Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM A ZUMBI DOS PALMARES, NA PROXIMIDADE DO DIA NACIONAL DA CONSCIENCIA NEGRA. COMENTARIOS AO ARTIGO DO JORNAL FOLHA DE S.PAULO SOBRE ANALISE DOS INDICES DE MORTALIDADE INFANTIL ENTRE CRIANÇAS NEGRAS E PARDAS E CRIANÇAS BRANCAS. SOLICITAÇÃO DE APOIO A PROJETO DE LEI QUE PREVE A TITULAÇÃO DAS TERRAS AS COMUNIDADES REMANESCENTES DOS QUILOMBOS, EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • HOMENAGEM A ZUMBI DOS PALMARES, NA PROXIMIDADE DO DIA NACIONAL DA CONSCIENCIA NEGRA. COMENTARIOS AO ARTIGO DO JORNAL FOLHA DE S.PAULO SOBRE ANALISE DOS INDICES DE MORTALIDADE INFANTIL ENTRE CRIANÇAS NEGRAS E PARDAS E CRIANÇAS BRANCAS. SOLICITAÇÃO DE APOIO A PROJETO DE LEI QUE PREVE A TITULAÇÃO DAS TERRAS AS COMUNIDADES REMANESCENTES DOS QUILOMBOS, EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL.
Aparteantes
Djalma Falcão.
Publicação
Publicação no DSF de 19/11/1998 - Página 16223
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, VULTO HISTORICO, OPORTUNIDADE, COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, NEGRO.
  • ANALISE, CRITICA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, SOCIEDADE, BRASIL, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, PREJUIZO, MAIORIA, POPULAÇÃO.
  • ANALISE, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTUDO, COMPROVAÇÃO, TAXAS, MORTALIDADE INFANTIL, COMPARAÇÃO, CRIANÇA, NEGRO, BRASIL.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesses 16 anos de vida pública, tenho me dedicado a defender as causas sociais, lutado contra a discriminação racial e também homenageado aqueles que, entendo, são importantes para a luta do povo brasileiro no combate à discriminação.  

Quero, hoje, prestar a minha homenagem ao herói da Pátria Zumbi dos Palmares, que, no próximo dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, será homenageado por este País afora. Será uma semana de comemorações e de registros históricos das lutas que o povo negro tem travado no nosso País.  

Tenho observado, por força da minha militância, que o maior País da diáspora africana, o Brasil, não incorporou devidamente, no tecido social, os descendentes africanos que aqui trabalham, vivem e procriam. Dados do IBGE revelam que nem as crianças negras são poupadas. A população de pretos e pardos está estimada em 40%. No entanto, representam 60% dos pobres. Profissionais de nível superior afro-descendentes recebem somente 70% do que recebem profissionais brancos nas mesmas funções. E ainda carregam a pecha de povo ignorante, incompetente, passivo e de condutor de cultura de menor valor.  

Convivemos com dois Brasis: um Brasil habitado, em sua maioria, pelos descendentes dos escravos - um País pobre, atrasado e miserável - e um outro Brasil moderno, detentor da 8ª economia, onde a ausência de afro-brasileiros se faz sentir. Olhando este Brasil moderno, há quem o confunda com a Bélgica ou a Holanda.  

Segundo dados da ONU, entre todos os países do mundo, o Brasil é o que detém a maior concentração de renda. Vale dizer que 10% dos mais ricos absorvem 51,3% do PIB. Isso não acontece no Primeiro Mundo, onde os mais ricos não ultrapassam os 5% do seu Produto Interno Bruto.  

A Folha de S. Paulo fez um registro, com dados comprobatórios, referente à taxa de mortalidade de crianças negras e pardas. Essa taxa é 2/3 superior à da população branca da mesma idade. Sabemos que isso ocorre por causa das diferenças sociais; a dificuldade socioeconômica da família negra se acentua neste País. Somos verdadeiros "cabras marcados para morrer", numa linguagem nordestina que certamente traduz com eficácia essa mortalidade, porque, independentemente das relações raciais, o Nordeste passa por isso.  

Observei os dados de outros países: na África do Sul, morrem apenas 67 crianças por 1000 nascidas; em Zimbábue, 74 crianças por 1000 nascidas; e, no Brasil, 76 por 1000.  

Sabemos que a pobreza perpassa pela questão racial. Hoje, sabemos que a rede de esgoto e vacinação, medidas importantes e necessárias, não são suficientes para reduzir a mortalidade infantil; principalmente a das crianças negras e pardas, porque elas carregam sobre si o peso de serem pobres e negras.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fiz questão de respaldar este pronunciamento em dados fornecidos por órgãos conhecidos e reconhecidos por todos nós. As desigualdades que acompanham a população afro-brasileira vão até a morte. A pesquisa da USP revela: "Negro morre a bala; branco, do coração". Isso é uma realidade, existem dados estatísticos. Para alguns, serve como piada, mas a situação é trágica e não é tratada com a devida atenção. Tenho que aproveitar esse momento de homenagens da Semana da Consciência Negra para ver se sou ouvida em algum canto, em algum lugar.  

Armas de fogo matam 7,5% dos negros - negros estudados, é bom lembrar esse dado - e 2,8% dos brancos. Não queremos que matem ninguém, mas os dados comprovam essa desigualdade. A democracia racial ainda está distante para a população afro-brasileira.  

É difícil reconhecer a linha racial, isso é dito, mas tenho certeza que a Polícia reconhece perfeitamente essa linha.  

"A modernidade, para a sua consecução, exige a racionalidade". Essa frase é de Hélio Santos, Professor da USP, militante importante - não posso deixar de cumprimentar o nosso Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães, que acaba de chegar e me olha de um modo carinhoso; interrompo o meu discurso para saudar S. Exª.  

Nos 304 anos do guerreiro Zumbi, que se tornou herói nacional, destaco o seu amor pelo povo. As comunidades sobreviviam da plantação, do milho, da mandioca, da batata doce, do feijão, e os excedentes eram distribuídos entre aquelas famílias. Tivemos conhecidos quilombos que resistiram no Maranhão, no Rio de Janeiro, em Pernambuco, em Alagoas, no Amazonas, em Sergipe, em Minas Gerais e no Mato Grosso, mas o que se destacou foi o Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, em Alagoas.  

A luta de Zumbi pela libertação teve a participação importante de seu tio, que instalou os quilombos. Esses não eram apenas um espaço de resistência, mas um local de convivência fraterna; uma comunidade que se dividiu em nove cidades. Era assim o Quilombo dos Palmares, com uma população de aproximadamente 20 mil pessoas. Todas elas trabalhavam na produção e receberam do Líder Zumbi dos Palmares o compromisso político, o carinho e a defesa, a cada instante, de suas necessidades.  

O Sr. Djalma Falcão (PMDB-AL) - V. Exª me permite um aparte?  

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Concedo um aparte a V. Exª, Senador Djalma Falcão.  

O Sr. Djalma Falcão (PMDB-AL) - Senadora Benedita da Silva, sinto-me no dever de lhe oferecer esse aparte porque V. Exª versa sobre um tema da maior importância social para este País. Como personagem central do seu pronunciamento, Zumbi dos Palmares é filho da minha terra. Nasceu na Serra da Barriga, onde construiu a cidadela negra do Quilombo dos Palmares e, durante muito tempo, lutou em favor da liberdade dos africanos, que, àquela época, aportavam ao Brasil. Eram trabalhadores escravos dos engenhos e das fazendas nordestinas. Zumbi dos Palmares felizmente está tendo a sua memória resgatada pelos modernos historiadores, porque, até há pouco tempo, era considerado um cabra, um negro rebelde. E a História lhe foi tão injusta, que até mesmo em Alagoas, ao invés das homenagens que hoje se prestam a Zumbi dos Palmares, ao invés do reconhecimento pelo trabalho libertário de Zumbi dos Palmares, o que na cidade de Atalaia existe é uma estátua eqüestre, na cidade de Atalaia, celebrando o genocídio que Domingos Jorge Velho, como capitão-de-mato, praticou na expedição que destruiu Zumbi dos Palmares. Associo-me às homenagens que V. Exª presta à consciência negra deste País, na figura maior de Zumbi dos Palmares, que está incluído entre os libertadores sociais da Humanidade. Refiro-me a um outro tema, a um dado social que V. Exª, com muita propriedade, enfocou no seu discurso: trata-se da mortalidade infantil, da segregação social que infelizmente ainda existe neste País. Lembro - e tenho certeza de que o Sr. Presidente Geraldo Melo conhece - o cientista pernambucano Nelson Chaves. Ele, já no final dos anos 60 e início dos anos 70, sustentava a tese do nanismo no Nordeste. Dizia que, na minha Região, se estaria criando uma raça nanica provocada pela fome. E essa realidade ainda existe hoje no Nordeste. Portanto, a miséria que há na minha Região, sobretudo no interior, não se deve à segregação de raças, mas à falta de políticas públicas adequadas para retirar o Nordeste da situação de penúria e de miséria em que ainda se encontra. Portanto, prestando essa homenagem à memória do libertador social Zumbi dos Palmares, e lembrando essa teoria de Nelson Chaves, congratulo-me com V. Exª que, como sempre, traz à tribuna do Senado assuntos sérios e da maior importância para a sociedade brasileira e para o nosso País. Muito obrigado.  

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Agradeço a V. Exª pelo aparte, Senador Djalma Falcão, que incorporo ao meu pronunciamento. V. Exª, além de ressaltar a figura de Zumbi dos Palmares, lembra-nos a teoria de Nelson Chaves. Nobre Senador Djalma Falcão, como cidadã do Estado do Rio de Janeiro, há algum tempo fiz um pronunciamento a respeito da geração nanica que surgia no Nordeste, por falta de alimentos, de políticas públicas para combater a fome. A falta de vitaminas e de proteínas necessárias provoca lesões no organismo e interfere no desenvolvimento das crianças, causando o nanismo. Outro fator agravante para esse quadro é a pouca atenção dos pais para um tratamento preventivo. Portanto, essas crianças são nanicas não apenas por causa da estatura mediana do nordestino, mas pela falta de nutrição e de acompanhamento. Essa grave situação, que é do Nordeste, poderia alastrar-se por outras regiões, se não abríssemos os olhos.  

Parabenizo V. Exª pelas homenagens prestadas a Zumbi dos Palmares, não por ele ter sido um líder ou um herói dos negros ou dos afro-brasileiros - na moderna linguagem -, mas porque é um líder nacional.  

Por quase cem anos Palmares resistiu. E essa figura violenta, cruel de Domingos Jorge Velho não pode jamais ser esquecida por nenhum brasileiro consciente, devido à atrocidade com que destruiu o Quilombo dos Palmares. Ele foi um bárbaro, um criminoso, e teve seus crimes perdoados. Além dos 500 mil réis que ganhou como pagamento, ele tinha uma agenda onde estavam registrados acordos que fazia para destruir os Quilombos. Domingos Jorge Velho cometeu inúmeras atrocidades. Queira Deus que a História verdadeira do Brasil, nos seus 500 anos, possa resgatar essa passagem não como um período difícil, da crueldade de quem dominava e governava, mas como lembrança de uma civilização que foi trazida amarrada, acorrentada nos porões de navios.  

A luta hoje, Senador, não é relativa aos 500 mil réis de Domingos Jorge Velho, mas a 500 comunidades remanescentes dos quilombos em nosso País. Essas comunidades querem a titulação das terras onde vivem. O INCRA e a Fundação Cultural Palmares estão, junto aos institutos de terras dos diversos Estados, pedindo a delimitação dessas terras por intermédio da aprovação nesta Casa do projeto de lei que apresentei, mediante o qual proponho a titulação das terras dos remanescentes dos quilombos. No entanto, esse projeto ainda está na Câmara dos Deputados, onde lhe foi apresentado um substitutivo.

 

Portanto, faço um apelo aos nobres Pares - talvez essa seja a última homenagem que faço a Zumbi dos Palmares como parlamentar - para que possamos, movidos pelo mesmo sentimento dessa homenagem a Zumbi dos Palmares, votar favoravelmente ao projeto de lei a que me referi. Já há inclusive acordo com o Governo Federal, que não quer usar o dispositivo de decreto para titular as terras dos remanescentes dos quilombos.  

Esse é o pedido que faço na homenagem ao grande líder nacional, herói de nossa Pátria, Zumbi dos Palmares.  

Sr. Presidente, peço que seja publicado na íntegra o meu pronunciamento.  

Obrigada. 

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SEGUE, NA ÍNEGRA, DISCURSO DA SENADORA BENEDITA DA SILVA:  

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/11/1998 - Página 16223