Pronunciamento de José Saad em 16/11/1998
Discurso no Senado Federal
DIFICULDADES ENFRENTADAS PELO SETOR AGROPECUARIO, EM ESPECIAL O DA PRODUÇÃO DE LEITE, EM MARCHA PARA BRASILIA PARA REALIZAÇÃO DE MANIFESTAÇÃO EM DEFESA DE POLITICA DE INCENTIVOS PARA O SETOR.
- Autor
- José Saad (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
- Nome completo: José Saad
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
PECUARIA.:
- DIFICULDADES ENFRENTADAS PELO SETOR AGROPECUARIO, EM ESPECIAL O DA PRODUÇÃO DE LEITE, EM MARCHA PARA BRASILIA PARA REALIZAÇÃO DE MANIFESTAÇÃO EM DEFESA DE POLITICA DE INCENTIVOS PARA O SETOR.
- Aparteantes
- Ernandes Amorim.
- Publicação
- Publicação no DSF de 17/11/1998 - Página 15769
- Assunto
- Outros > PECUARIA.
- Indexação
-
- QUESTIONAMENTO, CRITERIOS, CORTE, DOTAÇÃO ORÇAMENTARIA, INJUSTIÇA, TRATAMENTO, ESTADO DE GOIAS (GO).
- ANALISE, DIFICULDADE, AGROPECUARIA, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, SETOR, PRODUÇÃO, LEITE, VITIMA, INEFICACIA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO, MANUTENÇÃO, EXCESSO, TAXAS, JUROS, IMPEDIMENTO, FINANCIAMENTO, SUBSIDIOS, IMPORTAÇÃO, PREJUIZO, PRODUTO NACIONAL.
- ELOGIO, INICIATIVA, PRODUTOR, LEITE, REALIZAÇÃO, MARCHA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), PROTESTO, POLITICA, INCENTIVO, IMPORTAÇÃO, AUSENCIA, COMPENSAÇÃO, PRODUTO NACIONAL.
O SR. JOSÉ SAAD (PMDB-GO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de volta a esta Casa e a este plenário, a maioria das Senhoras e dos Senhores Senadores retorna ainda sob o rescaldo da campanha eleitoral, que deixou profundas indagações e questionamentos - senão uma lição exemplar - sobre os vícios e as virtudes que marcaram a condução do processo eleitoral.
A pulverização dos partidos políticos, os conchavos, os estranhos acordos, objetivando apenas o interesse de grupos sem a mínima preservação de princípios ou ideologias partidárias e o debate sobre os acertos e desacertos do instituto da reeleição delinearam o novo mapa político nacional. Acrescentem-se a isso as promessas e os compromissos de campanha, baseados nos recursos orçamentários rotineiros, que agora, em face de um novo pacote, vão mergulhar ainda mais a classe política no descrédito popular.
Como explicar, por exemplo, que o Projeto Cooperflores de Goiás, o maior projeto de lavoura irrigada do mundo em fase de implantação, tenha, de repente, 95% dos seus recursos cortados?
Como justificar que a RIDE, Conselho da Região Integrada do Desenvolvimento do Entorno, que recebeu os aplausos quando da sua sanção pelo Palácio do Planalto, pelo cunho redentor que significou para toda uma região esquecida e maltratada, que é a região do Entorno, seja inviabilizada pela ausência de seus prováveis recursos? Se não existe dinheiro para pagar os 28% pleiteados e compromissados aos servidores do Distrito Federal, o que falar, então, dos recursos para o Projeto de Equiparação Salarial para os servidores da área de saúde, educação e segurança de Goiás, na região do Entorno, já aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania?
Há ainda medidas adotadas que consideramos de inaceitável iniquidade, como o corte nas dotações de alguns Estados, particularmente o Estado de Goiás, que vai sofrer um corte de mais de 60% nos investimentos a que teria direito naturalmente.
Questiona-se esse critério quando há Estados que serão sacrificados com cortes que representam menos de 10% das dotações. Além do que, segundo conceito emitido pelo próprio Presidente da República, Goiás tem-se mostrado um dos Estados menos problemáticos. Então, por que esse tratamento injusto e desigual?
Diante da perplexidade do momento político que vivemos, agrava-se, ou não tem mais como agravar-se, a credibilidade da classe política brasileira.
Na escala da pirâmide de conceito da opinião pública, colocamo-nos em último lugar, despontando como instituições mais dignas de confiança e crédito: a Igreja, as Forças Armadas, os sindicatos e as ONGs - Organizações Não-Governamentais.
Entretanto, o dramático contraponto desta realidade se verifica nesta Casa. Aqui, diuturnamente, as mais expressivas e brilhantes personalidades labutam, colocando sua inteligência, seu trabalho, sua competência, seu conhecimento a serviço do povo, a serviço da Nação brasileira.
Mas os desafios estão presentes, as reivindicações são muitas, e a sociedade, a cada dia, é mais consciente, mais mobilizada, fazendo-se presente na conquista do que considera seus direitos.
Nesta segunda quinzena de novembro, a Capital Federal da República assistirá a um evento da maior importância. Será um protesto em favor da preservação do emprego dos brasileiros e da produção nacional e terá não um conteúdo genérico - apesar de que, no fundo, o geral é sempre o resultado da soma de situações específicas -, mas, sim, um teor particularizado e concreto. Será o protesto dos produtores brasileiros de leite contra a política de importação de produtos lácteos, que está destruindo a produção nacional. Os organizadores do protesto pretendem levar, para a Esplanada dos Ministérios, até quase a esta Casa, dez mil produtores. O número de vacas leiteiras que os acompanharão ainda não foi estimado, Sr. Presidente.
Infelizmente, a conjuntura difícil por que passa o leite produzido aqui dentro não é dele exclusiva, mas atinge igualmente outros produtos e - por que não dizer - o setor agropecuário como um todo. Pois o que está na raiz do processo de lenta agonia em que vai mergulhando a agropecuária brasileira é o equívoco de uma política de comércio exterior, é a avalanche de importações a preços subsidiados em seus países de origem, sem haver qualquer mecanismo de compensação a quem produz aqui dentro e gera emprego aqui dentro, isso tudo aliado às más condições financeiras do nosso País - juros escorchantes, prazos curtos, financiamento de câmbio valorizado -, condições que geram insuportáveis custos para o agropecuarista brasileiro.
Cabe, entretanto, às organizações de produtores rurais de nosso País irem para a rua e protestarem, seguindo o exemplo dos produtores de leite. Não se deve assistir de braços cruzados ao aniquilamento do nosso campo. Louvo, portanto, a iniciativa dos produtores de leite de marcharem até Brasília, pretendendo, neste meu discurso, juntar minha voz ao esforço de luta dessa gente.
O Brasil é praticamente auto-suficiente na produção de leite. Em 1997, produzimos 20 bilhões e 353 milhões de litros de leite. Isso para um consumo de 22 bilhões e 152 milhões de litros. A diferença entre a produção e o consumo é, portanto, de 1 bilhão e 799 milhões de litros de leite, o que corresponde a apenas 9% do nosso atual nível de produção. Vale lembrar que a auto-suficiência na produção de leite, por conta do abastecimento de toda a cadeia produtiva que utiliza o leite como insumo básico, reduziria a necessidade de importar leite em pó, iogurtes, queijos, manteiga e outras mercadorias.
Com um pouco mais de boa vontade por parte das autoridades do Governo Federal, traduzida em aumento do nível de proteção externa ao setor, esses 9% seriam, em breve tempo, alcançados e ultrapassados. Não tenho a menor dúvida quanto a isso. Passaríamos, então, de importadores a exportadores de produtos lácteos. Deixaríamos de gastar 456 milhões de dólares/ano, que foi quanto o Brasil despendeu com a importação de lácteos no ano passado. Neste ano, somente de janeiro a agosto, essas importações já atingiram US$367 milhões, um aumento de cerca de 20% em relação ao mesmo período do ano passado.
Deve-se dizer, a bem da verdade, que o Governo Federal tomou algumas medidas pontuais, no começo deste ano, em defesa do setor de produtos lácteos. A alíquota de importação para leite em pó e para queijos foi elevada para 33%. A importação de produtos lácteos deixou de contar com licenciamento automático. E o financiamento de importações de leite em pó foi limitado a 30 dias.
O Sr. Ernandes Amorim (PPB-RO) - Permite V. Exª um aparte, nobre Senador José Saad?
O SR. JOSÉ SAAD (PMDB-GO) - Pois não, nobre Senador Ernandes Amorim.
O Sr. Ernandes Amorim (PPB-RO) - Nobre Senador José Saad, o discurso de V. Exª assemelha-se ao que farei e enfoca o abandono em que o País se encontra por parte das autoridades, sob o comando de uma equipe econômica que faz com que o Brasil chegue às condições a que V. Exª se refere no momento. Há pouco, eu falava com o Senador Carlos Patrocínio da necessidade, mais do que nunca, da união dos Senadores a fim de buscar soluções para esses problemas. As soluções da área econômica não vêm ao encontro do interesse da população brasileira. Veja V. Exª que o leite produzido na Argentina é subsidiado e exportado para o Brasil, e as autoridades permitem que esse leite seja aqui vendido por preços baixíssimos. A produção por unidade/vaca é três ou quatro vezes maior do que a brasileira, e a entrada desse leite está aniquilando o potencial dos produtores de leite. A agricultura e a pecuária são a saída para este País. É preciso que o Senado trabalhe muito para defender os interesses do País, porque a equipe econômica vai afundar, vai acabar com a nossa produção, que é o que lhe interessa, porque, quando sai do governo, vai ser administrador de banco e até banqueiro. Vamos, Senador, defender o nosso desenvolvimento e a nossa produção. Parabenizo V. Exª por ter chamado a atenção para o assunto com o discurso que faz. Muito obrigado.
O SR. JOSÉ SAAD (PMDB-GO) - Agradeço pela participação de V. Exª, com quem estou inteiramente de acordo.
Abordo, neste instante, o problema da Argentina, inclusive a operação triangular, em que ela importa o leite em pó de outros países e vende para o Brasil por intermédio do Mercosul, colocando os preços do nosso leite em baixa.
Qual a realidade que se vê? Aumento da importação de lácteos em 20% de janeiro a agosto deste ano em relação ao mesmo período do ano passado! Ora, isso demonstra que algo mais deve ser feito para impedir o naufrágio da produção nacional.
É interessante notar que, de acordo com estimativas feitas a partir do Censo Agropecuário, os níveis de modernização e de produtividade do setor têm aumentado continuamente.
Como explicar, então, a também contínua e progressiva perda de competitividade dos produtores nacionais de leite?
Ora, os produtores de leite, a exemplo de todos ou de quase todos os produtores nacionais, são vítimas das más condições macroeconômicas do País. Nossos juros são os maiores do mundo, inviabilizando o financiamento da produção. Os prazos que acompanham as raras linhas de créditos existentes são muito mais curtos do que os disponíveis para nossos competidores externos em seus países de origem. Para completar, nossa moeda, o real, encontra-se sobrevalorizada - alguns estimam entre 15% a 20% -, o que, como sabemos, tem o efeito de baratear as importações e encarecer nossas exportações. Esses são fatores conjunturais perversos que prejudicam a produção do País como um todo.
Pois bem, como se não bastasse esse elenco de infelicidades, o produtor nacional de leite ainda enfrenta duas terríveis adversidades. A primeira, ele compartilha com outros produtores de bens primários; a segunda, parece-me, é somente dele.
A primeira diz respeito ao fato, sabido por todo mundo, que a produção de leite importada da Europa, da Nova Zelândia e da Austrália, nossos principais competidores fora do Mercosul, é altamente subsidiada. É impossível competir com o tesouro dos países europeus num contexto em que os subsídios à agropecuária brasileira foram eliminados. Simplesmente não dá! É interessante isto: eles lá, apesar de gostarem de nos ensinar lições sobre livre comércio, protegem seus produtores da competição externa. Nós, aqui, ouvimo-lhes a lição, calados e cabisbaixos, enquanto atiramos nossos produtores às feras. Pergunto: será que não há alguma coisa errada nessa antipolítica nacional?
Sem justificar, de forma alguma, o pouco nível de proteção que o nosso Governo confere aos produtores de leite em face da competição de produtos subsidiados, gostaria de lembrar a esses produtores que o Brasil adotou, não faz muito tempo, uma legislação antidumping e que essa legislação deve ser melhor explorada. Quero dizer, os produtores devem entrar com ações antidumping contra a importação subsidiada de leite. Em todo o mundo desenvolvido, a legislação antidumping passou a ser usada como barreira contra importações indesejadas. E por uma razão muito simples: tal legislação encontra-se fora do alcance das regras da Organização Mundial de Comércio (OMC).
A segunda adversidade a atrapalhar a produção nacional de leite são as importações da Argentina, que, de acordo com indícios concretos, tem comprado o leite em pó mais barato de terceiros países para reexportá-lo ao Brasil com alíquota zero. É a chamada operação comercial triangular. Isso ocorre porque o leite em pó faz parte da lista de exceção do Brasil junto ao Mercosul. Aqui a alíquota de importação para o leite em pó é 33%. Na Argentina é diferente, ela é mais baixa, segue o regime geral da Tarifa Externa Comum (TEC) e está em 19%. O que os argentinos fazem? Importam leite em pó pagando apenas 19% de alíquota de importação e, depois, dentro do Mercosul, exportam o mesmo leite em pó para o Brasil com alíquota zero.
O que demonstra que isso está acontecendo? O fato de que a exportação de leite em pó argentino para o Brasil, no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado, aumentou 49%. Isso comparado com um aumento de menos de 1% na produção de leite em pó argentino, num contexto de demanda interna aquecida.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não gostaria de me despedir sem deixar uma palavra sobre os produtores de leite do Estado de Goiás. A pecuária leiteira em nosso Estado, em razão de sua história de sucesso e de sua constante evolução, enche de orgulho todo o povo goiano.
Em apenas quatro anos, Goiás passou de quinto para segundo maior produtor de leite do Brasil. Nesse período, a produção do Estado cresceu 63%, superando em muito a média nacional, que foi de 29%.
Modernização dos métodos de produção, mecanização e maior especialização por parte dos produtores de leite goianos explicam como foi possível esse verdadeiro salto que o Estado deu no setor. Basta dizer que a produtividade por vaca leiteira, em Goiás, praticamente dobrou em 11 anos. Era de 669 litros por vaca ao ano, em 1985, e passou a 1.316 litros, em 1996. Hoje, a produção de leite em Goiás é responsável pela geração de 220 mil empregos diretos e indiretos no Estado, e 90% da produção é vendida para outros Estados.
Portanto, Sr. Presidente, temos aqui um exemplo de competência inegável. A única nota que não acompanha essa história de êxito, lamentavelmente, é a que se refere aos preços pagos ao produtor, cada vez mais deprimidos. Em oito anos, o produtor goiano acumulou, em termos reais, 47,5% de perda em sua receita. Em abril de 1990, pagava-se R$0,40 por um litro de leite, em julho deste ano pagava-se apenas R$0,21. Somente do Plano Real para cá, as perdas somam 34,38%.
Dessa forma, ao encerrar minha participação nesta tribuna, faço um apelo para que os reclamos dos produtores brasileiros de leite sejam ouvidos pelas autoridades governamentais. Também dou as boas-vindas aos produtores que chegam a Brasília, os quais, em marcha, vêm aqui protestar contra a destruição de seu setor pelas importações subsidiadas, exercendo um legítimo direito.
Algumas medidas que poderiam, sem demora, ser tomadas para preservar a produção de leite nacional são as seguintes:
- aumento da alíquota de importação do leite in natura e de todos os produtos derivados do leite para 35%, que é a alíquota máxima permitida no âmbito da OMC;
- rigorosa inspeção fitossanitária sobre tais produtos; (aqui o Brasil em nada estaria inovando, pois são essas barreiras não tarifárias às importações as mais usadas pelos países desenvolvidos para impedir a entrada de nossos produtos primários em seus mercados);
- estabelecimento de cotas para importação do leite in natura e do leite em pó;
- negociação com a Argentina no sentido de impedir a triangulação comercial do leite em pó. A maneira mais fácil de fazê-lo seria pelo aumento da alíquota de importação argentina de 19% para algo mais próximo dos 33% existentes no Brasil.
Srªs e Srs. Senadores, Sr. Presidente, muito obrigado.
Era o que tinha a dizer.