Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ARTIGO DO JORNALISTA BARBOSA LIMA SOBRINHO, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA - ABI, PUBLICADO NO JORNAL DO BRASIL, REFERENTE AO ACORDO MULTILATERAL DE INVESTIMENTO - AMI.

Autor
Odacir Soares (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O ARTIGO DO JORNALISTA BARBOSA LIMA SOBRINHO, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA - ABI, PUBLICADO NO JORNAL DO BRASIL, REFERENTE AO ACORDO MULTILATERAL DE INVESTIMENTO - AMI.
Publicação
Publicação no DSF de 06/11/1998 - Página 15178
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, BARBOSA LIMA SOBRINHO, JORNALISTA, PRESIDENTE, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA (ABI), REFERENCIA, CRITICA, ACORDO, INVESTIMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, BRASIL, COMPROMETIMENTO, MANUTENÇÃO, SOBERANIA NACIONAL, PAIS.

O SR. ODACIR SOARES (PTB-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho o compromisso e responsabilidade de trazer a esta Casa linhas gerais do artigo do jornalista Barbosa Lima Sobrinho, Presidente da Associação Brasileira de Imprensa-ABI, publicado no Jornal do Brasil na primeira quinzena de outubro e referente ao Acordo Multilateral de Investimentos-AMI.  

Segundo a análise de Barbosa Lima Sobrinho, já estamos sob a ameaça de um novo manifesto do Capitalismo Mundial, que é o Acordo Multilateral de Investimentos-AMI. O Acordo Multilateral de Investimentos-AMI vem sendo preparado, sigilosamente, desde 1995 até 1997, pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico-OCDE que congrega os 29 países mais ricos e desenvolvidos do mundo.  

Além dos 29 países mais ricos e desenvolvidos do mundo, participam cinco países observadores, entre eles o Brasil. O Brasil foi convidado a participar da discussão do Acordo devido à sua posição de "...expressivo receptor de investimentos internacionais".  

O Acordo Multilateral de Investimentos-AMI representa um dos mais terríveis instrumentos de recolonização. No dizer de Lori M. Wallach, diretor do Public Citizen’s Global Watch, em entrevista ao Le Monde Diplomatique , de fevereiro de 1998: "...É necessário remontar os mais leoninos antecedentes, para encontrar propostas de tanta arrogância como o Acordo Multilateral de Investimentos-AMI, que trata do imprescritível direito do mais forte - no caso as sociedades transnacionais - e das obrigações severas impostas aos pobres".  

Uma boa definição do Acordo Multilateral de Investimentos-AMI foi dado por Renato Ruggiero, diretor-geral da OCDE: "Com este documento nós escrevemos a Constituição de uma economia mundial unificada".  

Resta saber, Sr. Presidente, se a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico-OCDE teria a legitimidade necessária para escrever um texto de tamanha abrangência, com regras que afetarão tanto os grandes países desenvolvidos quanto os em desenvolvimento, que têm processos históricos e condições políticas e econômicas completamente diferentes.  

Os países mais ricos do mundo que integram a OCDE já escreveram 190 páginas, fazendo com que 90% do texto do acordo já esteja pronto. Desde o segundo semestre de 1997 que Organizações Não-Governamentais do mundo inteiro tomaram conhecimento de seu conteúdo e estão promovendo uma mobilização sem precedentes, por entenderem que se trata de uma ameaça aos esforços internacionais de proteger o meio ambiente e promover o desenvolvimento sustentável.  

Mesmo os governos e os parlamentos dos países participantes não tinham conhecimento oficial da negociação em curso. No Brasil, o Senador Eduardo Suplicy (PT/SP) solicitou a realização de audiência pública para discussão sobre acordos para a promoção e a proteção recíproca de investimentos celebrados entre o Brasil e a Suíça, Portugal, Reino Unido, Chile, França e países do Mercosul.  

Também foram discutidas as negociações relativas à criação da ALCA e acerca do Acordo Multilateral de Investimentos-AMI a ser sumetido à apreciação pelos países da OCDE.  

O que fica bastante claro da leitura do documento da AMI é que os investidores estrangeiros se colocam acima dos governos nacionais e infringem os princípios básicos da soberania de qualquer país que assine o documento. E a pressão para que os países o subscrevam é crescente e muito forte.  

Pelo Acordo Multilateral de Investimentos-AMI, Senhor Presidente, os investidores estrangeiros terão o direito de investir em qualquer área, setor ou atividade de um país, sem restrição alguma. A seu critério, de forma subjetiva, poderão acionar, em foro privilegiado, à sua escolha, os governos nacionais, enquanto os Estados ficam impedidos de recorrer à arbitragem internacional.  

Poderão os países mais ricos e desenvolvidos do mundo reivindicar indenizações, se acharem que uma medida governamental interferiu na sua capacidade de obter lucros, interpretando-a como uma "...desapropriação, mesmo que indireta". Dão-se o direito de pedir a revogação de suposto entrave, que poderá ser a legislação trabalhista do país, ou medidas fiscais, ambientais, de desenvolvimento regional, de apoio à pequena empresa, de reforma agrária, de apoio ao consumidor.  

O Acordo trata basicamente de proteção, salvaguarda, livre circulação, valorização e não intervenção nacional sobre toda riqueza financeira de propriedade de pessoas físicas ou jurídicas externas, detentoras de ativos que estejam em determinado país.  

O país que assinar o Acordo não poderá retirar-se antes de passados cinco anos. E se o fizer, seus compromissos permanecerão válidos ainda por mais 15 anos, no mínimo.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no mundo todo já se vêem manifestações contra o Acordo Multilateral de Investimentos-AMI. De 21 a 28 de setembro, realizou-se a Semana de Ação Internacional, com a promoção de eventos, visando a focalizar e tornar conhecido o Acordo, para aumentar a pressão política contra ele. Em Brasília, nesse período, foi lançado o " Alerta à Nação - Diante da Ameaça do Acordo Multilateral de Investimentos-AMI".  

Trata-se de uma publicação, editada pela Editora Vozes, de responsabilidade de expressivas entidades : Comissão Brasileira de Justiça e Paz-CBJP, Instituto de Estudos Socioeconômicos-INESC, Associação para Projetos de Combate à Fome-Ágora, contando ainda com o apoio da Associação Brasileira de Imprensa-ABI, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB e da Conferência Nacional de Bispos do Brasil-CNBB.  

O Presidente do Conselho Federal da OAB, Dr. Reginaldo Oscar de Castro, escreveu, em artigo sobre esse Acordo, publicado pelo Jornal do Brasil em 13 de setembro de 1998: "O conceito de pátria, por exigência dos novos tempos, pode ser flexibilizado ou ampliado, em função da vigente ordem econômica mundial. Mas em hipótese alguma pode ser extinto - muito menos para dar lugar a uma nação corporativa, cuja moral é o lucro".  

Muitas iniciativas e atos públicos, Sr. Presidente, já se realizaram no correr deste ano de 1998. Impõe-se uma intensa mobilização para barrar, para impedir, no Brasil, a assinatura desse lesivo Acordo. É importante salientar ademais que o Acordo Multilateral de Investimentos-AMI obriga o governo a garantir os investidores estrangeiros contra qualquer perturbação da ordem que possa diminuir sua rentabilidade, como greves, protestos, estados de emergência, distúrbios civis, revoluções.  

As entidades que subscreveram o " Alerta à Nação - Diante da Ameaça do Acordo Multilateral de Investimentos-AMI" estarão se mobilizando junto aos parlamentares desta e da próxima legislatura. Todos precisam conhecer a nova ameaça. A pressão política contra o AMI tem de crescer no Brasil, como vem crescendo em todo o mundo. Impõe-se impedir que o governo o assine. O país que o subscrever ficará preso por 20 anos. E a luta pela reversão será muito mais árdua.  

Não temos dúvida de que não é tarefa fácil, pela imensa e inescrupulosa pressão de enormes interesses que não tiveram escrúpulos em se reunirem, articularem e redigirem tal instrumento.  

Afortunadamente, algumas expressivas lideranças de países que fazem parte da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico-OCDE, já começaram a divergir. É o caso da França cujo primeiro-ministro Lionel Jospin em um comunicado ao parlamento francês, disse que a França não se contrapõe ao livre comércio nem à diminuição das restrições sobre os fluxos de capital - afirma Jospin - "Mas creio que diante do recente turbilhão, dos movimentos precipitados e às vezes irracionais que pegaram os mercados de surpresa, não parece sensato que vejamos, em grau excessivo, interesses privados ultrapassando a esfera de influência do Estado". No dia 14 de outubro, o primeiro-ministro anunciou a sua retirada das negociações para a conclusão do Acordo Multilateral de Investimentos-AMI.  

Sr. Presidente, é importante prosseguir transcrevendo as declarações de Lionel Jospin: "Uma coisa é delegarmos soberania no interior de nossa própria comunidade, a União Européia, em um processo controlado pelos governos. Outra coisa é conceder soberania aos interesses privados, sob o pretexto da discussão de um código sobre o investimento internacional".  

Para o primeiro-ministro Lionel Jospin, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico-OCDE, com seus 29 países-membro, não é o foro adequado para a discussão do AMI. A França propõe que a discussão seja mais ampla, entendendo que o lugar natural para a realização dessa tarefa seja a Organização Mundial de Comércio-OMC, cuja estrutura é "...mais universal". Uma das mais importantes reivindicações francesas se refere à participação de países em desenvolvimento nas negociações.  

É quase inevitável que a decisão da França possa enfraquecer o Acordo, que já vinha sendo denunciado por organizações não-governamentais, por ir contra a soberania das nações e não prever mecanismos de proteção ao trabalho, às culturas nacionais e ao meio ambiente.  

Nigel Gardner, porta-voz do comissário europeu de Comércio Leon Brittan - que apóia o Acordo Multilateral de Investimentos-AMI - afirmou que, sem a França "... é como se não houvesse uma nova rodada de negociações".  

Gardner disse esperar que a reunião a ser realizada no dia 20 de outubro, em Paris, sirva para que, ao menos, se discuta a posição da França quanto às negociações. "Temos que examinar com cuidado o que os franceses e os outros participantes estão dizendo" afirmou. 

A decisão francesa de se retirar das negociações para a conclusão do Acordo Multilateral de Investimentos-AMI foi efetivada na reunião celebrada no dia 20 de outubro em Paris, é o que nos informou o Setor Comercial da Embaixada da França, em Brasília.  

Em um próximo discurso, abordarei as decisões tomadas na reunião da OCDE, a respeito das negociações entre os 29 países mais ricos e desenvolvidos do mundo sobre o leonino Acordo Multilateral de Investimentos-AMI, que tantos prejuízos trará para o Brasil, destacando-se a perda de sua soberania.

 

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/11/1998 - Página 15178