Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO, DE SUA AUTORIA, QUE MODIFICA DISPOSITIVO SOBRE A REELEIÇÃO PARA CARGOS MAJORITARIOS E, EM ESPECIAL, PARA PREFEITOS.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • COMENTARIOS SOBRE PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO, DE SUA AUTORIA, QUE MODIFICA DISPOSITIVO SOBRE A REELEIÇÃO PARA CARGOS MAJORITARIOS E, EM ESPECIAL, PARA PREFEITOS.
Aparteantes
Ademir Andrade, Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 06/11/1998 - Página 15165
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • ANALISE, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, EXTINÇÃO, POSSIBILIDADE, REELEIÇÃO, CARGO ELETIVO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, PREFEITO.
  • DEFESA, CRIAÇÃO, LEGISLAÇÃO, BRASIL, ESTABELECIMENTO, FINANCIAMENTO, FUNDOS PUBLICOS, CAMPANHA ELEITORAL, REFORMA POLITICA, IMPEDIMENTO, ABUSO, PODER ECONOMICO, DECISÃO, ELEIÇÕES, PAIS.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, quero fazer alguns comentários sobre uma proposta de emenda à Constituição que apresentei na última terça-feira, modificando o dispositivo da reeleição, ou seja, extinguindo a possibilidade de reeleição para prefeito e mantendo para governador e Presidente da República, mas introduzindo, nesses casos, o princípio da desincompatibilização.

Como já era de se esperar, começa a haver reação de prefeitos. Diz o Jornal da Cidade, de Aracaju, que “Prefeitos Defendem a Reeleição”; “Administradores Sergipanos Garantem que a Emenda do Senador Eduardo Dutra é Discriminatória”. E seguem declarações dos prefeitos João Gama, PMDB, da Cidade de Aracaju; Teotônio Neto, PFL, da Cidade de Carmópolis; César Mandarino, PPS, da Cidade de Itaporanga e Luciano Bispo, PMDB, da Cidade de Itabaiana.

Quero dizer que tenho o maior profundo respeito por todos esses prefeitos. Dois deles inclusive me apoiaram nas eleições de 94, não na condição de prefeitos, mas na condição de militantes políticos. Um deles, o Prefeito Luciano Bispo, de Itabaiana, apoiei-o nas eleições de 96. Sabia que haveria uma reação dos prefeitos em relação a essa emenda. Entretanto, quero afirmar que essa não é a emenda dos meus sonhos; porque tem uma grande dose, até, de pragmatismo. Se dependesse de mim seria extinto o princípio da reeleição para todos os cargos. Esta foi a minha posição, quando do debate da emenda da reeleição no Congresso Nacional. Infelizmente, o que aconteceu nas eleições para Governador e para Presidente da República, particularmente, em alguns Estados, foi, exatamente, aquilo que prevíamos, quando do debate da reeleição, o uso ainda mais abusivo do que quando não havia reeleição. O argumento daqueles que defendiam a reeleição, ao se contrapor ao argumento do uso da máquina, era: há uma tradição do uso da máquina, mesmo, quando não há reeleição. Isto é verdadeiro.

Mas, como prevíamos e dizíamos anteriormente, na medida em que o próprio detentor do mandato é candidato à reeleição, o uso da máquina é ainda maior. E isso acabou se confirmando, além do que, existem questões que dizem respeito não ao uso da máquina diretamente, mas quando há uma confusão entre o chefe de Estado, o chefe do Governo e o candidato, quando há essa simbiose, uma série de ações que normalmente seriam creditadas ao Governador ou ao Presidente da República, automaticamente, passam a ser creditadas ao candidato, ou ao governador candidato, ou ao presidente candidato. Isso aumenta ainda mais a desigualdade da disputa eleitoral.

Apresentei essa emenda. E quero registrar que o Parlamentar que vier a relatá-la se quiser apresentar um substitutivo extinguindo a reeleição para todos os cargos contará com o meu apoio absoluto, porque para mim, o ideal é que se extinga a reeleição para todos os cargos.

Mas não podemos deixar de levar em consideração que há especificidade, não só em relação aos diversos Estados, quando se trata de eleição para Governadores, não só em relação aos diversos prefeitos, quando se trata de reeleição para prefeitos e especificidades que diferenciam, por exemplo, de uma eleição para prefeito de uma eleição para governador. Não há aí, no meu entendimento, atitude discriminatória, pelo menos entendendo a palavra discriminatória do seu sentido negativo. Há, naturalmente - e aí a palavra discriminar também pode ser aplicada - um tratamento diferenciado em função de realidades diferentes, o que a atual Constituição já o faz, quando se trata de eleições.

Ora, atualmente para se estabelecer regras para segundo turno há um tratamento diferenciado entre municípios. Se estabelece que em municípios com mais de duzentos mil eleitores há segundo turno para eleições para prefeitos, e naqueles com eleitorado inferior a duzentos mil não há segundo turno. Há aí um tratamento discriminatório, na acepção negativa da palavra discriminar? Não. Há uma constatação de que são realidades diferentes, porque o princípio do segundo turno é garantir que aquele que venha a ser eleito para cargos executivos detenha a maioria absoluta dos votos, para lhe dar maiores condições de governabilidade. E sabemos que nas cidades maiores há uma maior pluralidade de visões políticas, daí se estabelecer esse corte de duzentos mil, que, é lógico, é um corte arbitrário, é duzentos mil, como poderia ser cento e cinqüenta ou duzentos e cinqüenta, mas o fato é que é necessário se estabelecer um corte, uma diferenciação. E, a meu ver, o mesmo vale ao se estabelecer diferenças entre uma reeleição para prefeitos e uma reeleição para Presidente da República, por exemplo. No nosso entendimento, a reeleição para Presidente da República é nefasta, mas não podemos deixar de reconhecer que o grau de fiscalização sobre o uso da máquina em uma eleição para Presidente da República é infinitamente superior ao grau de fiscalização sobre o uso da máquina que vai haver, por exemplo, em uma eleição de um município no interior de Sergipe, ou da Bahia, ou de São Paulo, ou de qualquer cidade do nosso País, porque em termos de eleição para Presidente da República, mal ou bem, existe uma imprensa razoavelmente livre, uma sociedade civil organizada, os partidos estão mais atentos, temos a tribuna do Congresso para poder denunciar, temos mais informações.

Mas o que dizer de milhares de municípios deste nosso País em que não há um sindicato organizado, em que aquilo que se chama de sociedade civil está ainda muito embrionário, em que não há uma emissora de rádio ou de jornal e, quando há, geralmente é de propriedade de um chefe político, o que desvirtua totalmente a função fiscalizatória da imprensa. Então, não é discriminação se estabelecer essa diferenciação, embora registrando que, por mim, se o Congresso quiser revogar a reeleição para todos os níveis, contará com o meu voto. Apresentei essa emenda até do ponto de vista de pragmatismo, porque acho que ela tem mais condições de prosperar se revogar apenas a reeleição para prefeito e introduzindo o princípio da desincompatibilização para governadores e presidente da República. Por que não manter a reeleição para todos os cargos e introduzir o princípio da desincompatibilização para prefeitos? Porque sabemos que nesses municípios que citei o princípio da desincompatibilização será absolutamente inócuo, porque o prefeito vai sair oficialmente, mas sabemos como funciona a eleição, em grande parte dos municípios esse princípio será só para inglês ver, porque a máquina vai continuar trabalhando na direção daquele candidato. E já alertávamos, e não nós da oposição, me lembro de palavras do Senador Esperidião Amin, que é do PPB, da base do Governo, que alertava dizendo que ia votar a favor, mas manter a reeleição como estava, sem desincompatibilização e possibilitando a reeleição de prefeitos, estaríamos caminhando para uma feudalização da política brasileira.

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB-PA) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Com muito prazer, Senador Ademir Andrade.

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB-PA) - Senador José Eduardo Dutra, de antemão quero dizer que vejo com alegria a emenda apresentada por V. Exª. Desde já conte com o nosso apoio e com o nosso voto. Constatamos, e creio que seja a compreensão da maioria dos Parlamentares do Congresso Nacional hoje, que a reeleição é um instituto que não pode existir aqui no Brasil. Sinto isso entre os Senadores, muitos aqui extremamente prejudicados com esse processo, e entre os Parlamentares da Câmara dos Deputados, há uma queixa generalizada. Até mesmo, Senador José Eduardo Dutra, os Prefeitos do nosso País já estão percebendo que a reeleição não deve mais existir. S. Exªs já estão falando que se tiver reeleição... A Constituição garante a reeleição, mas a pressuposição de que a reeleição para prefeito não vingará é tão forte, tão grande que a maioria dos prefeitos quando falam conosco dos problemas, conversando no dia a dia, dizem: Se tiver reeleição, vou ser candidato; se não tiver reeleição, o meu candidato será fulano de tal. Já dá para sentir que a indecência, que a utilização da máquina, que a falta de ética foi tão absurda, tão grande e tão escandalosa que o povo e os próprios prefeitos estão percebendo que não dá para continuar com o processo de reeleição. Na reeleição não se enfrenta apenas um candidato que é governador e tem a possibilidade de ser novamente governador. Enfrenta-se a máquina do Estado, todos os cargos de confiança do Governo do Estado, todo o empresariado do Estado que serve ou que tem vinculações com aquele Estado, porque eles é que vão sustentar a campanha do governador que está atendendo seus interesses. Senador José Eduardo Dutra, no Estado do Pará, fui candidato a Governador nestas eleições. Faço política há 22 anos no meu Estado - entrei para a política em 1976 - e nunca vi, ao longo de todos esses anos, uma campanha tão milionária, tão cara e tão absurda como esta. Chegou ao ponto de um candidato a Governador, o que se reelegeu, fazer um comício na cidade de Tucuruí com o Grupo É o Tchan, com as duas Sheilas. Um comício desse tipo não sai por menos de R$200 mil. Ele levou a Marabá, para reunir o povo, o Grupo Timbalada, que tem mais de 30 integrantes. Repito: um comício desse tipo, para atrair a população e para esbanjar dinheiro, não sai por menos de R$200 mil. Diante da crise que estamos vivendo e da dificuldade por que estamos passando, é incrível que isso aconteça! Inclusive, a Celpa - Centrais Elétricas do Pará - foi vendida, a preço de banana, por US$450 milhões. Agora, às vésperas da eleição, o Governo já havia gasto mais de US$300 milhões dos recursos arrecadados com a referida venda. Dessa forma, é muito difícil enfrentar um candidato que está no Governo, pois, além de enfrentar o corpo funcional do Governo em cargos de confiança e o segmento empresarial, ainda se enfrenta a mídia, porque esta - os canais de televisão e os jornais - está presa às mãos do Governo, uma vez que o seu maior faturamento é o público. Assim, verifica-se uma situação de desigualdade absoluta e de extrema dificuldade. Portanto, ainda não há condições de fazer funcionar o instituto da reeleição no nosso País. Creio que a emenda de V. Exª será muito bem recebida no Senado e na Câmara dos Deputados, onde emendas parecidas ou semelhantes já tramitam. Entendo que essa regra deverá mudar antes que se realizem as eleições para prefeito no ano 2000, retirando-se, assim, essa excrescência da Constituição brasileira, que é o instituto da reeleição. Muito obrigado.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Muito obrigado, Senador Ademir Andrade. V. Exª levanta outro ponto sobre o qual temos que nos debruçar nessa discussão sobre a reforma política, além da reeleição, que é a questão do financiamento das campanhas.

É fundamental que se institua o financiamento público, com a proibição de financiamento privado, não só porque isso vai possibilitar uma maior igualdade de condições, mas também porque vai possibilitar uma maior fiscalização das eleições.

Todos nós sabemos que hoje as chamadas prestações de conta são uma ficção. V. Exª citou o caso do comício feito com o Grupo Timbalada no Pará. Em Sergipe, não foi contratado somente o Timbalada, mas também o Netinho e o Chiclete com Banana. E o que foi pior: a televisão, que é de propriedade do Dr. Albano Franco, candidato a Governador, anunciava na programação nobre, no horário de propaganda normal, os shows de Netinho, da Timbalada e do Chiclete com Banana em determinada praça. É lógico que não foi dito que se tratava de um comício; anunciou-se somente o show. Com isso, ficava repleto o show com esses artistas, que era realizado de graça para o público. Depois, no programa eleitoral, era anunciado que havia sido realizado um grande comício, com milhares de pessoas. É óbvio que as pessoas estavam ali para assistir aos shows, mas isso era divulgado como uma propaganda. Inclusive, entramos com uma representação para impedir essas propagandas, porque, na prática, eram propagandas eleitorais enganosas, mas, como já acontece em diversos outros Tribunais do nosso País, não ganhamos.

Sr. Presidente, para concluir o meu pronunciamento, quero dizer que, independente do resultado final da emenda, se vai manter a sua proposta original, extinguindo a reeleição para Prefeitos e introduzindo a desincompatibilização para Governadores e para Presidente, ou se vai extinguir a reeleição para Prefeito e Governador e mantê-la somente para Presidente, o fato é que devemos constatar e reconhecer que, do jeito como está, isso não pode continuar.

Como o Senador Ademir Andrade, vários Senadores candidatos aos cargos de Governador ou Senador foram à tribuna para denunciar o uso da máquina pública nos seus Estados, reconhecendo que é necessário modificar a atual legislação. Há um consenso em torno dessa questão. A forma final, naturalmente, vai depender do debate que esta Casa travar. O que não é possível é chegarmos às eleições para Prefeito com a mesma situação, com as mesmas regras, desta eleição.

Se houve 27 denúncias referentes ao uso da máquina pública nestas eleições - estou generalizando, contando com o fato de que isso possa ter acontecido em todos os Estados -, poderá haver duas mil denúncias a esse respeito, com muito menos condições de controle. Como eu já disse, em milhares de Municípios deste nosso País, a possibilidade concreta de controle da cidadania sobre a ação de seus governantes é infinitamente menor do que numa eleição estadual, em São Paulo ou em qualquer lugar do Brasil, ou em eleições para a Presidência da República.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - V. Exª permite-me um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Senador José Eduardo Dutra, quero manifestar a minha concordância com o projeto de lei e com emenda à Constituição que V. Exª apresentou, especialmente porque a experiência destas eleições, no meu entender, não mostrou que seja saudável para a democracia brasileira o direito à reeleição. Observamos, tanto na eleição presidencial, quanto nas eleições para Governadores, que, de fato, houve um poder extraordinariamente maior por parte daqueles que ocupavam a chefia de Governo, inclusive por parte do próprio Presidente da República, que, pela simples presença sua nos meios de comunicação, teve uma vantagem muito maior que aqueles candidatos que estavam realizando a competição e se opondo aos Chefes dos Executivos estaduais e, inclusive, ao Chefe do Estado brasileiro. Houve até situações em que o Presidente da República, candidato, não contribuiu para que houvesse um processo de democratização mais intenso. Refiro-me, por exemplo, à sua recusa de participar de debates com os seus adversários, empobrecendo o processo democrático. Dessa maneira, considero que também não é saudável para o aperfeiçoamento da democracia o direito de reeleição para os Prefeitos. Avalio que será importante que não haja o direito de reeleição para Prefeitos, de tal maneira que possa até se rever a decisão aqui tomada, relativa ao direito de reeleição para o Governo dos Estados e para a Presidência da República.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy. Incorporo, com muito prazer, o seu aparte ao meu pronunciamento e, com ele, concluo minhas palavras. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/11/1998 - Página 15165