Discurso no Senado Federal

INTERFERENCIA DE AUTORIDADES GOVERNAMENTAIS NA PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA TELEBRAS. DEFESA DA APROVAÇÃO, PELA CAMARA DOS DEPUTADOS, DA 'LEI DA QUARENTENA', PARA DIRIGENTES DE ORGÃOS DO SISTEMA FINANCEIRO PUBLICO. REPUDIO A INTENÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPUBLICA EM ANULAR O LEILÃO DE PRIVATIZAÇÃO DA TELE NORTE LESTE. APOIO A INSTALAÇÃO DA CPI DAS PRIVATIZAÇÕES.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. PRIVATIZAÇÃO.:
  • INTERFERENCIA DE AUTORIDADES GOVERNAMENTAIS NA PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA TELEBRAS. DEFESA DA APROVAÇÃO, PELA CAMARA DOS DEPUTADOS, DA 'LEI DA QUARENTENA', PARA DIRIGENTES DE ORGÃOS DO SISTEMA FINANCEIRO PUBLICO. REPUDIO A INTENÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPUBLICA EM ANULAR O LEILÃO DE PRIVATIZAÇÃO DA TELE NORTE LESTE. APOIO A INSTALAÇÃO DA CPI DAS PRIVATIZAÇÕES.
Publicação
Publicação no DSF de 24/11/1998 - Página 16706
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, MICHEL TEMER, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, AGILIZAÇÃO, TRAMITAÇÃO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, ESTABELECIMENTO, PERIODO, IMPOSSIBILIDADE, OCUPAÇÃO, CARGO, EMPRESA PRIVADA, EX-DIRETOR, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
  • CRITICA, PRETENSÃO, PROCURADORIA GERAL DA REPUBLICA, ANULAÇÃO, VENDA, PARTE, TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS S/A (TELEBRAS).
  • DEFESA, ANULAÇÃO, VENDA, PRIVATIZAÇÃO, TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS S/A (TELEBRAS).
  • DEFESA, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), APURAÇÃO, INVESTIGAÇÃO, IRREGULARIDADE, PRIVATIZAÇÃO, TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS S/A (TELEBRAS).

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, também quero comentar a questão do momento, a questão da privatização, tão divulgada pelos meios de comunicação de nosso País. Interesses contrariados provocaram o grampo.  

Tais fatos, amplamente divulgados, chegaram ao conhecimento do povo brasileiro.  

Penso que o Presidente Fernando Henrique Cardoso deveria ter demitido essas pessoas no momento em que tomou conhecimento do fato. Mas, ao que tudo indica, Sua Excelência já tinha ciência dele.  

As demissões ocorreram pelo trabalho que a imprensa vem desenvolvendo e não por vontade do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Três foram demitidos: o Ministro das Comunicações, o seu irmão e o Presidente do BNDES. Creio que o Sr. Ricardo Sérgio, Diretor do Banco do Brasil, deveria estar incluído nessa lista de demitidos. De imediato, isso deveria ser feito. Entretanto, ele está na Europa, naturalmente procurando, de toda a forma, ficar fora do processo de discussão dessa matéria. Não sei por que razão o Presidente também não o demitiu. Deveria tê-lo feito.  

Gostaria de comentar três aspectos de todo esse episódio. Neste final de semana, surgiu um fato grave: o próprio Ministro pediu dinheiro a empresas privadas, interessadas no processo de privatização, a fim de, formando a Associação Brasil 2000, financiar propaganda do Governo, com o objetivo de convencer a opinião pública brasileira de que a privatização seria extremamente positiva. Várias empresas deram dinheiro ao Governo.  

A reunião, Sr. Presidente, foi realizada na residência do Sr. Ministro. Foi ele quem apresentou o diretor dessa entidade aos empresários e solicitou dinheiro — que foi dado, a fim de que a propaganda fosse feita.  

É interessante ressaltar que as empresas norte-americanas não concordaram em dar qualquer contribuição. Diz o texto da reportagem: "Até agora, seis fabricantes (Ficap, Furukawa, Ericsson, Alcatel e a Siemens) fizeram doações, que somaram R$ 420 mil". Como a campanha custou R$ 2,85 milhões — que não é nada diante dos valores da privatização —, persiste ainda um rombo de R$ 708,58 mil.  

E continua: "Até o momento, nenhuma companhia de origem norte-americana atendeu ao pedido de doação".  

A Folha apurou que pelo menos uma grande corporação teve receio de que o ato pudesse ser associado a uma troca de favores com o Governo brasileiro.  

As companhias norte-americanas, segundo um executivo da área, temem ser enquadradas numa determinada lei existente nos Estados Unidos que pune as empresas por atos de corrupção realizados fora do país.  

Ora, essa é uma demonstração clara de que pequenas coisas não podem acontecer lá fora. Num fato como esse que ocorreu no Brasil, essas pessoas envolvidas, provavelmente nos Estados Unidos ou na Europa já estariam na cadeia, já estariam presas por ordem judicial, até que fosse feito o julgamento de suas ações.  

Portanto, está mais do que clara a interferência que pode existir nesse processo de privatização, mesmo num governo tido como sério, como honesto pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.  

Outro aspecto que desejo comentar – e aí é um aspecto positivo de toda essa confusão – é a chamada "lei da quarentena", existente em quase todos os países do Primeiro Mundo. Nesses países, um dirigente de um órgão do sistema financeiro público não pode deixar o cargo que ocupa e, no dia seguinte, tornar-se funcionário de um banco privado, detendo informações privilegiadas que evidentemente podem favorecer a instituição que vai integrar.  

No caso do Ministro Mendonça de Barros, já se comenta o sucesso extraordinário, fenomenal, que teve a corretora Link, pertencente aos seus dois filhos, e que transacionavam na bolsa de futuros com ações da Telebrás - na Bovespa, 40% de suas negociações se referem a ações da Telebrás. Inexplicavelmente, os dois filhos do Ministro, em menos de cinco meses, passaram a ter o maior sucesso na Bolsa de Valores de São Paulo.Ora, isso significa que houve informações privilegiadas a esse cidadão.  

Chegou-se, assim, à conclusão de que a lei da quarentena tem que ser aprovada. Já foi apreciada pelo Senado e está na Câmara dos Deputados há praticamente 10 anos. Agora já se noticia que esta lei será votada esta semana naquela Casa. Isso é algo positivo.  

Todo esse escândalo serviu pelo menos para fazer com que o Governo Fernando Henrique perceba que não pode estar tirando banqueiro do sistema privado e colocando no sistema público para, no outro dia, o banqueiro estar saindo do sistema público e voltando para o privado, enriquecendo sobremaneira pessoas que ficam nesse vai-e-vem de troca de funções, como é o caso específico do ex-Ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, do Presidente do BNDES, Sr. André Lara Resende, do Sr. Pérsio Arida, Diretor do Opportunity e de tantos outros que ficaram nesse vai-e-vem entre ocupar função pública em instituição financeira e, ao mesmo tempo, ser banqueiro privado, ganhando fortunas com as informações que, evidentemente, detêm.  

Então, considero positiva a lei da quarentena e apelo ao Deputado Michel Temer, Presidente da Câmara dos Deputados, para que acelere, faça com que essa lei seja aprovada e com que o Presidente da República a sancione, para que o Brasil possa ter um comportamento à semelhança dos países do Primeiro Mundo.  

Por último, Sr. Presidente, queria comentar a questão da Procuradoria. Os jornais noticiam que a Procuradoria-Geral da República quer anular a venda da Tele Norte Leste, que foi, evidentemente, a causa de toda essa confusão. Quem a comprou foi a Telemar, contrariando – pelo menos foi o que disse o Ministro – sua própria vontade, seu próprio desejo, porque S. Exª queria que o grupo do banco Opportunity, ligado à Telecom Itália, ganhasse a concorrência.  

Não sei, começo a ficar em dúvida quanto a isso, Sr. Presidente. Evidentemente, as questões do grampo, da divulgação dessas fitas e o dossiê das contas em paraísos fiscais surgiram em função da contrariedade dos sócios da Tele Norte que compraram a Tele Norte Leste. Tudo indica que foi por essa razão. O Ministro deixou isso claro aqui quando se refere a inimigos, a traições etc. Então, preocupa-me que a Procuradoria deixe de agir com isenção e apenas o próprio Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, o próprio Ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, com toda a sua equipe, estejam se associando à ação da Procuradoria, quase que no sentido de uma vingança contra a empresa que ganhou contra a vontade deles a Tele Norte Leste. Não posso admitir que a ação da Procuradoria-Geral da República seja exclusivamente para anular a venda da Tele Norte Leste. Entendo, Sr. Presidente, que a ação deve ser geral, deve ser fiscalizadora e, se ocasionar a anulação, que atinja todas as 16 empresas que foram negociadas na privatização do Sistema Telebrás. O Ministro não conseguiu explicar para nós – insisti pela segunda vez, e ele realmente não deu resposta – como foi que o grupo comandado pelo Banco Opportunity ganhou uma concorrência que não era para ganhar, porque tudo estava planejado para ele ganhar a Tele Norte Leste. Sem querer, ele ganhou outra concorrência, ficando, portanto, impossibilitado de ganhar aquela que o Ministro queria que ele ganhasse. Ora o Ministro não explicou como foi que isso aconteceu. Então, seria o caso também de cancelar o leilão vencido pelo grupo do Banco Opportunity com a Itália Telecom.  

Há também dúvidas sobre os 25%, porque o que se comenta é que o BNDES adquiriu 25% da Tele Norte Leste. Após o grupo do Banco Opportunity perder a oportunidade de participar do leilão, o BNDES pretendia vender seus 25% das ações ao Banco Opportunity. Foi então que surgiu a reação daqueles que ganharam a concorrência da Tele Norte Leste.  

Ora, há uma série de irregularidades. E receio que a ligação óbvia entre a Procuradoria-Geral da República, por seu Procurador, com o Presidente da República – todos conhecemos e sabemos de suas ligações, do seu comportamento, da sua atitude – seja direcionada exclusivamente ao cancelamento da Tele Norte Leste. Mas creio que não pode se limitar a isso. Se for cancelada a privatização da Tele Norte Leste, que seja cancelada, se não todas, pelo menos a operação vencida pelo Banco Opportunity com o grupo Telecom Itália.  

Por último, gostaria de dizer que, por tudo isso, se faz extremamente necessária a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito neste Congresso Nacional. Entendo que Comissão Parlamentar de Inquérito foi criada para atender à vontade da Minoria. Precisamos da assinatura de apenas 27 Srs. Senadores – dos 81 apenas 27 precisam assinar. O Senador Eduardo Suplicy me confirma que até agora temos 16 assinaturas com a possibilidade de 18.  

Creio que, no momento em que a Nação inteira tem a sua atenção voltada para um fato dessa importância e para as terríveis irregularidades que foram cometidas nesse processo – o Brasil pode ter tomado enormes prejuízos com essa privatização –, os Srs. Senadores deveriam pensar em assinar esse requerimento de CPI. Não é possível que se fique atendendo apenas à determinação do Governo Fernando Henrique.  

Já tive uma enorme decepção, como Senador da República, quanto à CPI que tentava investigar o rombo no Sistema Financeiro Nacional que levou à falência o Banco Econômico, o Banco Nacional, o Bamerindus e tantos outros bancos. Foi preciso que o Governo Fernando Henrique socorresse esses bancos falidos com o Proer, tirando mais de R$25 bilhões para emprestar, com juros subsidiados. Tentamos instalar uma CPI, chegamos a ter 27 assinaturas, e, em uma atitude que achei a mais absurda em toda a minha vida como Parlamentar, vi o Senado Federal votar um requerimento de cancelamento daquela CPI, ferindo frontalmente a Constituição do Brasil, porque CPI é um direito de Minoria. Basta que haja a assinatura de um terço, e imediatamente ela tem que ser instalada e tem que funcionar.  

Aliás, sobre o Proer, há cerca de um mês e meio, a

IstoÉ trouxe como manchete de capa que os bancos não estão pagando aqueles empréstimos que receberam para sanear as suas dificuldades. Na época do rombo, o Presidente Fernando Henrique Cardoso prometeu publicamente que os donos desses bancos iriam para a cadeia. Não há ninguém na cadeia, Sr. Presidente. Todos estão aí, tranqüilos, usufruindo da fortuna em que meteram a mão.  

Espero que os Senadores desta Casa percebam a importância desse momento que estamos vivendo e contribuam com a vontade do povo brasileiro de tornar os fatos transparentes, de ter o real conhecimento das irregularidades cometidas, e assinem esse requerimento; que essa CPI possa funcionar e que a verdade possa vir à tona.  

Se o Presidente da República nada teme, não deveria ser contra essa CPI, não deveria pedir aos Senadores e Deputados Federais da sua base de sustentação que não assinem esse requerimento. Ao contrário, deveria estimular a sua realização, se realmente nada teme. Assim, caminharíamos para dar maior transparência ao povo brasileiro; Sua Excelência conquistaria mais crédito diante da população e teria mais força, portanto, para exercer o seu Governo.  

É o apelo, portanto, que faço aos Senadores desta Casa: que contribuam com o povo do Brasil, assinando esse requerimento que possibilitará a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar toda a ação da privatização efetivada no Governo Fernando Henrique Cardoso.  

Muito obrigado a V. Exª.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/11/1998 - Página 16706