Discurso no Senado Federal

REFERENCIA AO INCIDENTE FRONTEIRIÇO RECENTEMENTE OCORRIDO ENTRE O BRASIL E A COLOMBIA. ALERTA AO GOVERNO FEDERAL QUANTO AO RISCO DE INTENSIFICAÇÃO DO NARCOTRAFICO NAS REGIÃO FRONTEIRIÇAS POUCO POVOADAS E COM BAIXA DENSIDADE ECONOMICA.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. DROGA.:
  • REFERENCIA AO INCIDENTE FRONTEIRIÇO RECENTEMENTE OCORRIDO ENTRE O BRASIL E A COLOMBIA. ALERTA AO GOVERNO FEDERAL QUANTO AO RISCO DE INTENSIFICAÇÃO DO NARCOTRAFICO NAS REGIÃO FRONTEIRIÇAS POUCO POVOADAS E COM BAIXA DENSIDADE ECONOMICA.
Publicação
Publicação no DSF de 10/11/1998 - Página 15365
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. DROGA.
Indexação
  • COMENTARIO, OCORRENCIA, IMPASSE, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, AREA, FRONTEIRA, IRREGULARIDADE, UTILIZAÇÃO, BASE AEREA, REGIÃO.
  • ANALISE, PRECARIEDADE, CONTROLE, FISCALIZAÇÃO, OCUPAÇÃO, AREA, FRONTEIRA, BRASIL, REGIÃO NORTE.
  • DEFESA, AUMENTO, PRESENÇA, FORÇAS ARMADAS, AREA, FRONTEIRA, BRASIL, REGIÃO NORTE, IMPEDIMENTO, EXPANSÃO, TRAFICO, DROGA, LOCAL.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, há poucos dias um incidente fronteiriço resultou em uma crise diplomática entre o Brasil e a Colômbia, a primeira, talvez, na história dos dois países.  

Como os meios de comunicação divulgaram amplamente, as FARC — Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, um dos grupos guerrilheiros colombianos, assaltaram e tomaram a cidade de Mitu, capital do Departamento de Vaupés, o que levou as forças armadas legais da Colômbia a pedirem ao Governo brasileiro autorização para utilizar o aeroporto de Iauaretê para fins humanitários: a evacuação de feridos que foram tombados na batalha de Mitu.  

Além dessa evacuação de vítimas do combate, o exército colombiano utilizou também o aeroporto como base de apoio para a reação que expulsou os rebeldes daquela cidade. Foi essa utilização indevida de uma base aérea brasileira em uma operação de guerra que motivou o protesto do nosso País e a chamada do Embaixador brasileiro em Bogotá, em uma medida tipicamente diplomática que significa um protesto contra um ato que desagradou nosso Governo.  

O incidente em si, Sr. Presidente, não tem maior gravidade; aliás, é o segundo em alguns anos. Há três ou quatro anos, guerrilheiros cruzaram a fronteira brasileira, entraram em confronto com um contingente do Exército brasileiro e mataram três soldados, provocando a reação da nossa tropa, o que resultou em não sei quantos mortos do bando guerrilheiro que nos atacou.  

Repito que nem o primeiro nem o segundo incidente têm maior gravidade, mas servem para chamar a atenção de toda a Nação brasileira para o problema de nossas fronteiras mortas, um arco de mais de 2.000km — área que compreende todo o Estado do Amazonas, Roraima, Pará e Amapá —, que vai do Solimões ao Oiapoque, uma linha fronteiriça com cinco países da América do Sul; regiões despovoadas ou muito pouco povoadas, com baixíssima densidade econômica e demográfica, que não terão, tão cedo desenvolvimento econômico, pois, além da rarefação demográfica, são geralmente muito pobres.  

A região do Alto Rio Negro, por exemplo, especificamente a Cabeça de Cachorro, como é chamada a parte noroeste brasileira que configura uma cabeça de cão, é belíssima do ponto de vista paisagístico, a mais bonita do meu Estado, já que foge à mesmice da floresta na área de planície. É uma área montanhosa com floresta entremeada de savanas, e, em vez das águas barrentas dos rios do centro e do sul, sobressaem as águas negras do Rio Negro e seus afluentes, cortadas por corredeiras e cachoeiras que dão um tom alaranjado às águas. Enfim, é uma região realmente muito bonita e, talvez, com um grande futuro turístico, por isso mesmo.  

Trata-se, no entanto, de uma região pobre, com solo paupérrimo. Os solos de terra firme são de baixíssima fertilidade. Não possui várzeas férteis, exatamente porque, ao contrário dos rios de água amarela, os de água negra não possuem sedimentos, portanto não fertilizam a várzea por ocasião das enchentes. Dessa forma, nem mesmo as terras inundadas são fecundas naquela área do meu Estado.  

A maior reserva de nióbio — talvez a maior do mundo —, localizada na região dos Seis Lagos, é praticamente impossível de ser explorada, porque está, em grande parte, situada em uma área de proteção ambiental, onde é vedada a exploração mineral.  

A população dominante é de índios aculturados, como os desanas, tukanos, baniwas, passés. Enfim, são dezenas de etnias que não têm, Sr. Presidente — fora, talvez, o ecoturismo no futuro — nenhuma perspectiva de desenvolvimento econômico.  

A presença da civilização ali — onde quase não se sentia a presença do Poder Público — se dá por força de duas instituições; uma é a Igreja Católica, por intermédio, principalmente, dos padres salesianos, que há mais de 50 anos se fazem presentes em uma obra evangelizadora notável, com colégios e hospitais. Pode-se até fazer alguma crítica a essas missões religiosas, porque, de certa forma, elas contribuíram para a "desculturação" dos índios. Em muitos casos, elas talvez tenham destruído a cultura indígena, ao impor a religião, ao fazer que os índios se desprendessem de seus usos, costumes e tradições. Entretanto, do ponto de vista da assistência material, espiritual e da prestação de serviços de educação e saúde, a Igreja fez e continua fazendo um trabalho extraordinário.  

A outra instituição são as Forças Armadas brasileiras, Sr. Presidente. As Forças Armadas são a grande presença do Governo na região, não apenas com quartéis guarnecendo a fronteira, mas também com hospitais, prestando assistência gratuita à população. Serviços de transporte também são prestados pela FAB e pelo Exército — por meio dos aviões cargueiros —, que atendem também às populações ribeirinhas. Durante a última campanha eleitoral, mais uma vez, fui a São Gabriel da Cachoeira e tive a oportunidade de visitar o hospital, que, apesar de não ter equipamentos sofisticados, é modelar em termos de organização e de prestação de serviços.  

No entanto, Sr. Presidente, é necessária uma presença maior das Forças Armadas ali. O Exército brasileiro, durante muito tempo, teve como embasamento de sua doutrina militar a perspectiva de uma guerra com a Argentina, algo que estava presente em todos os estudos do Estado Maior e vice-versa. Os argentinos também nos olhavam como um inimigo em potencial, e um conflito era considerado muito provável. Por isso mesmo, os contingentes maiores dos exércitos concentraram-se na fronteira com aquele país vizinho, como é natural, em face das condições vigentes à época.  

Hoje, esta situação mudou radicalmente. A Argentina é um parceiro do Mercosul. Não há nenhuma possibilidade desse país entrar em guerra com o Brasil, ao contrário, o processo de integração se acelera e chegará um dia em que, efetivamente, teremos um mercado comum, uma economia inteiramente integrada, descartando qualquer possibilidade de confronto militar.  

O contrário aconteceu no Norte, Sr. Presidente. Era uma área de fronteira morta deste lado e do lado da Colômbia, da Venezuela e do Peru. Eram fronteiras que podiam continuar, portanto, despovoadas e quase ignoradas pelo Governo brasileiro, porque isso não oferecia maior risco a nossa soberania.  

Entretanto, isso mudou. A Colômbia é um país conflagrado, uma guerra de guerrilhas que já dura mais de 30 anos, com pelo menos dois grupos – a FARC - Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - e o ELN - Exército de Libertação Nacional –, muito poderosos, a tal ponto que o presidente recém-empossado, Andrea Pastrana, está em negociação com a FARC e cedeu a esse grupo guerrilheiro, Sr. Presidente, a ponto de criar uma vasta zona, que chamam de neutra - uma área do tamanho do Rio de Janeiro -, evacuada pelas Forças Armadas colombianas e deixadas sob o controle da guerrilha.  

As eleições recentes foram feitas sob a coordenação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, a FARC, lideradas pelo famoso Manuel Marulanda, o Tiro Fijo, ou seja, o tiro certeiro, homem já envelhecido que há três décadas combate nas selvas colombianas contra o governo. Sua vida é, sem dúvida, um feito épico que, amanhã, irá enriquecer a literatura e o cinema.  

Todo esse processo nos causa preocupação. Trata-se de uma área da qual o Estado colombiano está-se distanciando. Não sabemos como será feita a integração desse movimento guerrilheiro na vida civil e política da Colômbia. Podem manter aquele enclave durante muitos anos. Há sérias suspeitas de que esses grupos guerrilheiros são alimentados financeiramente não apenas pelo imposto, pelo tributo que cobram das populações sob seu domínio, mas pelo narcotráfico.  

Sr. Presidente, há o perigo de que essas forças guerrilheiras um dia transbordem para o Brasil, penso que esse é o perigo menor. O maior perigo é o de intensificação da ação dos narcotraficantes naquelas fronteiras onde vivem populações extremamente pobres, para não dizer paupérrimas ou miseráveis, que se sentirão muito atraídas pela possibilidade de plantarem ou negociarem ou comercializarem a cocaína e o crack produzidos e fornecidos pelas grandes máfias de narcotraficantes do país vizinho.  

Esse é um risco real, efetivo, porque na medida que não se faça sentir a presença do Poder Público naquela região, essas populações, por falta de opções econômicas, talvez não terão alternativas senão se renderem ao contrabando e ao tráfico de drogas.  

Por isso, Sr. Presidente, creio que no momento em que se fala tanto na criação do Ministério da Defesa, com a s três Forças Armadas coordenadas por uma autoridade civil, faço votos que este ministério reformule, se é que isso já não está sendo feito, a doutrina militar brasileira e comece a pensar em transferir contingentes maiores de unidades do Exército nacional do Rio Grande do Sul para o extremo Norte do País. Parece-me que isso já foi feito em pequena escala, mas que seja intensificado.  

Se no regime militar os políticos teriam talvez muito medo dessa presença militar maciça na região, hoje, em pleno estado de direito, com a democracia vigorando sem nenhum risco para seu futuro imediato ou distante, creio que já é tempo de reconhecermos que a presença das Forças Armadas ali, longe de ser contestada e criticada, deve ser estimulada. Porque na medida em que tivermos não três mil, mas cinco, dez ou quinze mil militares do Exército brasileiro e da Aeronáutica na região do extremo Norte, todos nos sentiremos mais tranqüilos.  

Por outro lado, a massa salarial paga a esses militares criará ali uma demanda por artigos locais. Será, portanto, um estímulo à economia local, que hoje jaz estagnada.  

Sr. Presidente, não vou tomar mais tempo de V. Exª. Não estou pensando em convocar o Ministro do Exército em função dessa questão, pois acredito que ainda não é o momento oportuno. Faço este pronunciamento apenas para chamar a atenção e alertar o Governo Federal para o que está acontecendo, reiterando meus votos de que a presença das Forças Armadas se faça ali com uma efetividade cada vez maior.

 

Era o que tinha a dizer.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/11/1998 - Página 15365