Discurso no Senado Federal

HOMENAGENS AO ECONOMISTA INDIANO, AMARTYA SEN, AGRACIADO COM O PREMIO NOBEL DE ECONOMIA DE 1998, TEORICO DA CHAMADA ECONOMIA DO BEM-ESTAR.

Autor
Odacir Soares (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONCESSÃO HONORIFICA. POLITICA SOCIAL.:
  • HOMENAGENS AO ECONOMISTA INDIANO, AMARTYA SEN, AGRACIADO COM O PREMIO NOBEL DE ECONOMIA DE 1998, TEORICO DA CHAMADA ECONOMIA DO BEM-ESTAR.
Publicação
Publicação no DSF de 04/11/1998 - Página 15032
Assunto
Outros > CONCESSÃO HONORIFICA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, AMARTYA SEN, ECONOMISTA, PAIS ESTRANGEIRO, INDIA, RECEBIMENTO, PREMIO, ECONOMIA.
  • COMENTARIO, PESQUISA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ORGANIZAÇÃO, CLASSE SOCIAL, BRASIL, DEMONSTRAÇÃO, SITUAÇÃO, MISERIA.

           O SR. ODACIR SOARES (PTB-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a segunda semana de outubro foi marcada pelas premiações com o Nobel que a Academia Real de Ciências da Suécia conferiu nas áreas de literatura, química, física, paz, e economia. Depois de um jejum de mais de duas décadas, a Academia voltou a conceder o prêmio Nobel a um teórico da chamada economia do bem-estar.

           Foi contemplado com o Prêmio Nobel de Economia de 1998 o economista indiano, nascido em Bengala, Amartya Sen, de 65 anos, professor na London School e em Harvard. O economista indiano é considerado um acadêmico de grande reputação, com doutorado pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra, autor de 20 livros. Amartya Sen revolucionou a pesquisa e a análise dos estados de miséria absoluta em nações da África e Asia.

           A mudança de enfoque da Academia Real de Ciências da Suécia na premiação dada a Amartya Sen deve ser ressaltada, primeiro porque é a primeira vez que um representante de um país do Terceiro Mundo recebe um Nobel de Economia; segundo, porque, antes dele, desde que foi criado o prêmio em 1969, apenas o americano Paul Samuelson e o inglês John Hicks haviam recebido o Nobel por teorias na área da economia do bem-estar, em 1970 e 1972, respectivamente.

           Numa análise restrospectiva de ilustres premiados com o Nobel de Economia, listamos Milton Friedman, 1976, da escola de Chicago, que foi premiado por sua contribuição para a análise do consumo, a teoria do dinheiro e a política de estabilização. Para ele, enquanto os governos deixarem os mercados se auto-regularem, as perspectivas para o mundo serão muito boas.

           James Tobin, 1981, professor da Universidade de Yale, foi premiado pela análise dos mercados financeiros e seus efeitos sobre o emprego, a produção e a evolução dos preços. James Tobin defende a reforma financeira para debelar a crise da Asia e é autor de uma das propostas para um novo Fundo Monetário Internacional-FMI.

           O economista Robert Lucas, foi agraciado em 1985, por sua tese sobre as expectativas racionais. A teoria ensina que, quando todos prevêem um fato, ele fatalmente acontece. “Na vida econômica, quanto mais incompleto é o conhecimento da situação, mais pretenciosa é a sua explicação”, ensina-nos Robert Lucas.

           William Sharpe, 1990, ganhou o prêmio junto com Mertton Miller e Harry Markowitz, por um conjunto de teorias sobre os mercados financeiros. William Sharpe criou um modelo matemático para avaliar o desempenho e o risco das aplicações financeiras, que ficou conhecido como Índice Sharpe.

           No ano passado, os americanos Myron Scholes e Robert Merton ganharam o Nobel de Economia por suas teorias sobre a criação de parâmetros de preços para mercados futuros. Depois da glória da premiação, veio para os dois economistas a derrocada: os dois laureados com o Nobel em 1998 administravam o Long-Term Capital Management, um dos maiores fundos de investimentos dos Estados Unidos, que precisou de um socorro de 3,5 bilhões de dólares de entidades financeiras americanas para não quebrar.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o trabalho mais conhecido de Amartya Sen é o livro “Pobreza e Fome- um ensaio sobre direitos e privações”, publicado em 1981, que a Academia Real de Ciências da Suécia considerou uma contribuição-chave para a economia do desenvolvimento. No livro, o economista indiano questiona a crença comum de que os grandes períodos de fome são provocados pela falta de alimentos. Depois de estudar a Índia e Bangladesh e os bolsões de fome que estiolam os países do cinturão do Saara, o economista chegou à conclusão de que as grandes ondas de fome aconteceram mesmo quando o volume de alimentos não se havia reduzido em relação aos anos anteriores.

           Algumas áreas afetadas pela fome, Senhor Presidente, tinham inclusive exportado produtos alimentares. Segundo Amartya Sen, isso se explica por fatores sociais e econômicos que afetam os grupos de maneiras diferentes. A fome que atingiu Bangladesh em 1974, por exemplo, deveu-se ao fato de que as inundações daquele ano fizeram subir os preços dos alimentos, ao mesmo tempo em que havia escassez de trabalho para os trabalhadores agrícolas, que viram seu poder aquisitivo cair.

           Amartya Sen não visitou a America Latina ou de modo particular o Nordeste brasileiro. Mas as suas contribuições acadêmicas valem para qualquer nação, de qualquer continente, em qualquer tempo. A desnutrição endêmica de populações inteiras caracteriza o estágio terminal da exclusão econômica e social. São indivíduos de todas as idades situados abaixo do nível da mera sobrevivência biológica, abaixo da dignidade humana.

           Os estudos do economista indiano tem o mérito de aprofundar o exame das causas desse flagelo. Conceituado como um matemático de extremada sofisticação científica, o professor Amartya Sen melhorou os métodos de medição e interpretação dos processos de concentração e/ou distribuição de renda. Estabeleceu ligações até então difusas, ou mal percebidas, entre estados de miséria coletiva com lacunas de mercados livres e, sobretudo, com omissão de políticas públicas.

           A exclusão absoluta, que culmina na morte por inanição, tem por raiz e por matriz falhas gritantes na organização social e na administração política. A baixa eficiência da economia rural não é a causa da inanição populacional. O que se deve é tratar de identificar, para eliminar, os fatores que provocam e perpetuam a baixa produção de alimentos em escala planetária.

           Ao enfocar esse aspecto, Amartya Sen nos leva a revisar o que já era objeto de advertência de um outro laureado com o Prêmio Nobel de Economia, de 1979, Theodore Schultz. Tal como Schultz, o professor Amartya Sen demonstra, cientificamente, a generosa colheita de dividendos econômicos, sociais e políticos a partir da melhoria do capital humano na escola e no trabalho. Não há no seu entendimento outro passaporte para a construção de uma sociedade economicamente forte, politicamente aberta e socialmente justa.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste discurso, em que faço as minhas homenagens ao economista Amartya Sen, não poderia deixar de comentar as condições de vida da população brasileira.

           Quantos são e onde estão os miseráveis do Brasil ? A resposta varia em função da fonte consultada e do ano que serve de referência para o cálculo. Com base nos dados oficiais, a única afirmação possível é que a miséria no país vem diminuindo nas últimas décadas.

           Segundo o Mapa da Fome, elaborado em 1993 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada-IPEA, do Ministério do Planejamento, nesse ano eram 32 milhões os brasileiros em situação de miséria, ou seja, o Brasil continha uma Argentina de miseráveis na sua população. O conceito de miséria a partir do qual o Mapa da Fome foi feito era o de renda insuficiente para as necessidades básicas de alimentação. Os 32 milhões serviram de base para que o governo federal elaborasse o plano de ação de seu programa Comunidade Solidária.

           O conceito passou por revisão e o número de miseráveis foi reduzido para 17 milhões. Essa nova cifra foi usada pelo Banco Mundial para estimar o custo para melhorar as condições de vida dessas pessoas: R$ 4,2 bilhões. Outro organismo internacional, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento-PNUD, usa dois conceitos diversos para definir pobreza, ou miséria, que levam a resultados diferentes dos usados pelo Banco Mundial.

           Em seu relatório de 1998, o PNUD quantifica os brasileiros abaixo da linha da pobreza como sendo 28,7% da população, segundo a definição internacional: renda inferior a US$1 por dia por pessoa. Na mesma tabela, o PNUD registra que, segundo a definição nacional de pobreza, esse percentual fica restrito a 17% da população.

           Diante dessa confusão de conceitos e de fontes, a “Folha de São Paulo”, com a ajuda do Datafolha, elaborou uma classificação que mostra como se organiza a pirâmide social brasileira em 1998. É o retrato mais atual e mais divulgado do país, ANEXO Nº 01.

           A estratificação da população por grupos de classificação social foi elaborada pela primeira vez pelo Datafolha, em 1997, para identificar segmentos de perfís semelhantes. Tomando-se como base os indicadores de classificação socioeconômica, escolaridade e renda familiar, chega-se, por meio da análise de “clusters” (técnica que possibilita a divisão da amostra em segmentos homogêneos), a cinco grupos: elite, batalhadores, remediados, deslocados e excluídos. Os cinco grupos totalizam 100,8 milhões de pessoas, isso porque a pesquisa não leva em conta a população com menos de 16 anos.

           Para o objetivo que me proponho, que é o de conciliar a pesquisa da Folha de São Paulo com o enfoque dado pelo pesquisador Amarty Sen nos seus estudos, farei destaque na discussão das informações contidas no ANEXO Nº 01 - “Perfil da População Brasileira, 1998”- sobre o grupo social dos excluídos.

           O grupo dos excluídos totaliza 63,6 milhões de pessoas e está assim localizado: na região sudeste, 37%; na região sul, 15%; no nordeste, 34% e nas regiões norte/centro-oeste, 15%. A renda familiar média, desse grupo é de R$403 e a renda individual média é de R$207. No que diz respeito à escolaridade, 87% do grupo têm até o 1º grau e os restantes 13% até 2º Grau. O grupo dos excluídos não tem representação na escolaridade de nível superior e pós-graduação. A idade média do grupo é de 40 anos; 49% são do sexo masculino e 51% do sexo feminino.

           O grupo dos excluídos foi subdividido em três sub-grupos: pobres, despossuídos e miseráveis. Deter-me-ei em analisar a situação do sub-grupo dos miseráveis pelo que numericamente representa - 25 milhões de pessoas dos 63,6 milhões do grupo dos excluídos ou seja, 39,3% - pelos indicadores que caracterizam o grupo.

           O Brasil tem, em 1998, 25 milhões de miseráveis com 16 anos ou mais de idade. Eles representam 24% da população dessa faixa etária. Os miseráveis estão no patamar mais baixo da pirâmide social. Têm os piores níveis de renda e escolaridade. Estão marginalizados no mercado de trabalho e apresentam a mais alta média de idade de todos os grupos.

           Mas a principal característica dos miseráveis, fruto da combinação de todas essas desvantagens, não aparece nas estatísticas: a falta de perspectiva de ascensão social, a não ser que recebam ajuda do Estado.

           Na classificação social proposta pelo Datafolha, os miseráveis são os excluídos dos excluídos. Estão em pior situação que os pobres e os despossuídos, os dois outros sub-grupos que constituem o grupo dos excluídos da sociedade.   

           O sub-grupo dos miseráveis está localizado majoritariamente na região nordeste, com 45%; no sudeste, figuram 27%; nas regiões norte/centro-oeste, agrupadas, 16%; e na região sul, 13%. A renda familiar média do sub-grupo dos miseráveis é de R$234 e a renda individual média R$131. No que tange à escolaridade, 100% do sub-grupo têm até o 1º grau. A idade média para o sub-grupo dos miseráveis é a mais alta, 45,7 anos, quase seis anos maior do que a de outro grupo social.

           O fator mais determinante da péssima condição de vida dos miseráveis é sua renda. Na média, suas famílias sobrevivem com apenas R$234 por mês. No total da população brasileira, essa média é de R$907. O rendimento individual, como ficou anotado, é de R$131, praticamente o salário mínimo. Um brasileiro típico da elite, que integra os 7% que estão no topo da pirâmide, ganha 12 vezes mais do que isso, em média.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a situação financeira dos miseráveis é ainda mais dramática se lembramos que a pesquisa não leva em conta a população com menos de 16 anos. Ou seja, esses R$131 ainda têm de sustentar todas as crianças da família.

           A solução de curto prazo seria um programa nacional de renda mínima, que complementasse os ganhos dessas pessoas. Mas isso não resolve as implicações mais profundas do problema. Se a renda é o grande divisor de águas na pirâmide social, a educação é, como mostra a pesquisa, a principal causa da miséria.

           Dos 25 milhões de miseráveis, 83% são analfabetos funcionais (têm menos de quatro anos de estudo). Os outros 17% não completaram as oito séries do 1º grau. Esse é um problema de solução demorada. Os dados da Contagem Populacional do IBGE, de 1996, mostram que 44% dos chefes de família do país têm menos de quatro anos de estudo, e mais de metade desses não tem nenhuma instrução.

           A baixa escolaridade, Senhor Presidente, tem conseqüências diretas sobre a inserção econômica dos miseráveis. Esses, de todos os grupos sociais, são os menos representados na População Economicamente Ativa-PEA, total daqueles que trabalham ou procuram emprego. Só 61% dos miseráveis estão na PEA, contra 72% na média da população. Há três motivos para isso: nesse segmento há a maior concentração de pessoas que são só donas-de-casa, mais os aposentados e desempregados que desistiram de procurar emprego.

           Essa situação tende a se agravar num quadro recessivo, como o que se avizinha, por causa dos efeitos da crise mundial e como resultante de uma política econômica sem compromisso com o crescimento econômico e descasada da proteção social da população brasileira. As estatísticas mostram - e a realidade das ruas das cidades e do meio rural brasileiro confirma - que os trabalhadores menos qualificados são os primeiros a ser demitidos.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a premiação de Amartya Sen foi bem recebida pelos economistas brasileiros. Para Marcelo Neri, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada-IPEA, as teorias do indiano serviriam para o Brasil. “O ponto fundamental do trabalho de Sen é não olhar unicamente para o PIB per capita como medida de bem-estar social. Os índices de pobreza discutidos por ele constituem formas de agregar renda às pessoas. O fundamental seria o indivíduo possuir renda para adquirir uma cesta de consumo que sastifizesse suas necessidades básicas. Considerações importantes no Brasil, dada a alta desigualdade de renda”, disse Marcelo Neri.

           Segundo o ex-Ministro do Planejamento, Deputado Federal Roberto Campos, outro ponto importante diz respeito à aplicação de programas direcionados para os mais pobres, em vez de concessão de subsídios genéricos que, segundo ele, beneficiam a classe média: “O controle e o congelamento de preços são exemplos disso. Temos muito a aprender com Sen e fazer com que o crescimento econômico se traduza numa melhor distribuição de renda”.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, concluindo meu discurso permito-me trazer trechos do artigo “As Causas Reais da Fome”, de autoria do economista Jeffrey Sachs, Diretor do Harvard Institute for International Development, publicado na edição latino-americana da revista TIME do dia 26 de outubro.

           Jeffrey Sachs diz que desde o período de formação universitária, Amartya Sen voltou repetidamente à discussão de um tema básico: mesmo as sociedades empobrecidas podem melhorar a vida dos excluídos. As sociedades que protegem os mais pobres entre os pobres podem salvar suas vidas, promover sua longevidade e aumentar suas oportunidade, via educação e o trabalho produtivo.

           As sociedades que descuidam dos pobres, por outro lado, podem, inadvertidamente, contribuir para que milhões de pessoas morram de fome - mesmo em meio ao crescimento econômico, como ocorreu por ocasião da grande fome em Bengala, Índia, em 1943, que foi o tema do mais famoso estudo de caso de Amartya Sen.

           Sen demonstrou que a fome de Bengala foi causada por um vigoroso crescimento econômico urbano que aumentou os preços dos alimentos, enquanto que causava a morte pela fome aguda de milhões de trabalhadores rurais com salários miseráveis.

           Por que o governo não socorreu os famintos com o fornecimento emergencial de alimentos? A resposta de Sen é esclarecedora. Como a Índia colonial não era uma democracia, os mandatários britânicos tinham pouco ou nenhum interesse em socorrer os pobres, mesmo em meio de uma tragédia.

           Essa observação deu origem à Lei de Sen: a falta de alimentos não causa mortandade em uma democracia porque os políticos, caçadores de votos, se esforçarão para socorrer a população esfomeada, porém em uma sociedade autoritária, uma pequena falta de alimentos pode ocasionar mortes pela fome.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/11/1998 - Página 15032