Discurso no Senado Federal

IMPORTANCIA DA FORMAÇÃO DO CAPITAL HUMANO COMO FORÇA MOTRIZ CAPAZ DE SUPERAR AS CRISES.

Autor
Odacir Soares (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. POLITICA FISCAL.:
  • IMPORTANCIA DA FORMAÇÃO DO CAPITAL HUMANO COMO FORÇA MOTRIZ CAPAZ DE SUPERAR AS CRISES.
Publicação
Publicação no DSF de 19/11/1998 - Página 16263
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. POLITICA FISCAL.
Indexação
  • CRITICA, CORTE, GOVERNO FEDERAL, ORÇAMENTO, UNIÃO FEDERAL, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, DESTINAÇÃO, EDUCAÇÃO, SAUDE, COMPROMETIMENTO, QUALIDADE DE VIDA, MAIORIA, POPULAÇÃO, BRASIL.
  • ANALISE, IMPORTANCIA, INVESTIMENTO, QUALIFICAÇÃO, HOMEM, APERFEIÇOAMENTO, EDUCAÇÃO, SOCIEDADE, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, BRASIL.
  • CRITICA, CONTRADIÇÃO, PROGRAMA, ESTABILIZAÇÃO, NATUREZA FISCAL, GOVERNO, RESULTADO, NECESSIDADE, ATENÇÃO, EXAME, CONGRESSO NACIONAL, DEFESA, INTERESSE PUBLICO, SOCIEDADE, ANTERIORIDADE, APROVAÇÃO, PROPOSTA, AJUSTE FISCAL, APRESENTAÇÃO, GOVERNO FEDERAL.

O SR. ODACIR SOARES (PTB-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos anos, é inegável que vem sendo feito no Brasil um significativo esforço para proporcionar escola ao maior número possível de crianças. Desse esforço, participam tanto o Estado quanto empresas e organizações da sociedade civil. Graças a esse trabalho, hoje, aproximadamente 92% das crianças brasileiras entre 7 e 14 anos estão na escola, contra um percentual de 85% no começo da atual década.  

Tal situação, no entanto, não pode representar um ponto de chegada satisfatório para nosso País. Graves problemas ainda persistem e estão a exigir continuidade e profundidade de intervenções, para qualificar com excelência o esforço brasileiro em prol do seu capital humano.  

Os percentuais referidos indicam quantidade, mas é preciso começar a perseguir com tenacidade, sem tergiversação, a qualidade. Qualidade que deve começar com a capacidade de os alunos brasileiros do ensino elementar assistirem às aulas com proveito e perseverarem, pois, por razões múltiplas, ainda é muito alto o número de estudantes que abandona a escola após os primeiros meses de aula.  

De acordo com dados sobre o padrão de vida dos brasileiros, obtidos por meio de pesquisa pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, entre os 20% mais pobres, a taxa de matrícula em escola das crianças de 7 a 14 anos é de 80%, contra 100% nos países mais desenvolvidos. Eis aqui, Sr. Presidente, uma perversa e silenciosa cadeia de reprodução da desigualdade e do subdesenvolvimento.  

Falacioso seria pensar que apenas uma política social centrada na educação vai solucionar satisfatoriamente essa questão. Não será suficiente. Fazem-se necessárias condições materiais mínimas para que uma criança permaneça na escola.  

Faço essas considerações, nobres Senadores, para externar minha preocupação em face dos cortes feitos no Orçamento para 1999, atingindo a educação e a saúde. Trata-se de iniciativas que vão incidir diretamente sobre o que qualquer país possui de mais valioso: o capital humano. O capital presente e, sobretudo, o futuro, em face da permanência dos fatores que renovam ou prolongam a existência do subdesenvolvimento. São contrações que "afetam o estoque atual, comprometem o estoque futuro e condicionam a recuperação da economia", como afirma o José Pastore, professor da Universidade de São Paulo.  

De acordo ainda com José Pastore, "em tempos de recessão, é comum esperar uma certa dilapidação do capital humano em decorrência da redução dos recursos aplicados na área social". Isso é compreensível, mas a mim, o que particularmente preocupa além desse problema é a falta de horizontes que perpassa a sociedade do Brasil de hoje, especialmente o segmento dos jovens. A recessão pode ocorrer, fruto de contingências várias, internacionais e nacionais. No entanto, não podem faltar perspectivas para a população.  

Nesses momentos cruciais, cabe ao Estado um papel fundamental, especialmente quando uma santificada tendência neoliberal quer reduzir tudo a mercado, inclusive a sociedade. O futuro não pode ser definido pelo mercado. O Estado e a sua sociedade devem visualizá-lo e encaminhar o desenvolvimento. Cabe ao Estado, fundamentalmente, consolidar-se como promotor e indicador do caminho a seguir em nível da coletividade. Se o Estado não o faz, perde sentido e abre caminho para que a definição e o encaminhamento das grandes diretrizes políticas sejam açambarcados pelos setores mais poderosos. Esses outra coisa não farão senão manter e reproduzir a desigualdade, em prejuízo de amplos segmentos da sociedade. Quando tal usurpação acontece, para a parcela social excluída, restará tão somente a humilhação silenciosa. Silenciosa, mas criativa porque no canteiro da humilhação desabrocham as sementes da reação, uma reação nem sempre pacífica.  

Governo que encaminha sua ação para satisfazer imposições externas produz um desenvolvimento somente envernizado. Como bem afirmou Anaisabel Prera Flores, Conselheira - Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO: "Só há um desenvolvimento: o endógeno, que usa os empréstimos para consolidar processos, mas estabelece claras prioridades no Orçamento nacional.  

Aliás, segundo a Conselheira, o sucesso do novo enfoque da UNESCO, privilegiando a educação, tem levado os países a incrementarem pouco a pouco, mas de forma constante, seus investimentos em diferentes níveis educacionais, com resultados positivos.  

O verdadeiro agente de superação de uma realidade recessiva é o capital humano. É interessante verificar o que ocorreu em 1929 e nos anos seguintes nos Estados Unidos.  

De 1929 a 1932, o produto interno bruto desse país caiu um terço. Os lucros das empresas ficaram 25% menores em relação ao período anterior à crise. O poder de compra dos assalariados baixou 42%. A perda dos produtores rurais beirou a tragédia: correspondeu a 68%.  

Em 1933, 25% da força de trabalho estavam sem emprego. A parte que trabalhava teve as horas diminuídas, provocando uma verdadeira explosão do tempo parcial.  

No campo da educação, os professores amargaram cortes de aproximadamente 14% nos seus salários. Muitos foram dispensados e os diretores das escolas passaram a dar aulas, ao mesmo tempo em que o número de alunos por turma aumentou, bem como a quantidade dos dias letivos. Aumentou também a proporção de crianças matriculadas no ensino fundamental e de adolescentes no secundário. O número de cursos noturnos diminuiu e, por falta de opção para o trabalho, cresceu a quantidade de horas de permanência em sala de aula.  

A sociedade reagiu alargando a qualificação do capital humano e o Estado, com a implantação do New Deal, favoreceu a retomada do crescimento já no início da década de quarenta.  

O mesmo diga-se em relação à Europa e ao Japão. Arrasados pela Segunda Guerra Mundial, recuperaram-se aceleradamente, graças à boa qualidade de sua força de trabalho. Tanto na Europa e no Japão quanto nos Estados Unidos, "a qualidade do ser humano e a manutenção da capacidade produtiva da população foram os fatores - chave na retomada do desenvolvimento", como afirma o já citado Professor José Pastore.  

Se isso ocorreu nesse tempo, o que dizer hoje, Sr. Presidente, quando a revolução tecnológica vem acontecendo de forma extremamente acelerada e está a exigir sempre mais educação? Estará o capital humano brasileiro em condições concretas de responder criativamente aos desafios de uma recessão prolongada e profunda?  

O momento presente é de desafio. As decisões a tomar no nível deste Congresso Nacional requerem equilíbrio, desapego, acerto e competência, para que não se inicie o comprometimento do futuro das novas gerações brasileiras. Eis porque a decisão de cortar recursos exige mais do que nunca saber o que cortar.  

Nesse sentido, associo-me às preocupações do nobre Senador Josaphat Marinho manifestadas ao comentar o que chamou de "Contrastes do Ajuste Fiscal". As propostas que o Executivo elaborou e encaminhou ao Parlamento nacional não estão isentas de contradições. Contêm aspectos não claros, posicionamentos nem sempre lógicos, nem convincentes. Por essa razão, segundo o Nobre Senador, não será correto aprová-las incondicionalmente, "Impõe-se distingui-las e revê-las, para defesa do interesse público e coletivo".  

Há anos que a crise vem sendo anunciada, assim como há anos que a sociedade brasileira vem assistindo à tomada de medidas de contenção e de restrição que afetam sobremaneira a economia nacional. O ano de 1998 foi pródigo em crises, especialmente em referência às bolsas, como foi pródigo o Governo também em implementar ações inibidoras das atividades que produzem riqueza e desenvolvimento.  

Não é raro localizar a raiz dos problemas no já surrado viés da globalização. Globalização existe. Em grau menor ou maior, sempre existiu, na medida em que os povos gradualmente passaram a se relacionar. Globalização não se constitui esguelha mágica ameaçando a soberania nacional. Se não for governada, sim, tornar-se-á deletéria, não , porém, por força própria, mas por omissão dos que têm condições de planejar e encaminhar a reação.  

Afirma Roberto Mangabeira Unger que "Os brasileiros estão acorrentados tanto pelo desespero econômico quanto por uma concepção diminuída de si mesmos". Não acredito que a situação se encontre em nível de desespero. A sensação que experimento é a da falta de idéias e atitudes corajosas, capazes de projetar grandeza e esperança. Isso cabe fundamentalmente aos segmentos dirigentes da sociedade.  

Utilizo-me ainda das observações de Roberto Mangabeira Unger: "Uma crise como a que vivemos pode ser resolvida de uma maneira que nos mantenha na rota de integração subalterna à economia mundial ou que nos permita dar os primeiros passos à busca de soluções que, interessando a nós, também interessem a uma humanidade sedenta de alternativas".  

Na verdade, na falta de atitudes corajosas, de idéias, de clarividência e vontade política, o que vem ocorrendo entre nós é a consagração da prática do casuísmo: age-se com base em tópicos ou em momentos da vida nacional. Isso é particularmente penoso porque as iniciativas visando às reais mudanças institucionais não são propostas. Refiro-me, por exemplo, à longamente apregoada necessidade da reforma do sistema tributário brasileiro. Há quanto tempo essa reforma está paralisada. Enquanto isso, cuida-se "de onerar mais os contribuintes antes de ter a sistematização tributária definida".  

Dessa forma, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o País caminha aos solavancos, sem planejamento norteador, na constante expectativa do próximo passo, ou da próxima surpresa que, por ser surpresa, não deixa espaço para discussão e decisões mais acertadas, mais eficientes em termos das necessidades institucionais do País. Um semelhante comportamento introduz o descrédito e a má vontade em relação ao Estado, mina o ânimo dos cidadãos, faz esmorecer a principal força motriz capaz de superar os problemas: o capital humano.

 

É preciso reverter ou subverter esse comportamento pobremente reativo, em benefício do futuro do Brasil. Uma ação primordial neste momento é assegurar a cada criança brasileira condições para que obtenha capacidade no domínio da capacidade intelectual e da prática. Pelo menos para que no futuro a população viva com menos improvisação.  

Era o que eu tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/11/1998 - Página 16263