursos genéticos e biológicos propriamente ditos e ao modo pelo qual serão feitos o acesso, a partilha de benefícios e a transferência de tecnologia. Ele abrange ainda uma questão polêmica, que é o reconhecimento do saber das populações tradicionais e da sua autonomia em relação aos recursos.

O projeto apresentado pelo Governo, ao contrário do substitutivo do Senador Osmar Dias, tem algumas definições que considero pelo menos questionáveis, como a de entender que os recursos genéticos e biológicos constituem bens da União. Nesse caso, havendo necessidade, quando do pedido de concessão para acessar os recursos que estão em território indígena, poder-se-ia dispensar a negociação com as comunidades envolvidas. Este é o meu entendimento, que está fulcrado na Constituição Federal: são do domínio da União as terras ocupadas pelos índios, os quais têm seu usufruto. Essas terras são exclusivas das comunidades indígenas, e o Governo não poderia interferir na mediação entre elas e os que buscam fazer a pesquisa. Portanto, o projeto que está tramitando no Senado, que é substitutivo do Senador Osmar Dias, tem uma melhor precisão.

Outro aspecto que considero importante é o fato de que o Governo institui no seu projeto uma forma de facilitar a troca de melhoramentos de sementes entre países que precisam desse acesso. No entanto, os nossos agricultores deveriam contar com o respeito no momento de se realizar esse acesso, senão estaríamos colocando o Governo como aquele que faz a mediação entre a pirataria, só que, dessa vez, de uma forma oficial.

Então, há vários aspectos que observamos em relação ao projeto do Governo e àquele que tramitou no Senado e agora foi remetido à Câmara dos Deputados. Esperamos que, no debate, possamos fazer valer aquele conjunto de propostas que atenderá melhor às necessidades do nosso País. O Governo também alega que, sendo o projeto de iniciativa do Executivo, poder-se-ia já pensar em uma estrutura com relação a como seria operada esta lei. Lamentavelmente, o Governo apresenta esse argumento, mas, no projeto de lei, não está previsto nenhum tipo de estrutura ou, mesmo, como se constituiria a autoridade competente, bem como os mecanismos que fariam valer o que seria instituído a partir desta lei.

É por isso que nós, que trabalhamos durante esses três anos no projeto do Senado, gostaríamos que houvesse uma discussão aberta em relação às três propostas -- a do Senado, a do Deputado Gerson Péres e a do próprio Governo -- e que fôssemos capazes não de simplesmente tratar uma proposta como um bem e outra como um supremo mal, mas, sim, que haja maturidade em um aspecto que considero bastante importante, que é a ânsia da autoria.

Parece-me que há uma tendência no Governo em não suportar iniciativas de outras pessoas, principalmente Parlamentares. Sempre que isso ocorre - utilizando um termo que tem a ver com a lei -, há como uma “clonagem” dos projetos da Oposição. Foi assim com o projeto da Deputada Marta Suplicy, está ocorrendo com o meu projeto e com várias iniciativas de outros Parlamentares. Entretanto, ocorre uma “clonagem” muitas vezes mal feita daquilo que foi inicialmente proposto por Parlamentares.

Espero que esse tipo de atitude não prevaleça no decorrer da tramitação do meu projeto, a fim de que possa haver um debate amplo, do qual participem a sociedade, a comunidade científica e o Poder Executivo, que não poderia estar ausente até porque essa discussão já ocorre, de forma incipiente, naquela esfera do Poder.

Quando cheguei ao Senado Federal, o meu desejo inicial foi o de apresentar esse projeto de lei, porque nasci e me criei vendo a biopirataria na Amazônia. A primeira delas, guardo em minha memória, foi a retirada de sementes de seringueiras para sustentar os bancos de germoplasmas dos seringais da Malásia.

A partir daí, percebi que muitos dos prejuízos decorrem do nosso descaso em relação ao nosso patrimônio natural, que poderia servir muito bem para viabilizar economicamente e socialmente a nossa região, e, acima de tudo, para preservar o meio ambiente.

Essa proposta foi apresentada no Senado. Poderia ter surgido de uma iniciativa do Poder Executivo - não o foi. Mas, graças a Deus, neste momento, o Governo, convencido da necessidade dessa lei, apresenta uma proposta a partir da discussão do texto do Senado, com algumas modificações que considero prejudiciais ao acúmulo de dados obtidos nesses três anos de discussão. Apesar disso, essa proposta constitui-se num avanço, pelo fato de o Governo hoje estar convencido de que é inadmissível a existência da biopirataria, a retirada ilegal dos nossos recursos naturais, que vem ocorrendo desde que o Brasil é Brasil.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/1998 - Página 5116