Discurso no Senado Federal

APELO AS AUTORIDADES COMPETENTES PARA SOCORRER AS AREAS ATINGIDAS PELA SECA NO NORDESTE.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • APELO AS AUTORIDADES COMPETENTES PARA SOCORRER AS AREAS ATINGIDAS PELA SECA NO NORDESTE.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/1998 - Página 15063
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SECA, REGIÃO NORDESTE.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, URGENCIA, ATENÇÃO, REGIÃO NORDESTE, LIBERAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, POPULAÇÃO, VITIMA, SECA.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nós, nordestinos, temos uma capacidade de sobrevivência incrível, praticamente somos treinados a enfrentar problemas, que são muitos para aqueles que nascem no Nordeste, são mais do que para os que nasceram em qualquer outra região da República.  

Temos hoje uma crise mundial, que todos decantam. Realmente há seis meses não se fazem grandes negócios em nenhum país do Ocidente, o que significa que, como é concatenada, essa crise ainda vai durar por muito tempo. Mas também temos uma crise nacional. As nossas lideranças nacionais e o povo em geral não fala em outra coisa senão na crise que estamos vivendo e no pacote que nos está sendo imposto para o seu enfrentamento.  

No entanto, Sr. Presidente, ainda há uma outra crise para os nordestinos, e uma crise de que ninguém nem fala: a seca. Enquanto o restante da República enfrenta a crise mundial e a nacional, enfrentamos uma terceira crise: a da seca.  

Exemplos de bravura do nosso povo, de destemor, de criatividade, poderíamos citar milhares, e cito aqui um deles: um senhor saiu de Santa Rita para o Rio de Janeiro, onde julgou ter maior possibilidade de encontrar emprego. E resolveu sair, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com a mulher e um casal de filhos, de bicicleta. Levaram seis meses viajando para chegar ao Rio de Janeiro. Tudo na esperança de ter emprego. Santa Rita situa-se na região do brejo, onde chove. E para nós, dos Municípios situados mais adiante, tudo é mais difícil.  

Hoje, aqui no Senado, a Comissão da Seca vai reunir-se. Trouxemos um Prefeito para fazer um depoimento: o prefeito de Pedra Lavrada, onde não chove há quatorze meses. Todos os mananciais estão esgotados, e a água está vindo de 102 quilômetros de distância. Mas ninguém fala dessa crise, e ninguém fala, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, porque só estamos falando na crise financeira que aflige o Brasil.  

Ontem tivemos uma reunião de todo o PMDB para decidir como iríamos nos portar diante da crise, mas ninguém fala da seca. Portanto, gostaria de lembrar que, além dessa outra crise, continua existindo a crise séria de 1600 municípios que não têm um pingo d’água, somada à ameaça de que vai acabar a situação de emergência no mês de dezembro - sabe-se que os burocratas daqui, de Brasília, decidem fazê-la por um ano ou por tantos meses. Acabará em dezembro, como se já houvesse chuva e colheita no Nordeste no referido mês. Não há. E nem vai haver em janeiro e fevereiro, porque as chuvas vão começar em março, só devendo haver colheita em junho. Mas a emergência acaba agora em dezembro. Os burocratas comportaram-se, Sr. Presidente, como se seca fosse algo retilíneo, permanente, estável. Não pensaram que ela é cumulativa. Se no começo do ano tínhamos alguns milhares de pessoas padecendo pela sua ocorrência, hoje temos dezenas de milhares de pessoas que não têm água, a não ser que a busquem a 102 quilômetros de distância.  

Para as pessoas do Sul e Sudeste é fácil: perguntam por que as pessoas não mudam. Mas ali está toda a história, toda a vida, enfim, tudo daquelas pessoas. Fora daquele contexto, elas são ninguém, viram essa bucha social que temos em volta das grandes cidades, que resultam na marginalidade, sofrimento, doenças, ruas sem esgoto, ou seja, ausência absoluta de qualquer decência de vida, como vivem milhões de brasileiros.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna exatamente para clamar que as autoridades não esqueçam que estamos numa seca terrível, apesar desta outra crise.  

Ouvi o ex-Presidente Itamar Franco, na reunião do PMDB, ontem à noite, citar alguns índices que são, de fato, preocupantes. Ele dizia que, quando este Governo começou, o crescimento do PIB era de 6% ao ano; hoje vai ser 1%. Há esperança de que seja de 1%. A dívida interna, Sr. Presidente, era de R$65 bilhões e hoje é de R$300, quase R$400 bilhões. A taxa de desemprego era de 5%. Hoje estamos com 10%. Alguma coisa não andou bem, dizia o ex-Presidente Itamar. Dizíamos, naquela reunião, que estávamos preocupados, porque falamos da crise e apresentamos soluções para ela. Pelo menos o Governo apresentou um pacote de enfrentamento. Mas eu lembrava que nós, do Nordeste, enfrentávamos três crises, e que a crise maior que estávamos enfrentando neste País era a crise gerencial. Não posso entender como é que fazemos um pacote como esse, que está tirando o sono de todos os empresários e de todos aqueles que têm um pouco de discernimento, para sanar um rombo de R$28 bilhões, quando temos para receber, desta República, R$310 bilhões relativos a dívidas! É de pasmar, Sr. Presidente. Como alguém pode estar morrendo por causa de R$28 bilhões, quando tem R$310 bilhões para receber? Setenta e tantos bilhões da Caixa Econômica precisam ser recebidos; R$25 bilhões do Banco Central, R$20 bilhões do Banco do Brasil, quase R$40 bilhões do INSS, quase R$60 bilhões do Ministério da Fazenda! E estamos morrendo por causa de R$28 bilhões. Por causa de tudo isso estamos nos esquecendo inclusive de socorrer o Nordeste do País. As verbas para o Nordeste estão se exaurindo, acabaram-se praticamente. Vão acabar em dezembro, mas temos dinheiro para receber. A crise, na verdade, é gerencial.  

Temos que ter a coragem de negociar essas contas. Que não se recebam os R$310 bilhões, mas uma parcela, Sr. Presidente: R$30 bilhões, R$40 bilhões, 10% ou 20% daquele valor já resolvem o nosso problema, porque esse é um dinheiro devido. No entanto, as pessoas não pagam, porque os custos ficaram altos demais. Quem devia cinco está devendo vinte. Não vai pagar os vinte e não há ninguém com competência neste País para negociar a fim de que sejam pagos sete. Os Estados Unidos fizeram isso, Sr. Presidente. Criaram uma comissão de negociação e renegociaram as dívidas. No Brasil, a legislação diz: "É tanto." Ninguém pode descontar nada, por isso ninguém paga. Temos R$300 e tantos bilhões a receber, mas ninguém recebe. Não consigo entender como saímos à rua clamando por R$28 bilhões quando temos a receber, assim como não consigo entender por que deixar os Estados nordestinos, neste momento, numa situação de enfrentamento de três crises.  

Sei que é difícil ser Presidente da República num momento como este em que estamos vivendo. A globalização está aí. Ainda hoje começamos a realizar, neste Senado da República, um painel sobre globalização. Sei que é difícil, Sr. Presidente, enfrentar a dívida interna que o Presidente encontrou, mas como disse o ex-Presidente Itamar Franco, ela saltou de R$65 bilhões para quase R$400 bilhões. A verdade é que isso é resultado dos juros que se estão exponenciando. Sei que esses juros são necessários, senão vai embora o capital estrangeiro. Mas será que ele não está indo porque os juros estão altos? Será que não é porque está havendo uma crise de confiança? Se alguém me disser que está tomando dinheiro emprestado e pagando 100%, não vou emprestar nem que tenha, porque essa pessoa deve estar desesperada e sem condições de pagar, caso contrário não pagaria 100%. Estamos pagando mais caro do que qualquer país do mundo, então está havendo uma crise gerencial. E essa crise gerencial se manifesta no recebimento das contas, na necessidade urgente de um pacote e também na desproteção que estamos tendo no Nordeste. Faz mais de 60 anos que legislações foram criadas para fazer a diminuição da diferença de rendimento e de qualidade de vida entre Nordeste, Sul e Sudeste e o objetivo até hoje não foi atingido.  

Por isso, Sr. Presidente, venho a esta tribuna para fazer este alerta: Temos condições de enfrentar até mesmo a crise que o Brasil todo está enfrentando, mas é preciso socorrer com urgência os Estados do Nordeste. O meu Estado e o Estado de V. Exª, que são pequenos, pagaram as suas contas. Hoje eu conversava com o Governador da Paraíba, e S. Exª me mostrava que em três anos pagou US$534 milhões, o equivalente a R$640 milhões, uma verba maior que a verba anual da Sudene para os nove Estados. Nós pagamos tudo isso, mas quando o aperto chega é igual para todos e ninguém olha o diferenciamento dos Estados. Pelo contrário, nós do Nordeste estamos pagando um preço a mais. Estamos pagando também essa desproteção, essa falta de solidariedade do Governo Federal para com o Nordeste, porque até mesmo o dinheiro dos carros-pipas, que foram estipulados para serem pagos nessa frente de emergência, na maioria das cidades do interior da Paraíba, não foram pagos. Atrasam o pagamento dois, três meses. Entretanto, ninguém pode atrasar três meses de recebimento de água, porque, senão, morrem de sede.  

Então, Sr. Presidente, estamos pagando um preço mais caro e enfrentando não apenas as crises mundial e nacional, mas também uma crise regional terrível que assola desde o norte de Minas Gerais até o Estado do Ceará. E é preciso que abramos os olhos deste Governo e destas autoridades para que venha algum socorro, porque a esperança já começa a minguar.  

Muito obrigado.  

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/1998 - Página 15063