Discurso durante a 111ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CRITICAS AO ELEVADO CUSTO ECONOMICO E SOCIAL QUE SERA IMPOSTO A POPULAÇÃO BRASILEIRA PELA EXECUÇÃO DO PROGRAMA DE ESTABILIZAÇÃO FISCAL, ANUNCIADO PELO GOVERNO FEDERAL.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • CRITICAS AO ELEVADO CUSTO ECONOMICO E SOCIAL QUE SERA IMPOSTO A POPULAÇÃO BRASILEIRA PELA EXECUÇÃO DO PROGRAMA DE ESTABILIZAÇÃO FISCAL, ANUNCIADO PELO GOVERNO FEDERAL.
Publicação
Publicação no DSF de 07/11/1998 - Página 15336
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, PLANO, AJUSTE FISCAL, GOVERNO, AUMENTO, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, FUNCIONARIO PUBLICO, APOSENTADO, IMPOSTOS, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), PROVOCAÇÃO, RECESSÃO, DESEMPREGO, BRASIL.
  • ANALISE, CRITICA, ACORDO, BRASIL, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), NEGOCIAÇÃO, EMPRESTIMO, MANUTENÇÃO, GOVERNO, TAXAS, JUROS, TENTATIVA, ATRAÇÃO, PERMANENCIA, CAPITAL ESPECULATIVO, PAIS, AGRAVAÇÃO, RECESSÃO, DESEMPREGO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o mundo está em polvorosa. O ano de "1929" está, novamente, à porta de todas as nações com altas taxas de juros, desemprego crescente e recessão. Essa senhora de quase 70 anos, agora, com vestido novo, bem maquiada e mais experiente, não está respeitando nem mesmo as consagradas potências mundiais. A "bola da vez", segundo os apóstolos do caos econômico, será o Brasil, que por sua vez arrastaria o - ainda - remanescente "Tio Sam". A partir de então, para se proteger, os governos estão se mobilizando freneticamente, em especial, o nosso.  

Essa onda de instabilidade na economia mundial está gerando situações inusitadas no mercado. Prova disso são os seguintes fatos anunciados nos últimos dias: 1º- os EUA reduziram os juros, pela segunda vez só neste mês, de 5,25% para 5%, a fim de evitar a recessão; 2º - o dólar americano desvalorizou, inexplicavelmente, 17% frente ao iene. O presidente do FED (o Banco Central Americano) Alan Greenspan, declarou nunca ter visto algo parecido em sua vida e confessa temer a radical "mudança do perfil do risco" no mundo e o súbito desaparecimento do crédito; 3º - a França anunciou sua retirada das negociações do Acordo Multilateral de Investimentos da OCDE (a Organização dos Países Desenvolvidos); 4º - o FED revelou uma perda líquida de riqueza, aproximadamente US$ 1,5 trilhão, em todos os produtos financeiros americanos, desde o início do desmoronamento do mercado de ações, após julho, o que equivalente a 20% do PIB dos EUA; 5° - nem mesmos, os principais mercados acionários europeus conseguiram escapar da crise, pois desabaram em mais de 20% nos últimos três meses; 6º - pela primeira vez, na reunião anual do FMI e o Banco Mundial, o presidente do BIRD, Jim Wolfensohn, tornou público sua divergência em relação à terapêutica da crise receitada pelo Fundo; 6º - os maiores bancos de todo o mundo já estão provisionando bilionárias quantias para os futuros prejuízos anunciados. Um bom exemplo é o Bank America, o maior banco norte-americano, já preparou provisão de US$ 1,4 bilhão para cobrir "eventuais perdas". 7º - O Governo Japonês conseguiu aprovar um Proer de US$ 400 bilhões para socorrer os bancos japoneses. Essas são algumas situações econômicas de destaque que marcaram o final do presente século.  

Diante de tudo isso, fica a impressão de que alguns paradigmas econômicos estão ruindo. Até pouco tempo, quem poderia imaginar que haveria ruptura do modelo econômico do sudeste asiático ou a recente moratória russa. Alguns até se atrevem a justificar a causa da crise asiática, culpando os capitais sem fronteira, a velocidade das informações em "real time" e as operações podres (sem garantias reais). Já, outros dizem que tudo isso são virtudes da globalização ou sinal de empreendedorismo. Na verdade, não sabemos quem tem "a razão", mas isso me fez lembrar do Apóstolo Paulo falando aos coríntios, acerca do fim dos tempos, quando disse: " aquele, pois, que pensa estar em pé, veja que não caia ." 1 Coríntios 10:12.  

Srªs e Srs. Senadores, previsões pessimistas, diante da atual crise econômica mundial, não são mais novidades. Mas seria ingenuidade de nossa parte não considerá-las. Fato é que nossa dívida cresce absurdamente por conta da alta dos juros, seja interna ou externa. Mas o Governo parece não estar muito preocupado com isso, pois aumentou a taxa básica de juros anual para 49,75%, com vistas a conter a fuga de capitais meramente especulativos, o que não conseguiu. Isso por que os especuladores estão apostando em nossa quebra. Sabe-se, não é de hoje, que o aumento da taxa de juros funciona, na maioria das vezes, da mesma forma que um remédio para o doente terminal, prolonga o seu sofrimento e depois mata. Essa metáfora talvez tenha alguma relação com o nosso caso, haja vista, que com o aumento da taxa de juros, houve a elevação do custo de produção, por conseguinte, as empresas deixaram de produzir, gerando recessão e agravando mais ainda a questão do desemprego.  

No presente momento, o desemprego e a recessão são as vedetes, em substituição ao dragão da inflação. A nossa taxa de desemprego, absurda mas real, chegou à marca de 7,8% da força de trabalho, enquanto que a inflação, apenas 2,82% ao ano. Fazendo uma análise do custo social do desemprego, percebemos que ele é muito mais significante que o custo econômico, tanto que não podemos quantificar numericamente a extensão de tantas mazelas sociais dali advindas. Sabemos, pois, que com o desemprego vem o recrudescimento da violência, dos problemas de saúde pública e a exclusão social de parcela expressiva da nossa sociedade. No que tange à recessão, os números são ainda mais preocupantes, ou seja, a perspectiva é de que o PIB decresça 1,5%. Tudo isso, com certeza, deve estar tirando o sono de milhões de brasileiros, que direta ou indiretamente irão sofrer os efeitos dessa crise.  

Para remediar essa situação, o Governo está tentando fechar um acordo de empréstimo com o FMI, e conta com o aval dos EUA, pois hoje o Brasil representa um dos pilares de sustentação econômico do "Tio Sam". Quanto ao acordo, como sabemos de experiências anteriores, esse vem carregado com uma série de exigências, que requer que sigamos a cartilha do Fundo ou então nada de empréstimo. O conteúdo dessa cartilha é altamente recessivo e de caráter interventor, seja pela exigência de cortes indiscriminados no serviço público ou pela excessiva taxa de juros a que ficamos sujeitos. Não podemos concordar com essa receita do passado, principalmente, quando um dos principais fiadores do Fundo tem interesse direto e imediato no nosso sucesso. Mas, parece que equipe econômica que negocia com o Fundo não sabe disso.  

O Governo Federal apresentou, no último dia 28, o Programa de Estabilidade Fiscal, que tem três objetivos básicos: estabilidade da moeda, crescimento sustentado com mudança estrutural e ganhos de produtividade, e a melhoria progressiva das condições de vida da população brasileira. Essa Plano é quase que totalmente contraditório, só é coerente com a estabilidade da moeda, mas diga-se de passagem, às custas do vertiginoso crescimento da nossa dívida. A contradição começa quando fala em crescimento sustentável com ganhos de produtividade, pois como poderemos crescer e ser produtivos com um alto custo financeiro para produzir e com cortes nos investimentos? Ou como teremos melhoria progressiva das condições de vida da população com carências crescentes de emprego, saúde, segurança e educação entre outras?  

Por outro lado, não posso deixar de reconhecer o esforço do Governo Federal. As medidas governamentais preliminares vieram em forma de "pacote moral", ou seja, corte nos gastos palacianos como cafezinho, lanche, barbearia e até o aumento de R$ 7,00 para R$ 10,00 na refeição ali servida aos seus funcionários. O resultado desses cortes, como bem sabemos, é inexpressivo, e com certeza não representa a amplitude da economia esperada pelo Governo para alcançar o equilíbrio fiscal e das contas públicas.  

Bem, como de lições anteriores, o cinto vai apertar mesmo é sobre os servidores públicos ativos, inativos e sobre todos os cidadãos que não têm como escapar do aumento da carga tributária. Os contribuintes assalariados, já tão sacrificados sem aumento salarial há mais de três anos, continuarão sem nenhuma correção em suas remunerações, visto que a proposta orçamentária, encaminhada ao Congresso Nacional para o exercício de 1999, não prevê reajustes para os servidores públicos. Bem, essa notícia não é nada boa, entretanto, no desenrolar do "pacote" estão outras medidas muito piores para serem implementadas como: 1- aumento das receitas : prorrogação da CPMF com elevação da alíquota de 0,20% para 0,38%, que dantes foi concebido para ser provisório, mas ao que tudo indica já se tornou permanente; a aprovação do PLC 215/97, que visa universalizar a incidência da Cofins, somado ao aumento 1% na alíquota do mesmo, admitida a compensação com o IRPJ; e a incorporação dos depósitos judiciais ou extrajudiciais, administrados pela Receita Federal e INSS, à Receita Tributária Corrente da União. 2 - redução dos gastos : o Plano de Ação do Governo Federal prevê cortes da ordem de R$ 8,7 bilhões nas rubricas de Outras Despesas Correntes e de Capital (investimentos). 3 - redução do déficit previdenciário : a inserção dos aposentados e pensionistas da União no rol dos que passarão a sofrer descontos 11% para previdência, gerando R$ 1,7 bilhão por ano; a adoção de alíquota adicional de 9%, incidente sobre a parcela da remuneração superior a R$ 1.200,00, dos servidores, que representará ingresso anual de R$ 2,7 bilhões.  

Tudo isso faz parte da carta de intenções firmada pelo Brasil com o FMI, que carece hoje do endosso do Congresso Nacional. Esse pacote representará um alto custo econômico e social à grande maioria dos brasileiros. A meta do ajuste fiscal é crescente na produção de superávits primários (não incluído aí o pagamento dos juros da dívida) ao longo do triênio 1999-2001, assim distribuída: 2,6% em 1999, 2,8% em 2000 e 3,0% no ano 2001. Na conta do Governo, em 1999, o esforço fiscal necessário é de R$ 28 bilhões, contra um resultado primário negativo de R$ 11,6 bilhões, o que produzirá um superávit primário de R$ 16,3 bilhões, ou seja, 1,8% do PIB. Não podemos, diante desses números, deixar de reconhecer a gravidade dessa situação. Mas também, não podemos esquecer que o Brasil já vem enfrentando um dos maiores índices de desemprego, e portanto não deveria sequer pensar em corte nos investimentos, mas sim o contrário, pois é com investimento que se gera riqueza e trabalho.  

Diante de tudo isso, fico muito preocupada com o processo de distribuição de renda patrocinado por este Governo, que se mostra mais uma vez injusto com os que já estão há muito sacrificados. As propostas do ajuste fiscal são dirigidas diretamente para a massa assalariada, retirando mais ainda o poder de compra dessa classe. Na semana passada, a imprensa divulgou que o Governo admitiu implementar o (IGF) Imposto sobre Grandes Fortunas, mas de forma muito moderada, pois a expectativa dos técnicos do próprio Governo é de que esse imposto contribuiria com apenas R$ 300 milhões por ano, o que representaria a insignificância de pouco mais de 1,07% do total do esforço fiscal, enquanto que o sacrifício dos servidores ativos e inativos, juntos renderão aos cofres públicos mais de R$ 4,3 bilhões no mesmo período, ou seja, 15,35% da meta global. Depois de analisar todos essas contas, cheguei a triste conclusão que, "se" o Imposto sobre Grandes Fortunas vier a ser aprovado, ainda estaremos distantes - muito distantes - da tão esperada justiça fiscal.

 

Bem, face a toda essa turbulência mundial, é certo que não podemos ficar de braços cruzados. Mas não posso concordar com a política adotada por esse Governo, que onera os trabalhadores e o segmento produtivo com cortes e elevadas taxas de juros, enquanto que os especuladores e donos das grandes fortunas continuam não sendo alcançados por essas medidas, pelo contrário, continuam lucrando cada vez mais com os altos juros.  

Obrigada. 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/11/1998 - Página 15336