Discurso no Senado Federal

ANALISE DO PLANO DE ESTABILIZAÇÃO FISCAL DO GOVERNO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • ANALISE DO PLANO DE ESTABILIZAÇÃO FISCAL DO GOVERNO.
Aparteantes
Lúdio Coelho.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/1998 - Página 15069
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, DESTRUIÇÃO, ECONOMIA, SAUDE, EDUCAÇÃO, DESEQUILIBRIO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, AUMENTO, DESEMPREGO, RETIRADA, GARANTIA, TRABALHADOR.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO, OBJETIVO, OBTENÇÃO, VITORIA, REELEIÇÃO, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, NATUREZA ECONOMICA, PROVOCAÇÃO, FALENCIA, PAIS.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando o Ministro Malan e o Presidente do Banco Central, Sr. Gustavo Franco, aqui estiveram, apesar da boa vontade que S. Exª o Presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães, demonstrou para comigo, concedendo-me um prazo extra para que eu pudesse argüir aqueles que aqui vieram desembrulhar o pacote, realmente eu não poderia fazê-lo em apenas cinco minutos.  

Gostaria de iniciar o meu pronunciamento - este não é meu objetivo na tarde de hoje - fazendo alguns comentários a respeito de uma tentativa que, especialmente, o Sr. Gustavo Franco fez no sentido de desviar o meu interesse, o objetivo da minha argüição. S. Exª disse que era economista e tentou lembrar o nome de alguém que teria usado, pela primeira vez, essa denominação. Eu não quis dizer a ele, porque não queria perder meu tempo, que foi Antoine Monchrestien quem criou esse termo em um livro chamado Traité D’Economie Politique . Antoine Monchrestien escreveu esse primeiro livro de Economia em versos; ele não o escreveu em "economês" ou em "matemágica", mas sim em versos. Depois, o Sr. Gustavo Franco também disse que não se recordava daqueles que haviam aplicado o termo "economista" a si próprios. Foram os discípulos de Quesnay, em 1750. Quesnay escreveu um livro entitulado Le Tableau Economique. Le Trosne, Mercier de La Rivière, Mirabeau e tantos outros compuseram essa famosíssima Escola de Economistas e se entitulavam "economistas". Luiz XVI ajudou o Dr. Quesnay, que era médico da Corte, a imprimir aquele livro.  

Quando meus alunos da Faculdade de Economia não sabem essas coisas, não se formam. Para mim, essas questões são curiais. Aqueles que transformaram a Economia Política e usaram a política para iludir as pessoas, dizendo que iriam fazer algo mais sério do que política, que iriam fazer ciência, passaram a chamar a Economia Política de Economics. Essa questão de denominação também, obviamente, não muda. Mudando-se o rótulo, não se muda o conteúdo do remédio. E a tese do Sr. Presidente do Banco Central, que já li, versa sobre o pacote de Rui Barbosa, baixado em 17 de janeiro de 1890.  

Eu gostaria de ter tido tempo para esclarecê-lo sobre esses assuntos, mas deixei passar, como se eu não estivesse percebendo as provocações dirigidas a mim naquela ocasião.  

Hoje, venho aqui para responder algo que eu não poderia responder; eu não teria tempo para responder. O Ministro Pedro Malan, que conheço de longa data, foi alertado pelo nosso companheiro Senador Edison Lobão, que, neste plenário, disse - isto está registrado nos Anais - que o Sr. Pedro Malan deveria prestar mais atenção aos meus discursos. Obviamente, o Sr. Ministro não teve tempo de fazer isso, de seguir o conselho que o Senador Edison Lobão lhe transmitia naquela ocasião, há cerca de seis ou oito meses.  

Sempre considerei que a Economia é política. Certa vez, escrevi um artigo em que eu disse que, no Brasil, a Economia não era apenas política, mas também politiqueira. Sob esse aparente manto de tecnologia, vieram aqui dois dos maiores políticos brasileiros. Economistas, coisa nenhuma! Eles são, essencialmente, políticos. Foi por meio de uma maquinação armada por eles que, no dia 28 de fevereiro de 1986, foi baixado o Plano Cruzado I, em que se elegeram 23 Governadores. Foram eles que elegeram os Governadores! Toda vez que eles modificam seus engenhos e suas artes, eles o fazem no sentido de alterar a cronometragem do dispositivo que eles acabam de lançar sobre nós.  

Apenas de passagem, para terminar o meu discurso, quero dizer que os dois pretenderam estabelecer aqui um debate no sentido de se saber se o que foi baixado era ou não um pacote; um deles gostava de pacote, e o outro, não. O Sr. Gustavo Franco, há pouco tempo, falou que estava lançando um "saco das perversidades"; esse termo foi cunhado pelo Sr. Gustavo Franco. Eles vieram aqui para discutir se se tratava de saco ou de pacote, quando, na realidade, eles deveriam entrar num acordo. Nesse ponto, concordo com o Senador Pedro Simon. Esta é uma oferta da Oposição ao Governo: a sua conciliação interna.  

"Caixa de Pandora", este é o termo real daquilo que está sendo lançado sobre nós e que agora se repete nessa dose que eles consideram necessária, mas que, obviamente, não o é. Parece-me que a Caixa de Pandora se assemelha muito mais a saco ou a pacote, porque Pandora era um personagem mitológico que carregava, em sua caixa, as perversidades do mundo. Quando Pandora abriu a sua caixa, de acordo com a Mitologia, saiu de lá uma taxa de juros de 49,7% ao ano e uma taxa de desemprego de 18,5% ao ano em São Paulo. Quando Pandora abriu a sua caixa, a dívida pública passou de R$64 bilhões para algo em torno de R$350 bilhões. Quando Pandora abriu sua caixa, vimos que o crédito internacional do Brasil estava próximo de zero.  

Papéis do Governo brasileiro eram lançados e trombeteados como o grande termômetro da grande receptividade e da grande associação que os países adiantados tinham no Brasil; os títulos, os bradies, os C-bonds e os global bonds eram lançados pelo Brasil para conseguir colocar esses papéis nos mercados e nas bolsas dos países ricos e, para com isso, conseguir recursos para o País. O que aconteceu? Eles foram realmente recuperados, passando de 20% do seu valor nominal para até cerca de 90%. O Governo bateu palmas e alardeou o seu grande feito, porque, ao se aproximar do seu valor de face, o Governo esperava lançar outros títulos que seriam aceitos no mercado internacional.  

Mas, de repente, por obra e arte desses engenheiros, que se preocuparam mais com a reeleição do que com a Economia e que são políticos, o desejo de ganhar a eleição fez com que a Economia e as medidas econômicas fossem tomadas tal como elas o foram, provocando aquilo que o Deputado Delfim Netto chamou de "falência do País".  

A Oposição, pelo menos naquilo que me toca, cumpriu a sua missão. Alertei para que se tomasse cuidado, porque as medidas que estavam sendo adotadas preparavam o Real I, que fez com que Fernando Henrique Cardoso subisse ao pódio da Presidência da República, para esse objetivo político. Obviamente, o Real I fez com que os preços se elevassem até onde não poderiam mais ser elevados. Rubens Ricupero disse que, quando os comerciantes perceberem que eles não podem mais elevar os seus preços, porque, se o fizerem, terão como resposta uma contração das vendas, da demanda de suas mercadorias, irão para a falência. Essas são palavras de Rubens Ricupero.  

Então, o principal mecanismo para transformar a inflação galopante numa deflação foi permitir que a inflação disparasse a tal ponto que o poder de compra - que ficou congelado em URV, estando congelado a partir daí - se mostrasse incapaz de exercer uma pressão sobre os preços, a demanda sobre a oferta. E os preços foram congelados: salários de terceiro mundo, preços de primeiro mundo. Os preços, na Argentina, no Brasil, equipararam-se aos preços de Tóquio. Enquanto em Tóquio a renda per capita é de US$37 mil por ano, estamos aqui com menos de US$5 mil. Portanto: preços de primeiro mundo, salários de terceiro mundo.  

Assim se congelou e, a partir daí, fixaram uma taxa de câmbio que S. Exª o Presidente do Banco Central queria que fosse de R$0,50 por US$1,00. Se ele tivesse feito isso - e é o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso que reconhece -, haveria uma verdadeira catástrofe, porque, no jornal Gazeta Mercantil , para nove, dez e onze, no dia 19 de junho, o Presidente da República reconheceu que houve um exagero na fixação da taxa de câmbio e que aquela taxa de câmbio, tal como ela foi fixada pelo Presidente do Banco Central, Gustavo Franco, teve como conseqüência a destruição de vários setores da estrutura produtiva do Brasil.  

S. Exª disse, naquela ocasião, com otimismo, que eram três ou quatro setores, mas o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo diagnosticou 15 setores totalmente destruídos, porque houve dumping às avessas, importaram mercadorias tão baratas, com o real exageradamente colocado frente ao dólar, que era impossível concorrer. As porcelanas brasileiras foram quebradas pelas importações de porcelanas chinesas, os tecidos, os sapatos, a indústria de base, foi tudo desmantelado. No setor de peças e de autopeças, o que encontramos foi estarrecedor. Das novecentas indústrias de autopeças que eram pertencentes ao capital nacional, apenas trinta sobreviveram. Todas as demais foram destruídas.  

De modo que o que vemos é justamente isto: para achatar os preços, para importar barato, para manter esse milagre fantástico, os tecnocratas não tiveram receio algum, não tiveram pudor, não tiveram escrúpulo e fizeram essa barbaridade, permitindo que essa taxa de câmbio, onde o real estava sobrevalorizado, ocasionasse um tipo de concorrência incapaz de ser enfrentada por qualquer industrial nacional, por qualquer setor da economia nacional.  

O que vemos é que colocaram o fetiche monetário, a estabilidade do real como a meta das metas, porque foi através da estabilidade do real - e só poderia ser através dela - que o Senhor Presidente se elegeu e só através dela poderia se reeleger. Portanto, era preciso que se tomassem medidas corretivas a partir do momento em que a reeleição foi vislumbrada. Por quê? Porque desempregados não votam na continuidade do governo que os desempregou; os miserabilizados não votam naquele que os empobreceu; até os bancos, que apesar de terem recebido US$20 bilhões do Proer e de terem pago somente US$1,5 bilhão até hoje, não iriam fornecer recursos para a campanha à reeleição.  

Desse modo, vemos que o Real I devastou completamente a economia, desempregou, desestruturou a máquina do Estado, desempregou funcionários públicos, retirou garantias de todos os trabalhadores, acabou com a saúde e sucateou a educação. Assim, dentro daquele universo, era impossível que a reeleição pudesse ter bom êxito do ponto de vista do Presidente da República. Por isso o Real II foi estabelecido. Obviamente o Governo não iria se desmascarar e dizer: de agora para frente é Real II. Tudo que era proibido foi permitido. Gustavo Franco disse, com o Real II: "Agora, vamos iniciar um período de gastança. A inflação vai voltar um pouco" - disse o Presidente do Banco Central. De modo que para ganhar a eleição, até um pouco de inflação iria ajudar. Por que inflação? Porque o Governo que havia enxugado, havia cortado todos os gastos, agora para ganhar a eleição estabeleceu um plano de 42 obras para serem inauguradas até o dia 4 de outubro. De modo que, então, o Ministro Kandir, ao tomar posse, ainda nos ares e sob a inspiração do Real I, disse: "Contenção, contenção, contenção de despesas!". Dois dias depois, o Sr. Gustavo Franco anunciava: "Gastança, gastança e gastança!". Para quê? Para que o grande programa de realizações de um governo que estava paralisado, Brasil em Ação!, mostrando que o Brasil estava na inação e que agora ia reverter a sua posição.

 

As pressões inflacionárias do período foram sugadas, na medida em que os gastos eram feitos, ou para cobrir o déficit primário, ou para pagar a taxa de juro. Na medida em que esse dinheiro entrava em circulação, ele era "enxuto", era recolhido por meio da venda de títulos do Governo, de papéis da dívida pública, aumentando a dívida pública de R$60 bilhões para cerca de R$350 bilhões.  

Onde está a inflação? Está na dívida externa, resultante dessa importação de mercadorias, a preços subsidiados, para achatar os preços. Onde está a inflação? Está na dívida pública, que disfarçou a inflação. Nós não pagamos o imposto inflacionário, mas temos que pagar a dívida pública e a dívida externa, que passaram a ser a forma de existência da dívida pública. O Governo continuou a ter déficit, a gastar, e, portanto, ao gastar com uma mão, ele tinha de recolher parte desse dinheiro com a outra. Recolher como? Elevando os juros para conseguir tomadores dos papéis da dívida pública.  

De modo que o que vimos foi que, nesse processo de secura, nesse processo de falências intermináveis, em que o dominó correu solto neste País, fechando oportunidades de emprego, transformando pequenos e médios industriais em desempregados também, nivelando, obviamente, por baixo, redistribuindo a renda na medida em que os lucros e as falências faziam descer o cume da pirâmide em direção à base da pobreza, essa foi a redistribuição da renda que conhecemos. E agora, ainda sob os auspícios e sob a aragem do Real I, temos agora a declaração feita numa pesquisa em São Paulo. Espera-se que, no ano que vem, os lucros diminuam 70%. É o que esperam os pacientes empresários, os esperançosos empresários de São Paulo. A partir daí, tem razão o Sr. Delfim Netto. Escondeu-se até agora o fato de que o Brasil está completamente quebrado. Externamente, o grande indicador...  

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) (Faz soar a campainha)  

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - Estou terminando, Sr. Presidente. Externamente, o grande indicador é realmente o preço, a cotação dos títulos da nossa dívida externa: os bradies, os C-bonds, os global bonds . Eles caíram 90% do seu valor de face para 30% ou menos.  

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB-MS) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Lauro Campos?  

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - O meu tempo já está esgotado, a menos que a Presidência, que tem sido tão magnânima comigo, permita que V. Exª faça o aparte.  

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Aqui V. Exª manda.  

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB-MS) - Senador, estou ouvindo com muita atenção o seu discurso, que contém muita coisa correta. Pergunto o que é que V. Exª aconselharia para arrumarmos o nosso País neste momento?  

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - Nobre Senador, não seria eu, este modesto Senador do Partido dos Trabalhadores, a aconselhar o rei, a ser um conselheiro do rei ou do príncipe que aí se encontra, Sua Majestade o Presidente da República, no sentido de tentar fazer chegar às suas decisões tão centralizadas algumas reflexões minhas.  

No entanto, fico muito grato pelo aparte de V. Exª que me considera capaz de conseguir, neste labirinto em que se transformou a economia, a sociedade brasileira, encontrar o fio de Ariadne que nos possa mostrar a saída deste labirinto. Muito obrigado.  

Concluindo o meu pronunciamento, gostaria apenas de lembrar que tentamos inúmeras vezes alertar o Governo, no sentido de que o caminho que estava sendo trilhado só poderia conduzir a este ponto a que chegamos. De agora para frente, já disse aqui da outra vez: o que dá para rir dá para chorar. Fizeram tudo isso para rirem por quatro anos, depois fizeram o Real II, para continuarem o seu reinado de risos e alegrias. Mas não acontecerá isso. Desta vez são quatro anos de agrura, são quatro anos de um governo que se encontra completamente esgotado em suas possibilidades, reduzido em seu universo de escolha.  

Sempre disse aos meus alunos que a crise é uma situação na qual aquilo que se deve fazer - reduzir os juros, reempregar mais trabalhadores - não pode ser feito. Por isso estamos em crise, porque não se pode fazer aquilo que deveria ser feito. Os instrumentos, os mecanismos para se sair dessa situação já estão esgotados.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/1998 - Página 15069