Discurso no Senado Federal

LOUVOR A DIVERSAS PERSONALIDADES QUE CONTRIBUIRAM PARA A FORMAÇÃO DA CULTURA BRASILEIRA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • LOUVOR A DIVERSAS PERSONALIDADES QUE CONTRIBUIRAM PARA A FORMAÇÃO DA CULTURA BRASILEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 10/11/1998 - Página 15369
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, CULTURA, DANÇA, FOLCLORE, MUSICA, GILBERTO GIL, CARLINHOS BROWN, PIXINGUINHA, PAULINHO DA VIOLA, MARTINHO DA VILA, MUSICO, ELOGIO, OBRA LITERARIA, MACHADO DE ASSIS, GONÇALVES DIAS (MA), CRUZ E SOUSA, ESCRITOR, POETA, GRANDE OTELO, RUTH DE SOUZA, ANTONIO PITANGA, ZEZE MOTA, LUIZA MARANHÃO, LEA GARCIA, MILTON GONÇALVES, ATOR, CINEMA, BRASIL.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, homenagear a cultura é, antes de tudo, um ato de elevação de nossa auto-estima e de afirmação de nossa identidade. Com esse espírito, quero louvar todos aqueles que contribuíram para a formação da cultura brasileira.  

Desde tempos imemoriais, impuseram-nos o conceito de que "cultura" era o que tinha lugar nos palcos, nos salões, nos ambientes refinados. Tudo o que se desse nas ruas e nos galpões era "folclore". Culta era a dança clássica, como cultas eram as peças encenadas nos palcos dos teatros imponentes e inacessíveis ao povo comum; assim como era "culto" ouvir óperas e música clássica. A dança de rua, a música de fundo de quintal, os jogos de capoeira eram "folclore".  

Felizmente, apesar de permanecerem essas idéias, para a grande maioria dos brasileiros está muito mais claro que nossa cultura reside muito mais no samba do que na valsa; que o grande - e insuperável - espetáculo de nossa cultura é o carnaval de rua e não a ópera.  

Também temos outros ritmos difundidos por diversos países, que trazem semelhança entre si, graças à marcação firme e contagiante advindo da mãe Africa. Entre os quais destaco funk, soul, rap, reggae, bossa-nova, afro-beat, jazz, rumba, salsa, mambo, chá-chá-chá, timbalada e outros tantos...  

Em países como os Estados Unidos, que deram origem ao jazz e ao rock neste século, músicas de claras raízes africanas, temos uma demonstração do vigor da resistência dos negros, dada a extrema repressão com que foram tratados. Nas terras do Tio Sam, na época da escravidão, o aparelho repressivo mais bem montado era destinado a conter os negros, evitando, de qualquer maneira, que se reunissem para o que quer que fosse. Não podiam fazer suas cerimônias religiosas, não podiam cantar, dançar ou confraternizar. Mas, mesmo assim, a cultura sobreviveu, dando lugar a esse movimento maravilhoso a que assistimos hoje.  

No Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, eram aceitas as reuniões de negros para cantarem e dançarem, principalmente nos feriados religiosos católicos, porque esse era um jeito de pacificar os cativos, tentando evitar que dirigissem sua energia para a revolta aberta. (Não obstante essa estratégia, as mais renhidas lutas travadas neste País, à época da escravidão, foram as revoltas negras). Como se pode ver, a resistência foi a marca da manutenção das diversas formas de cultura dos grupos de negros trazidos escravizados para o Brasil.  

Embora a música seja a contribuição mais evidente, pela difusão pelos meios de comunicação de massa, a cozinha, a religiosidade, as contribuições para a língua e as danças são heranças dos diversos grupos culturais que, aqui, contra a vontade, aportaram.  

O samba teria origem nas danças de matrimônio angolanas, a quizomba; a congada, nas cerimônias de coroação do Congo; o iorubá, usado nos cultos de origem africana, era falado pelos bantos; aos bantos também se podem creditar o reisado e o maracatu; nossas festas de rua não têm outra fonte senão as manifestações dos primeiros negros habitantes destas terras.  

Também quero mandar "aquele abraço" para Gilberto Gil, que tem se destacado como artista negro. Da mesma forma, abraço todos os baianos, de qualquer cor, que souberam projetar a musicalidade de nosso povo para além das fronteiras nacionais; para os artistas que, com sua genialidade, transformam em "música baiana" qualquer ritmo que lá aporte. A terra da Bahia, que já nos doou Dorival Caymmi, é a mesma que gerou Carlinhos Brown com a timbalada e o Olodum, que, além da arte, é expressão de engajamento social. É o mesmo berço de Dodô - um dos criadores do trio elétrico - que hoje está presente nas grandes festas do nosso País.  

Trago o meu reconhecimento "carinhoso" ao mestre Pixinguinha que, pioneiramente, projetou a música negra e o negro, numa sociedade discriminatória e preconceituosa. Meu carinho a todos os "cariocas" que, chegando no Rio de Janeiro, vindos de todos os lugares do País, transformaram o samba na expressão nacional por excelência, e que fizeram do carnaval a festa da "raça". Por se terem projetado a partir do Rio de Janeiro, ficaria difícil listar todos os artistas que, como Martinho da Vila, fazem uma arte engajada com as raízes brasileiras; ou como Paulinho da Viola, que nos encanta com sua simplicidade e poesia; Clementina de Jesus, que nos emociona com sua voz; ou como Cartola, com a erudição e paixão de suas letras.  

Dedico o meu mais profundo afeto a Lima Barreto, que engrandeceu nossa literatura, não obstante toda a marginalização que sofreu. Minha homenagem também a Gonçalves Dias, Machado de Assis, a Cruz e Souza e a todos que, a duras penas, "invadiram" um universo até então reservado a brancos e provaram que, com acesso à formação escolar, podiam ser tão bons quanto quaisquer outros.  

Minha saudosa homenagem ao "Moleque Tião", que Grande Otelo imortalizou no cinema e que abriu um campo pioneiro para todos os grandes atores e atrizes negros que o País veio a conhecer, como Ruth de Souza, Antônio Pitanga, Zezé Mota, Luíza Maranhão, Léa Garcia, Milton Gonçalves e tantos outros que ajudaram a dar identidade ao cinema nacional.  

Por fim, este ano, não posso deixar registrar a perda de três expoentes da arte negra brasileira. Da música, o primeiro foi Tim Maia, o irreverente pai da soul music, o Síndico, com seus inesquecíveis balanços e, no último dia 2 de novembro, a minha amiga e dama do samba, Jovelina Pérola Negra, a qual colaborou, com sua personalidade marcante, para eternizar o samba como marca da alegria do povo carioca, e em especial com Feirinha da Pavuna e Bagaço da Laranja. No teatro, perdemos a Tia Nastácia que, com sua cozinha maravilhosa e seus contos admiráveis, ajudou a imortalizar o Sítio do Pica-Pau Amarelo.  

Com grande admiração e respeito, deixo um grande abraço para esses e todos os que não consegui listar.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/11/1998 - Página 15369