Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DA PRESERVAÇÃO DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI, SEDIADO EM BELEM, QUE DEVERA SOFRER CORTES DRASTICOS DE RECURSOS IMPOSTOS PELO GOVERNO.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • NECESSIDADE DA PRESERVAÇÃO DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI, SEDIADO EM BELEM, QUE DEVERA SOFRER CORTES DRASTICOS DE RECURSOS IMPOSTOS PELO GOVERNO.
Publicação
Publicação no DSF de 13/11/1998 - Página 15620
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • DENUNCIA, POSSIBILIDADE, FECHAMENTO, MUSEU, MUNICIPIO, BELEM (PA), ESTADO DO PARA (PA), RESULTADO, CORTE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, GOVERNO FEDERAL, PREJUIZO, PESQUISA, DIFUSÃO, BIODIVERSIDADE, REGIÃO AMAZONICA.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, MUSEU, ESTADO DO PARA (PA), RELEVANCIA, ATUAÇÃO, PESQUISA CIENTIFICA, BIODIVERSIDADE, REGIÃO AMAZONICA.
  • REGISTRO, APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), CONVOCAÇÃO, REPRESENTANTE, MUSEU, CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO E TECNOLOGICO (CNPQ), MINISTERIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA (MCT), MINISTERIO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E REFORMA DO ESTADO (MARE), DEBATE, ALTERNATIVA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, INSTITUIÇÃO DE PESQUISA.

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB-PA. Como Líder.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Parlamentares, desejo obter a atenção de V. Exªs para a exposição que pretendo fazer sobre a situação do Museu Paraense Emílio Goeldi, o mais importante e antigo instituto científico da Amazônia, que está prestes a ver suas portas fecharem devido aos drásticos cortes orçamentários que vêm sendo impostos pelo Governo Federal.  

Para solucionar a crise dessa instituição, será preciso o apoio de todos os parlamentares que tenham sensibilidade para a importância das ciências de um modo geral, bem como daqueles que percebam como é fundamental preservar o conhecimento sobre a diversidade amazônica adquirido por aquela instituição e dar continuidade às pesquisas que geraram esse conhecimento.  

É necessário que façamos um breve relato da situação. Em primeiro lugar, gostaria de frisar que o Museu Goeldi, com sede em Belém do Pará, é um centro internacional de referência e cumpre uma função estratégica para a geração e difusão dos conhecimentos científicos sobre a Amazônia, sendo considerado prioridade no Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, o PPG-7.  

O papel principal do Museu Goeldi é, em resumo, catalogar a diversidade biológica e sociocultural da Amazônia e torná-la de conhecimento público, contribuindo para a formação da memória cultural e da identidade regional. Até meados deste século, a instituição cumpria sozinha essas tarefas e, hoje, compartilha sua atividade com outras instituições.  

Todavia, há algumas áreas em que o Museu Goeldi continua sendo o único a atuar na região amazônica, como Lingüística Indígena e Arqueologia, cuja ação foi premiada nacionalmente, em outubro último, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.  

Contando com uma equipe efetiva de apenas 70 pesquisadores, dos quais 49 são doutores ou doutorandos, 20, mestres e mestrandos, e um especialista, além de aproximadamente 200 tecnólogos e técnicos administrativos e 100 bolsistas, o Museu Emílio Goeldi atua nas áreas da pesquisa em Zoologia, Botânica, Ecologia, Arqueologia, Antropologia, Lingüística, Geologia Histórica, Geomorfologia, Geoquímica e Pedologia. Conserva um dos mais importantes patrimônios históricos e científicos da Amazônia, que são as suas inigualáveis coleções biológicas, com 151 mil plantas herborizadas, 7.200 amostras de madeira, 7.200 de pólen, 1.600 de células e tecidos vegetais, 46 mil espécimes de répteis e anfíbios, 66 mil de aves, 25 mil de mamíferos, 1.700.000 de insetos, 2.700 de outros invertebrados e 40.500 amostras de peixes.  

Somadas a esses números, as coleções antropológicas, geológicas e bibliográficas do Museu Goeldi o credenciam como um dos maiores patrimônio científicos da América Latina.  

Além disso, dentre as funções de importância estratégica para a Amazônia, o Museu Goeldi assessora a formulação de políticas públicas, participa da organização de relatórios de impacto ambiental em áreas de implantação de grandes projetos, participa da demarcação de áreas indígenas e executa pesquisas estratégias para o Poder Público, como avaliação de estoques pesqueiros, sensoreamento remoto e cartografia, inventários biológicos, laudos antropológicos, delimitação de sítios arqueológicos e históricos, controle de qualidade da água, entre outros.  

Em ações de educação e difusão científica, de repercussão direta na sociedade, o Museu Emílio Goeldi atua na pós-graduação em Antropologia, Agronomia, Botânica e Zoologia, e vem obtendo ótima conceituação na avaliação da CAPES, bem como na iniciação científica, cujo programa é considerado um dos melhores do País pelo CNPq, a ponto de todos os trabalhos de 1997 receberem menção honrosa da comissão julgadora.  

Ainda na formação de recursos humanos, o Museu Goeldi é o único instituto de pesquisa trabalhando em conjunto com instituições de ensino superior no Programa Pró-Ciências, do Ministério da Educação, voltado para a capacitação de professores de Ciências no 1º e 2º graus.  

O próprio Museu mantém, há décadas, excelentes programas de treinamento de professores e líderes comunitários e educação informal, incluindo a interiorização de atividades educativas nos municípios paraenses, elaboração de material didático e dinamização do ensino de Ciências.  

É importante ressaltar que o Museu Emílio Goeldi possui quatro bases físicas, distribuídas entre o Parque Zoobotânico, instalado em 5 hectares no centro da capital paraense; um Campus de Pesquisa, também em Belém; a Casa de Breves, na ilha de Marajó, e a Estação Científica Ferreira Penna, implantada na Floresta Nacional de Caxiuanã, no Município paraense de Melgaço.  

Outras atividades também merecem ser ressaltadas. Na área ambiental, o Museu Goeldi auxilia municípios e empresas na montagem de hortos botânicos e zoológicos; ameniza em 3 graus o clima no centro de Belém através do seu Parque Zoobotânico; colabora com o Ibama no combate ao tráfico de animais silvestres; reproduz em cativeiro animais pouco conhecidos e em risco de extinção; funciona como uma das principais atrações turísticas e áreas de lazer da cidade de Belém, proporcionando ao visitante uma exposição viva da fauna e da flora amazônicas; e administra, para estudos, 10% da Floresta Nacional de Caxiuanã, cujo modelo de gestão tende a ser uma nova proposta para o desenvolvimento sustentável e gerenciamento de recursos naturais da região.  

Todo esse trabalho, ao que parece, lamentavelmente não é reconhecido pelo Governo Federal, que fez cortes drásticos no orçamento do Museu Emílio Goeldi, a ponto de ameaçar a continuidade das atividades de pesquisa e de serviços prestados à sociedade. Já foram demitidos 28 estagiários e 11 prestadores de serviços pela total falta de condições de continuar pagando seus salários. Todos os contratos de serviços terceirizados de limpeza, segurança, tratamento de animais e manejo de plantas estão sendo revistos. São recursos humanos especializados que vêm sendo treinados há anos pela instituição.  

O Aquário Público do Museu Goeldi, o mais antigo do País, inaugurado em 1912, sendo o único na Amazônia, está sendo desativado. Junto com ele estão sendo canceladas atividades educativas. Duas turmas do Clube do Pesquisador Mirim foram dissolvidas, deixando 40 alunos sem aula; foram extintas as visitas monitoradas, prejudicando cerca de 800 alunos que marcaram de visitar o Parque Zoobotânico somente em outubro. Os projetos de educação ambiental Cidade Limpa, Cidade Linda, Museu Itinerante e Ciência e Comunidade, com atuação no interior do Estado, foram paralisados. Falta dinheiro para pagar água, energia e telefone e até a alimentação do Parque Zoobotânico deverá ser afetada.  

Diante de um quadro de tantas dificuldades, o que nos causou maior espanto foi o fato de que os recursos próprios da instituição foram confiscados, inclusive os provenientes de financiadores externos. Esses recursos que o Museu consegue obter são o resultado de um trabalho sério e empenhado em projetar a instituição no cenário científico mundial. Neste sentido, a confiabilidade da instituição precisa ser mantida íntegra, sem riscos para financiadores nacionais e internacionais. Entretanto, em função dos sucessivos cortes orçamentários, parte desse trabalho já foi seriamente danificado.  

Limitado em seu orçamento, sem poder lançar mão dos recursos que arrecada em sua bilheteria ou que recebe de outras fontes de financiamento extra-Tesouro, o Museu Goeldi precisa da ajuda da classe política nacional, em especial os da Região Amazônica.  

A possibilidade de corte de pessoal no Museu Goeldi, que poderia atingir 53% do seu quadro atual, caracterizados como demissíveis pelo Ministério da Administração, atingiria duramente o quoeficiente de recursos humanos qualificados para a pesquisa na Amazônia. Só para se ter uma idéia, a nossa região conta com apenas 482 doutores. Em contrapartida, só a Região Sudeste conta com cerca de 5 mil doutores - dez vezes mais. Segundo as regras vigentes na comunidade científica, o mínimo que um pesquisador deve ter de titulação para pleitear recursos é um título de doutorado. Não dispor de doutores em quantidade suficiente resulta em baixa captação de recursos para a investigação científica junto às agências de fomento.  

O Museu Paraense Emílio Goeldi é uma instituição confiável e tem conseguido carrear recursos junto a financiadores nacionais e internacionais, como já nos referimos. Esse esforço, entretanto, está comprometido, porque o Governo Federal não vem garantindo a infra-estrutura necessária ao desenvolvimento da pesquisa científica. Para checar esse fato, basta ver os números do orçamento de 1997 da instituição, quando foi solicitado um montante de R$8 milhões para fazer frente às despesas de Custeio e Capital, tendo sido liberados apenas R$4,2 milhões. Mas o pior, Sr. Presidente, é que, em 1998, reduzido o orçamento pelo próprio Museu para R$6 milhões, prevê-se a liberação de, no máximo, R$2 milhões e 800 mil; o mesmo está sendo destinado para o orçamento de1999.  

Com a edição do Decreto nº 2.773/98, todas as áreas e atividades do Museu Paraense Emílio Goeldi foram impactadas negativamente, inclusive aqueles projetos implantados com recursos originários de fontes externas. É que uma vez que esses recursos foram obtidos via fonte 250, o Museu não pode movimentá-los, conforme determina esse decreto, fazendo a instituição descumprir acordos firmados com financiadores. Essa situação expõe a fragilidade em que o Museu se encontra, limitado em seu orçamento e impossibilitado de utilizar os recursos que arrecada - repito: inclusive recursos da sua própria bilheteria.  

A comunidade científica do Museu Goeldi, sua diretoria, todos os seus funcionários e o povo do Estado do Pará estão apelando dramaticamente ao Governo Federal, através de um documento abaixo-assinado, em favor da aprovação do orçamento solicitado pela instituição, para 1999, no valor de R$6 milhões, bem como a liberação da fonte 250, contingenciada pelo referido decreto e da suplementação de verbas ainda no exercício deste ano.

 

Fechar as portas do Museu Emílio Goeldi ou promover cortes orçamentários e contingenciamentos que coloquem em risco seu funcionamento é dar as costas à Ciência, à educação, a oportunidades de lazer e turismo; é matar um pouco da história do nosso povo, quando, no mundo todo, o que se busca é exatamente o contrário. Qualquer outro país lutaria para preservar e desenvolver institucionalmente todos os organismos que cuidam de áreas tão importantes quanto as que o Museu Emílio Goeldi atua.  

Não se pode admitir tamanho prejuízo para a ciência e para a população brasileira, diante do risco do fechamento de uma instituição secular como o Museu Emílio Goeldi. Ficariam sem opção os 45 mil estudantes atendidos durante o ano através de atividades educativas variadas. O prejuízo atingiria também os cerca de 400 mil visitantes por ano do Parque Zoobotânico, bem como a cidade de Belém e o Estado do Pará, que perdem a qualidade dos serviços ofertados por uma das mais importantes atrações turísticas paraenses.  

Com o nosso principal protesto, queremos dizer que a Região Amazônica e a Nação brasileira não podem ser lesadas com a interrupção do funcionamento de um dos seus centros de referência na produção e difusão do conhecimento científico, elemento essencial em qualquer processo de busca de modelos do desenvolvimento sustentável.  

Espero, sinceramente, que este Governo, que só prestigia banqueiros e que só corta recursos de orçamento para pagar serviços da dívida, tenha a suficiente sensibilidade para reverter o quadro em que se encontra o Museu Emílio Goeldi e que o Congresso Nacional possa apoiar todas as iniciativas que forem adotadas com vistas a resolver a grave crise daquela instituição e evitar o fechamento de suas portas.  

Registro que estamos apresentando, na próxima Comissão de Assuntos Sociais, um requerimento no âmbito desta Comissão para convocação de uma audiência pública com a presença de representantes do Museu Goeldi, do CNPq, do Ministério da Ciências e Tecnologia e do Ministério da Administração e da Reforma do Estado, a fim de que sejam debatidas a extensão dos problemas que estão afetando o funcionamento do Museu, bem como sejam discutidas alternativas para solucioná-las.  

Todos os Srs. Senadores que desejam participar desta luta em favor do Museu Goeldi serão muito bem-vindos à referida reunião, cuja data e horário estaremos divulgando oportunamente.  

Registro, lamentavelmente, que sou obrigado a ocupar a tribuna do Senado Federal para falar em cortes de R$3 milhões. Parece pouco, e realmente é diante do que estamos assistindo neste nosso País. Um Governo que, neste ano de 1998, está pagando, em amortização e juros da dívida interna e externa, R$68 bilhões e que está prevendo para 1999 recursos da ordem de R$88 bilhões para serviços e amortização da dívida interna e externa brasileira. Estamos aqui a lutar por míseros R$3 milhões para manter funcionando uma instituição secular que amplia o conhecimento e fortalece a base da nossa sociedade.  

Quero registrar que os cortes que o Governo está fazendo são muito amplos, mas o Governo não tem sensibilidade para saber onde e como corta. No meio de R$8 bilhões, que se reduziu praticamente o segmento do investimento, diante dos cortes da educação e da saúde, creio que o Governo deveria avaliar que um corte como esse não pode ser linear, não pode ser igual em todas as instituições, em todos os programas, tem que ser avaliado caso a caso. No caso específico do Museu em Emílio Goeldi é tão insignificante esse corte para a questão geral do Orçamento da União, mas que muda uma realidade do nosso Estado, que interfere no futuro do nosso Estado, um recurso tão pequeno e tão insignificante.  

Portanto, espero que o CNPq e o Ministério da Ciência e Tecnologia revejam as suas posições e não sejam tão insensíveis diante de um quadro tão grave quanto o que acabamos de apresentar.  

Era essa a manifestação.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/11/1998 - Página 15620