Discurso no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE OS DESVIOS DO SISTEMA PRESIDENCIALISTA. DEFESA DO SISTEMA PARLAMENTARISTA DE GOVERNO.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SISTEMA DE GOVERNO.:
  • REFLEXÃO SOBRE OS DESVIOS DO SISTEMA PRESIDENCIALISTA. DEFESA DO SISTEMA PARLAMENTARISTA DE GOVERNO.
Aparteantes
Casildo Maldaner, Gilvam Borges, José Eduardo Dutra, Paulo Guerra, Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/1998 - Página 16424
Assunto
Outros > SISTEMA DE GOVERNO.
Indexação
  • ANALISE, DESVIO, SISTEMA DE GOVERNO, PRESIDENCIALISMO, RESULTADO, MANUTENÇÃO, CARGO PUBLICO, MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC), LUIZ EDUARDO MENDONÇA DE BARROS, MINISTRO DE ESTADO, POSTERIORIDADE, CONHECIMENTO, GRAVAÇÃO, ESCUTA TELEFONICA, CONGRESSO NACIONAL.
  • DEFESA, IMPLANTAÇÃO, SISTEMA DE GOVERNO, PARLAMENTARISMO, BRASIL.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente, Tenho a certeza de que a inquietação do Senador Ernandes Amorim é a mesma minha: de que fosse observada a lista de oradores.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje me propus a fazer uma reflexão com os eminentes colegas Senadores sobre o que, talvez, pudesse ser chamado de os desvios do presidencialismo.  

Penso que este é o momento propício para que possamos fazer uma digressão, tendo em vista o que ontem se passou neste plenário, quando aqui compareceu o Ministro de Estado das Comunicações. Ao longo de várias horas, ouvimos o relato de S. Exª e, a seguir, as respostas às indagações; em duas delas, pelo menos, foi aventada a sugestão de que S. Exª deveria renunciar, o que, aliás, na linguagem administrativa, seria melhor dizer "pedir exoneração do cargo", já que S. Exª não dispõe de mandato para a renúncia.  

Vejam bem: um membro do Parlamento sugerindo isso a um funcionário subordinado ao Presidente da República, num sistema presidencialista, em que o dono do cargo é o Chefe do Estado. Ora, uma sugestão dessa natureza, ainda que cercada da maior oportunidade, peca por um vício de origem, porque, se estivéssemos num sistema parlamentarista de governo, é evidente que esse Ministro já teria decaído da confiança do Parlamento, já teria sido registrado um voto contrário à sua permanência e teria sido apeado do governo.  

O que quero mostrar é que, lamentavelmente, se o Parlamento, no sistema presidencialista, faz essa indicação, toma como resposta o que se lê hoje nos jornais: daqui saiu o Ministro, pediu exoneração do cargo pelo seu telefone celular, e o Presidente da República recusou o pedido.  

Melhor teria sido que aqui não se tivesse feito proposta dessa natureza e se tivesse ficasse ou nas críticas, para aqueles que entendem que a crítica devia ser feita, ou no elogio, para quem faz parte da Bancada do Governo.  

O Sr. Roberto Requião (PMDB-PR) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Com muito prazer, Senador Roberto Requião.  

O Sr. Roberto Requião (PMDB-PR) - Senador Bernardo Cabral, do depoimento do Ministro Mendonça de Barros, do texto das gravações que foram trazidas a este plenário, ficamos com a certeza de que o Presidente da República havia acompanhado a manobra da privatização passo a passo. Logo, o Presidente da República jamais poderia aceitar o pedido de demissão do Ministro se não apresentasse paralelamente o seu próprio pedido de demissão.  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Nobre Senador Roberto Requião, no fundo, V. Exª faz a análise do que me propus: o desvio de presidencialismo. Por quê? Quando uma mesma figura encarna a Chefia do Estado, que é o Presidente da República, e a Chefia do Governo passa a controlar, queiram ou não queiram, a atuação do Parlamento. E o que é mais grave é que se fica numa situação presidencialista, barrando a independência do Poder Legislativo, e tanto é assim, que a toda hora se diz que as Comissões Parlamentares de Inquérito se instalam à vontade do Poder Executivo, o que no fundo é frustrante para o Poder Legislativo e, mais, desmoralizante para quem o integra, no sentido de que não se pode fazer uma análise dos atos daquele que compõe a estrutura governamental.  

O Sr. Gilvam Borges (PMDB-AP) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Com muita honra, quero ouvir V. Exª, Senador Gilvam Borges, e lhe concedo o aparte.  

O Sr. Gilvam Borges (PMDB-AP) - Senador Bernardo Cabral, em primeiro lugar, quero parabenizá-lo e congratular-me com as considerações de V. Exª. Realmente, V. Exª está chamando a atenção, com profundidade, num momento de crise como este, para os papéis das instituições. V. Exª está chamando a atenção para a reforma política e para uma questão muito séria: que é preciso, realmente, definição dos papéis dentro da reforma que se faz necessária. Numa crise como esta, V. Exª chama a atenção, justamente, para que o Parlamento fique atento, bem como o Poder Executivo. Acho que precisamos intensificar essa discussão. Quero dizer a V. Exª, em relação ao depoimento do Ministro das Comunicações quanto às declarações que foram manifestadas e gravadas, que o Presidente da República e o Ministro não poderiam, em hipótese alguma, deixar de acompanhar todos os processos envolvendo o patrimônio público que estava sendo privatizado, pois precisariam estar cientes de todas as empresas envolvidas. Foi-se buscar tantas parcerias internacionais e nacionais, é claro que o Presidente da República não deveria somente ter a responsabilidade, mas estar atento 24 horas no acompanhamento. Lamentavelmente, temos tido manifestações, de uma certa forma por momentos políticos, por conjuntura, por disputas eleitorais, de denúncias que vieram à tona por empresas que estavam disputando para, justamente, ter esses fatos aqui. Hoje ainda, irei me manifestar na Tribuna desta Casa. Agradeço este aparte a V. Exª, um dos mais brilhantes Senadores desta Casa, com o dom de chamar a atenção com profundidade. Atenção para essa crise, ela é mais profunda ainda. Muito obrigado.  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Senador Gilvam Borges, além de agradecer o aparte de V. Exª, gostaria de ressaltar a acuidade com que V. Exª previu onde quero chegar. É claro que o fio condutor filosófico desta manifestação é no sentido de chegarmos todos à reforma política. Não mais é possível ouvirmos aqui a sugestão de um Parlamentar, a um membro do Executivo, para que ele renuncie e, a seguir, o próprio membro do Executivo declarar que, se houver consenso do Senado, ele renuncia. Faz-se uma mixórdia de sistemas de governo, não dá para se chegar a uma conclusão lógica, realista.  

Ouço sempre dizer que, por não termos partidos fortes, não poderemos implantar o parlamentarismo. Na verdade, enquanto tivermos o sistema presidencialista de governo, jamais teremos partidos fortes, porque a qualquer hora haverá a interferência do Chefe do Poder Executivo, seja ele quem for. Lembro-me que o atual Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, era parlamentarista antes, ao longo da Assembléia Nacional Constituinte, e agora não sei se ainda defende esse sistema; mas, sob as bênçãos do presidencialismo, haverá sempre a interferência, que considero indébita, no Parlamento brasileiro.  

Veja V. Exª, Senador Gilvam Borges, que no sistema parlamentarista ninguém discute a reeleição do Presidente da República. Tivemos um exemplo na França. Mitterrand teve dois períodos, ficou quatorze anos, porque o importante é o chefe do governo, que submete previamente o seu plano de governo ao parlamento, e, após a aprovação, quando toda a comunidade, toda a sociedade, toda a nação toma conhecimento do que vai ser realizado a priori , para não ser surpreendida a posteriori - exatamente como V. Exª registrou, com a chamada privatização.  

Foi por isso que me propus a vir aqui e chamar a atenção para o que eu considero o desvio do presidencialismo.  

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT-SE) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Faço uma pausa para ter o prazer de ouvir o Senador José Eduardo Dutra, Vice-Líder do Bloco de Oposição.  

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT-SE) - Senador Bernardo Cabral, eu gostaria de me somar ao pronunciamento de V. Exª e, ao mesmo tempo, fazer uma penitência pública. Quando da deliberação, pela população brasileira, sobre o sistema de governo que passaria a ser aplicado - o presidencialismo ou o parlamentarismo -, o nosso Partido, o Partido dos Trabalhadores, fez um plebiscito interno para decidir qual seria a sua posição política nesse plebiscito nacional. As figuras mais expressivas do meu Partido eram defensoras do parlamentarismo, a começar pelo próprio Lula - José Dirceu, José Genoíno e tantos outros. Só que aquele plebiscito se deu numa conjuntura muito particular do País e do nosso Partido: Lula estava com 35%, 40% nas pesquisas, e acabou prevalecendo nas nossas bases a posição pelo presidencialismo. E aqui a minha penitência, porque, embora anteriormente tivesse mais simpatia pelo parlamentarismo, acabei fazendo campanha internamente pelo presidencialismo. Assumo que, por trás dessa posição, havia uma certa dose de oportunismo, porque a lógica era: se Lula tem ampla chance de ser eleito presidente, por que agora vamos defender o parlamentarismo? A própria campanha do presidencialismo na televisão apostou exatamente nesta simplificação e no rebaixamento da discussão. Isso acabou tendo efeitos positivos do ponto de vista meramente eleitoral. Acredito que V. Exª lembra, no início da discussão, quando se iniciou a campanha, as pesquisas de opinião pública mostravam uma ampla vantagem para o parlamentarismo. Mas, a partir do momento em que a campanha presidencialista, de forma competente, vinculou o parlamentarismo às eleições indiretas - existia um forte sentimento do povo brasileiro contra as eleições indiretas, até porque a conquista das eleições diretas foi decorrente de uma ampla campanha de mobilização de massas -, a situação mudou,. Esse carimbo de eleições indiretas, de se retirar a soberania do povo, acabou tendo muito peso na campanha parlamentarista, o que fez com que houvesse uma virada na situação e o presidencialismo fosse aprovado por ampla maioria. Acho que está na hora de começarmos a rever a situação, sem casuísmos, porque esse também é um problema. A experiência parlamentarista no Brasil foi resultado de um casuísmo. Nós começamos a ver, no período em que o Governo Fernando Henrique Cardoso estava com a bola toda - que não é este momento - , alguns de seus aliados acenarem com a possibilidade de, ao fim do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, aprovar-se o parlamentarismo para que Sua Excelência pudesse vir a ser ou o Primeiro Ministro ou aquilo que dizem que ele gosta de ser, o Chefe de Estado; continuar sendo Presidente da República para viajar, encontrar-se com outras autoridades, etc. Também nesse caso, a discussão sobre o parlamentarismo estaria revestida do velho casuísmo. O pronunciamento de V. Exª, fazendo uma ligação muito competente com o episódio de ontem e com a conjuntura que atravessamos atualmente, deve alertar a Nação. Acredito que V. Exª deve comungar da tese de que a introdução do parlamentarismo teria que ser precedida de um novo plebiscito, no qual poder-se-ia estabelecer um debate mais politizado e menos apaixonado, como foi aquele que precedeu o plebiscito de 1993. Posso garantir a V. Exª que, se esse plebiscito acontecer, vou me penitenciar. Na prática, vou voltar à minha posição anterior de parlamentarista e estarei na mesma trincheira que V. Exª, defendendo o parlamentarismo. Muito obrigado.

 

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Senador José Eduardo Dutra, as pessoas inteligentes só crescem quando corrigem certos rumos da vida. Sobretudo nesse caso, é com muita alegria que ouço V. Exª dizer que acolhe o sistema parlamentarista de governo, fazendo penitência pelo equívoco cometido no passado, para que possamos ter uma linha política da qual o País necessita.  

Veja V. Exª como é rigorosamente verdadeiro o raciocínio de que, lamentavelmente, o parlamentarismo só é lembrado no País em momentos de crise. V. Exª lembrou o episódio João Goulart; depois, ele próprio comandou a derrubada daquele parlamentarismo de ocasião para ficar na Presidência da República. E digo lamentavelmente porque, desde a época de Raul Pilla que se vem tentando mostrar que nada melhor para o País - e àquela altura estávamos em plena Segunda Guerra Mundial, com a Constituinte de 46 - do que a implantação do sistema parlamentarista de governo.  

Veja, Sr. Presidente, que todos os países que saíram da Segunda Guerra Mundial arrasados - Itália, Alemanha, Japão -, todos eles implantaram o sistema parlamentarista de governo. Uns, com presidente da república; outros, com imperador, como acontece no Japão. Mas a grande realidade é que a Itália, desorganizada logo após a 2ª Guerra, acabou se transformando na quarta potência mundial econômica. Com todas as crises, jamais, em nenhum instante, na hora que cai o primeiro-ministro, há uma crise de governo. Por quê? Porque no sistema parlamentarista de governo, o sistema que implanta o regime burocrático, apenas cai o primeiro-ministro, mas com ele não caem as sinecuras que existem no presidencialismo; ao contrário, ampliam-se. Temos hoje um ajuste fiscal em razão do qual são demitidos milhares e milhares de funcionários que ocupam cargos de confiança, fruto de uma irresponsabilidade a que já me referi anteriormente: desvio do sistema presidencialista.  

Quero dizer-lhe, Senador José Eduardo Dutra, que acaba de ser sancionada lei que trata do plebiscito a que V. Exª se referia. Ela é resultado de um substitutivo do Deputado Almino Affonso, projeto original de Nélson Carneiro, o qual este Senado, com base em parecer do Senador Josaphat Marinho feito na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, aprovou por unanimidade - a Drª Cláudia deu-me, há pouco, a cópia da devolução feita pela Presidência da República.  

Com a implantação do parlamentarismo hoje, por meio de uma mini-reforma constitucional, ilegal e inconstitucional, ainda que fosse só para implantar o parlamentarismo, eu não estaria de acordo. Fazer isso seria burlar o que se fez no passado, quando, por Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 88, permitiu-se o plebiscito, que resultou, lamentavelmente, de forma desastrosa, na continuidade do presidencialismo.  

Hoje, nessa reforma política, temos de pensar, primeiro, na reforma dos partidos políticos. Devemos incluir um dispositivo que obrigue a filiação partidária por dois anos, no mínimo, para que o cidadão que se eleja respeite o programa do partido ao qual se submeteu. Segundo, o voto distrital misto. Temos de acabar - falo em razão da experiência em meu Estado - com aqueles cidadãos que procuram os municípios do interior numa eleição, enganam seus eleitores, na próxima eleição procuram outro município, enganam novamente outros eleitores, sem nenhum compromisso com o local que os elegem.  

Se nos detivermos ao acontecimento de ontem, daremo-nos conta de que o parlamentar, a não ser que tenha uma dignidade pessoal acima da dignidade política, estará se submetendo cada vez mais ao desejo de quem esteja de plantão na Presidência da República. Repito, em alto e bom som, aquela velha frase: "Ao rei tudo, menos a minha consciência".  

Se ocupo esta tribuna hoje é para dizer que não é de agora que luto pelo fortalecimento do Poder Legislativo. Fiz um discurso na Câmara há trinta anos no qual eu previa, sem ser oráculo, que se nós, parlamentares, não defendêssemos a instituição, ela começaria, degrau a degrau, a cair no conceito da opinião pública. E infeliz do povo, torno a dizer, que não ama seu Parlamento. Parlamento fechado é prova de ditadura. Parlamento sem funcionamento é resquício de que o povo não tem onde ecoar a sua voz. Parlamento em que não haja altivez é melhor que não exista.  

E, por isso mesmo, Sr. Presidente, que ouço outro parlamentarista, que é o Senador Paulo Guerra; e, a seguir, o nobre Senador Casildo Maldaner.  

O Sr. Paulo Guerra (PMDB-AP) - Senador Bernardo Cabral, dispensável considerar a grande oportunidade da manifestação de V. Exª quanto a este tema e a altivez incontestável da sua postura parlamentar, reiterada agora por esta manifestação quanto às cautelas a que a conjuntura e o momento histórico nos induzem, a fim de que realmente o instituto possa não ser contaminado por essa crise lamentável que todos nós vivenciamos. Vejo, nas palavras de V. Exª, a preocupação permanente com a valorização da nossa instituição, o Poder Legislativo, a preocupação quanto ao encaminhamento dessa proposta parlamentarista. Mas V. Exª, sabiamente, destaca que é exatamente nos momentos de crise que se busca, pelo menos, num nível teórico, um remédio, que, com certeza, não será panacéia para exaurir, para esgotar todos os males que assolam este País, mas, com certeza, sobretudo se alicerçado em um tripé ético, estrutural e legal, poderá resgatar valores que hoje estão por terra, o que todos estamos deplorando. Se as instituições falecem, falece por certo a possibilidade real da cidadania; falece a possibilidade de nos sentirmos confortavelmente representando as aspirações do nosso povo, das nossas unidades federadas. Parabenizo V. Exª na crença e na convicção de que posicionamentos como o de V. Exª ensejarão o balizamento para que este País possa tornar-se digno de uma história que possa honrar também o nosso futuro. Parabéns, Senador.  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Senador Paulo Guerra, V. EXª chega ao Senado como um intelectual consagrado, depois de dois mandatos na Câmara dos Deputados. Portanto, V. Exª é um homem afeito ao Parlamento, sabe das suas alegrias, das suas tristezas, dos seus percalços, do que sofre um parlamentar no desempenho de seu mandato - às vezes, ele não passa de um representante, eu diria quase um despachante engravatado, intermediário de problemas paroquiais nos ministérios que nada entendem das dificuldades, sobretudo do povo do interior, do povo distante, como é o caso de seu Estado, o Amapá.  

Esta Casa, se quer exercer liderança, tem de pôr sua cabeça de fora, porque nenhuma liderança se afirma pela omissão. Omissão é o subproduto do nada e do não. Não é se comportando com a espinha dorsal vergada que o Parlamento dirá a esta Nação que representa, do lado de lá, a Câmara, o povo e, nós aqui, os Estados. Não é por aí, Sr. Presidente! Não devemos dizer amém a tudo aquilo que possa parecer o certo a quem está eventualmente numa chefia. Devemos mostrar às lideranças do País, apontando defeitos, o caminho a ser trilhado numa crítica sincera, construtiva, honesta, para que não se diga que esta Casa apenas tem privilégios - privilégios que não são exibidos à Nação. Privilégios só existem quando se recebe um mandato do povo. A confiança dessa procuração deve ser honrada não com aquilo que se pensa, mas com a interpretação do pensamento de quem outorga poderes para um representante falar em seu nome. Por isso mesmo, há de haver uma consciência para valorização desse Parlamento.  

Por isso também, nada mais oportuno do que ouvir o aparte do Senador Casildo Maldaner, que foi Governador de Estado e hoje é Senador.  

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - (Fazendo soar a campainha.) - Eminente Senador Bernardo Cabral, a Presidência alerta que o seu tempo já foi ultrapassado em 5 minutos.  

Gostaria de pedir ao eminente Senador Casildo Maldaner que fosse o mais breve possível o seu aparte.  

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Serei breve. Não meditei sobre o tema ainda, Senador Bernardo Cabral, mas acho que ele é oportuno, o debate é valioso. Presidencialismo x Parlamentarismo: V. Exª traz um tema que vai começar a tomar corpo nesta Casa e no Brasil. V. Exª apela para o fortalecimento dos partidos políticos, propondo lealdade partidária por um prazo de no mínimo dois anos. Veja que até nisso a quarentena é necessária, é fundamental para que possamos fortalecer os partidos políticos no Brasil. A quarentena é uma necessidade para que os partidos tenham fundamento, para que as pessoas não fiquem cá e acolá, de acordo com o vento, como se diz na gíria. Ontem cogitou-se aqui a quarentena. Uma coisa tem ligação com a outra, quer queiram quer não. Se tivéssemos o instituto da quarentena nesse e em outros setores - como o setor discutido ontem -, talvez o próprio Governo não estivesse se sentindo tão desconfortável; talvez o Presidente, nessa privatização, pudesse ter constituído uma comissão mais independente que tratasse desse tema específico - comissão formada, quem sabe, por pessoas ligadas ao setor empresarial brasileiro, representantes dos trabalhadores do Brasil e representantes de tendências não tão vinculadas ao Governo. Os acontecimentos mostram que as pessoas que realizaram ou realizam a privatização no Brasil - pessoas com ligações diretas com o Poder - deveriam ser outras. Os acontecimentos relacionados à privatização deixam o Presidente de um certo modo desconfortável neste momento; eles levantam questionamentos com relação a instituições fundamentais do País. Tanto isso é verdade, que o Congresso Nacional parou ontem. Vários Deputados aqui vieram, o Brasil acompanhou o depoimento dado aqui ontem. Os fatos suscitados mexem com as estruturas de poder, todas elas relacionadas ao que foi discutido aqui no plenário ontem. Antes de chegar ao plenário, passei pela Esplanada dos Ministérios: ontem, em torno das onze horas, em razão das expectativas relacionadas ao depoimento, a Esplanada dos Ministérios mais parecia uma Sexta-Feira Santa - todos estavam reunidos. Todos acompanhavam, via sistema de comunicação da

TV Senado , os desdobramentos do depoimento que acontecia aqui. E assim estava o Brasil. As fatos discutidos aqui ontem mostram que a descentralização é necessária; se houvesse uma comissão não tão diretamente ligada à estrutura de governo, o Presidente estaria mais tranqüilo neste momento e também as instituições teriam sido menos atingidas. V. Exª citou o caso do Ministro da Itália há pouco. Lá essas questões se resolvem sem maiores problemas. Por tudo isso, parece-me que o tema que V. Exª aborda - apesar de não ter opinião formada ainda em relação a ele - é bastante relevante. Cumprimento V. Exª pelo tema abordado nesta manhã; certamente ele vai começar a criar corpo.  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Sr. Presidente, sei que devo concluir, mas permita-me fazer uma rápida consideração para não ser deselegante com o eminente Senador Casildo Maldaner. Gostaria de lembrar - e S. Exª e a Casa sabem melhor do que eu - que há um provérbio da época de Confúcio segundo o qual "toda marcha começa com o primeiro passo". Ouso corrigir a frase. Uma grande marcha, uma grande caminhada não começa com o primeiro passo; começa com a decisão que antecede o primeiro passo. A quarentena deve existir, mas ela deve ser precedida de algo chamado honestidade, dignidade pessoal. Não seria necessária a quarentena se aqueles que deixam os cargos públicos não levassem em consideração suas vidas privadas e seu interesse pessoal em detrimento do interesse público. Se fosse assim, se cada um se conscientizasse de que cargo público não é instrumento para aumentar contas particulares ou para enriquecer contas bancária, não precisaríamos estar aqui discutindo quarentena. V. Exª lembra bem. É claro. Hoje, não há como dissociar o que existe neste País, por falta de espírito público - só por falta de espírito público - daquilo que precisava ser feito. O dever de quem exercita o múnus público é respeitar a res pública. Se isso não for feito, Sr. Presidente, nós estaremos sempre, queiramos ou não, sendo todos - não só parlamentares, mas os que exerceram funções públicas - colocados no mesmo nível e este nível geralmente não é o melhor - coloca-se no pior nível aquele que tem dignidade pessoal, que tem honradez, que exercita suas funções sem se preocupar, em nenhum instante, com as suas ambições pessoais, mas, sim, com os interesses da coletividade. Que as ambições pessoais fiquem num segundo, terceiro ou quarto plano. Se não fizermos isso, Sr. Presidente, lamentavelmente, estaremos fadados à reprovação pública.  

Concluo, portanto, fazendo uma espécie de súmula. O sistema presidencialista tem um desvio de comportamento em alguns instantes. Segundo: é imperioso que se faça a reforma política para que o povo brasileiro tenha condições de ter parlamento forte composto daqueles capazes de defender seus direitos. Terceiro: acabar, de uma vez por todas, com a forma com que se vem atuando no sentido do desequilíbrio dos Poderes. Não importa colocar que eles são harmônicos e independentes entre si, quando, em verdade, o Judiciário está enfraquecido, o Legislativo desmoralizado por influência exclusiva da atuação do Executivo.  

Por isso, Sr. Presidente, nesta manhã, coloco à reflexão dos meus eminentes Colegas a possibilidade de nós, num momento muito breve - já que se transformou aquilo que foi originário de uma idéia de Nelson Carneiro num substitutivo de Almino Affonso -, vermos realizar-se um plebiscito, um referendo para a instalação do parlamentarismo.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/1998 - Página 16424