Discurso no Senado Federal

SUGESTÕES PARA MINORAR OS EFEITOS DE UM AJUSTE FISCAL NA POLITICA EDUCACIONAL BRASILEIRA.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • SUGESTÕES PARA MINORAR OS EFEITOS DE UM AJUSTE FISCAL NA POLITICA EDUCACIONAL BRASILEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/1998 - Página 16462
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • DEFESA, PRIORIDADE, DESTINAÇÃO, RECURSOS, EDUCAÇÃO BASICA, ENSINO FUNDAMENTAL, EXTINÇÃO, ANALFABETISMO, BRASIL, MELHORIA, QUALIDADE, NIVEL, EDUCAÇÃO, PAIS.
  • ANALISE, PESQUISA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), EDUCAÇÃO, COMPROVAÇÃO, DADOS, ESTATISTICA, FAVORECIMENTO, ESTUDANTE, REGIÃO NORDESTE, COMPARAÇÃO, REGIÃO SUDESTE, REFERENCIA, DESTINAÇÃO, RECURSOS, CARGA HORARIA, CUMPRIMENTO, REALIZAÇÃO, REGIÃO, BRASIL.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a crise econômica que assola o mundo, e não somente o Brasil, é uma dramática infelicidade para os países emergentes. Aqui no Congresso, as forças políticas que apoiam o governo Fernando Henrique Cardoso estão motivadas a lhe dar os instrumentos de que necessita para superar conjuntura tão difícil, certas de que atuamos, nesse sentido, em benefício do País.  

Teremos de aprovar medidas duras, bem o sabemos, mas o fazemos por falta de outras alternativas.  

Esse confiante apoio que oferecemos à Administração Federal, no entanto, não nos impede de deplorar o que deixará de ser feito, aceitando por necessidade os enormes sacrifícios que repercutirão negativamente no crescimento nacional. E, no Congresso, muitas vezes poderemos oferecer ponderações e sugestões que busquem minorar os efeitos de um ajuste fiscal que vai cortar, por alguns anos, as perspectivas que todos mantínhamos em relação ao Brasil.  

Neste passo, estou pensando na política educacional, que até então vem caminhando tão bem sob a orientação do Ministro Paulo Renato Souza.  

Os Anais do Senado estão repletos dos numerosos pronunciamentos que, desta tribuna, as Senhoras e os Senhores Senadores têm feito a respeito da educação em nosso País. Dos debates travados sempre se extrai o consenso de que a educação merece entre nós a mais absoluta prioridade. Estamos todos de acordo, neste final de século, quanto à imprescindibilidade de uma política educacional bem orientada como base para a construção de uma sociedade mais justa e preparada para tocar à frente o desenvolvimento econômico. Especialmente agora, vivendo os povos numa época marcada pelo peso crescente das inovações tecnológicas, da acirrada concorrência e da globalização dos mercados, estarão avassaladas as comunidades que não se qualificarem pelo aprimoramento educacional.  

Em discurso sobre educação que proferi há dois anos, tive a oportunidade de citar o exemplo coreano, que demonstrou capacidade para operar uma substancial transformação no seu sistema educacional.  

Com uma economia destroçada, população analfabeta e sem recursos naturais, a Coréia do Sul - após a devastadora guerra ideológica que dividiu ainda mais as duas Coréias, entre 1950 e 1953, que sucedeu a vinte e cinco anos de dominação japonesa - apresentava, em 1960, uma renda per capita que não chegava a cem dólares. Dez anos depois, o índice subira para ainda desprezíveis duzentos e cinqüenta dólares, pouco mais da metade do ostentado pelo Brasil. Vinte e cinco anos depois, em 1995, a renda per capita coreana atingira a marca dos oito mil, duzentos e vinte dólares; simplesmente, quase duas vezes e meia a brasileira.  

Um dos pilares do êxito coreano foi o investimento na educação. Investimento, diga-se com ênfase, cuja importância esteve não no volume físico dos recursos aplicados no ensino, mas, sim, na eficácia com que tais recursos foram e têm sido utilizados.  

Citei à época o livro de Jim Rohwer, Asia Rising , no qual o autor aponta para uma decisão da Coréia que ajuda a entender o sucesso de sua experiência. Massificou-se, com qualidade, a educação básica. Diz ele: "Enquanto os países da América Latina e mesmo a Índia deram ênfase à universidade, a Coréia e os demais tigres asiáticos favoreceram a educação fundamental, universal, obrigatória e gratuita". De acordo com o autor, noventa por cento do investimento coreano em educação vão para o ciclo básico que, aliás, é feito em nove anos, um a mais que no Brasil.  

Com duzentos e vinte dias letivos ao ano; investindo cerca de quatro por cento do PIB em educação (quase que exclusivamente no ensino fundamental); oferecendo um salário inicial de cerca de um mil e quinhentos dólares ao professor de primeiro grau, para uma jornada de vinte e quatro horas semanais, não surpreende que a Coréia do Sul tenha eliminado o analfabetismo no país, matricule cem por cento de suas crianças em idade escolar e apresente uma das mais pujantes e competitivas economias do mundo contemporâneo, em que pese a crise internacional que ameaça todas as Nações emergentes.  

A conclusão a que se pode chegar é que os países asiáticos primeiro garantiram a presença de todos os alunos na escola de ensino fundamental, com repetência baixa ou nula, para em seguida ampliarem o ensino de segundo grau, hoje perto da generalização, e o ensino de terceiro grau.  

A sociedade começa a compreender que, sem o seu decisivo compromisso com a causa, o Estado não será capaz de, por si só, reverter o quadro ruim de nossa educação. É fundamental que se fortaleça a parceria entre Estado e Sociedade, pois somente assim podem se estabelecer os adequados mecanismos de controle social sobre a escola.  

No Brasil, ainda não dispomos sequer de indicadores precisos, com as informações confiáveis em torno do nosso processo educacional. Em 1996, o próprio Presidente da República criticou, publicamente, trabalho produzido no IPEA/SEPLAN, referente aos gastos públicos com a educação, por "incapacidade de fazer a leitura correta dos dados."  

Já dizia no meu referido pronunciamento que outro exemplo dramático de disparidade de números é o que ocorre em relação à porcentagem do Produto Interno Bruto investido na educação. Dependendo de quem fala, ou da metodologia utilizada, o percentual pode ser de três vírgula sete, três vírgula oito, quatro vírgula dois ou até mesmo próximo a cinco.  

Há de se confessar que produzimos estatísticas não confiáveis que, não raro, induziram ou sustentaram a implementação de políticas públicas equivocadas no campo da educação.  

"Esse é o tipo do problema de longa duração. Não é de hoje que se manifesta. A repetência, possivelmente o mais dramático indicador da falta de qualidade de nossa educação básica, foi, ao longo do tempo, mascarada por erros conceituais de nossos censos educacionais, diluída pela vaga idéia de evasão. O Brasil deve especialmente ao emérito pesquisador Sérgio Costa Ribeiro, recentemente falecido, o desmonte dessa perigosa farsa", disse então desta tribuna.  

Há meio século, por exemplo, já se avaliara que o grande problema da educação era a qualidade do ensino, não a falta de escolas. A ferida mais dolorosa de nosso sistema educacional foi e continua sendo a qualidade do ensino e a pedagogia da repetência.  

A questão deixa de ser, pois, de construção e passa a envolver algo muito mais sério: a manutenção do aluno na escola, no prazo certo. Para tanto, o País precisa dar o grande salto da qualidade, de modo a expulsar do sistema a famigerada "pedagogia da repetência".  

O próprio Ministro Paulo Renato Souza explicitou o drama de nossa educação básica: "O gargalo da educação no Brasil", disse o Ministro, "está no ensino fundamental. Apenas setenta por cento das crianças que entram na primeira série concluem a quarta. Mesmo assim, levam, em média, seis anos para chegar lá. Só a metade das crianças termina a oitava série, mas gasta, em média, doze anos. Se melhorarmos a qualidade do ensino nessa etapa, poderemos dar um salto em todo o sistema educacional".  

Esse é o ponto essencial. Garantir qualidade para a educação básica é o grande desafio que se apresenta ao País.  

Passos importantes estão sendo dados no sentido do aprimoramento das estatísticas educacionais que, indiscutivelmente, são essenciais para a formulação e a implementação das políticas públicas para o setor. Da mesma forma que o Ministério da Educação tem-se movimentado nessa direção, sobretudo a partir de 1993, os governos estaduais e municipais, de um modo geral, também vêm-se esforçando para aperfeiçoar as informações.  

Ainda recentemente, o IBGE deu divulgação a uma ampla Pesquisa sobre Padrão de Vida, abrangendo várias regiões do país, que está a merecer nossa atenção, especialmente pela comprovação de que, inclusive na educação, o Nordeste brasileiro mantém-se numa situação de inferioridade ao processo educacional desenvolvido nas outras regiões do País.  

Muitas foram as conclusões alcançadas por essas pesquisa. Vou referir-me, porém, apenas a algumas delas, com ênfase para aquela que revela a terrível diferença entre as regiões brasileiras, principalmente quando o assunto é educação e saúde, direitos essenciais do cidadão.  

Este trabalho, denominado PPV, foi realizado entre março de 1996 e março de 1997 , e baseou-se nas respostas a questionários que foram distribuídos para 5 mil domicílios, em áreas urbanas e rurais de três capitais do Nordeste - Fortaleza, Recife e Salvador - e três do Sudeste - Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro. De acordo com o IBGE, a área pesquisada representa um território onde residem mais de 70% da população brasileira.  

No capítulo referente à Educação, além da influência de fatores como renda familiar, escolaridade dos pais e cor da pele, constata-se pela pesquisa que, em termos de carga horária, o estudante do 1º grau, no Nordeste, tem um ano a menos que o estudante do Sudeste. Enquanto no Nordeste a carga horária diária no 1º grau da rede pública é de 3 horas 50 minutos, no Sudeste o tempo é de 4 horas e 26 minutos.  

De acordo com a pesquisa, considerando o ano escolar de 200 dias, esta diferença de 36 minutos diários representa, em um ano, 30 dias a menos de aulas para os alunos do Nordeste. Isso significa dizer que, ao final do 1º grau, o aluno nordestino tem praticamente um ano a menos de aprendizado que o do Sudeste.  

Outro dado importante: segundo o IBGE, este problema não se restringe apenas à rede pública de ensino. A carga horária menor também faz-se presente na rede privada do Nordeste, atingindo tanto o 1º quanto o 2º graus.  

No tocante à temática da Saúde, a pesquisa aborda os mais diversos aspectos, desde a prática de exercícios físicos até os gastos médios com medicamentos, exatamente onde se insere dado relevante quando comparadas as realidades entre as regiões Sudeste e Nordeste. A pesquisa revela não só que os gastos com saúde representam 4% dos gastos totais, mas, também, que os remédios são os responsáveis pela esmagadora maioria desses gastos. No Sudeste, os gastos com remédios chegam a 89,8% da despesa total com saúde. No Nordeste, porém, o índice é significativamente alto, atingindo a casa dos 93% das despesas totais com saúde.

 

Os resultados alcançados pela pesquisa ora citada nos mostram mais que simples informações estatísticas. Devem servir ao governo e à sociedade como base para profundas e amplas reflexões, pois revelam, ao meu ver, o abominável desnível regional ainda existente em nosso país, o que compromete a credibilidade buscada pelo Brasil. Seja no Sul, no Centro-Oeste, Nordeste ou Sudeste, educação e saúde são direitos essenciais a todo e qualquer cidadão brasileiro, a serem mantidos sem qualquer modalidade de discriminação.  

Cumprimento o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística por mais este trabalho de pesquisa, que se soma aos tantos outros que conquistaram para o IBGE o grande prestígio de que goza no cenário nacional e internacional.  

E que sirva essa pesquisa para demonstrar ao Governo que o Nordeste, historicamente discriminado na distribuição de verbas habitualmente usufruídas pelos Estados mais ao Sul, tem direito e merece uma atenção prioritária dos poderes públicos, capaz de compensar a falta de equanimidade do passado.  

Sr. Presidente, falar-se em mais verbas, na atual conjuntura, parece a fantasia de um contra-senso, mas não é. É exatamente nas crises que devemos ter criatividade para destacar as prioridades, entre as quais está a educação, a ser oferecida igualitariamente, sem discriminações, a todo o País. Com crise ou sem crise, jamais daremos passos à frente se faltarem aos nossos jovens as oportunidades do seu aprimoramento intelectual e profissional.  

Esta a ponderação que não somente eu, mas acredito que todo o Congresso, persiste em enfatizar às reflexões dos responsáveis pelo futuro de nosso País.  

Era o que eu tinha a dizer.  

Obrigado. 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/1998 - Página 16462