Discurso no Senado Federal

TRANSCURSO, HOJE, DO DIA INTERNACIONAL DA NÃO-VIOLENCIA CONTRA A MULHER. MANIFESTAÇÃO CONTRARIA A TENDENCIA DA SOCIEDADE BRASILEIRA EM NÃO CONSIDERAR O CRIME CONTRA A MULHER.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. FEMINISMO.:
  • TRANSCURSO, HOJE, DO DIA INTERNACIONAL DA NÃO-VIOLENCIA CONTRA A MULHER. MANIFESTAÇÃO CONTRARIA A TENDENCIA DA SOCIEDADE BRASILEIRA EM NÃO CONSIDERAR O CRIME CONTRA A MULHER.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/1998 - Página 16960
Assunto
Outros > HOMENAGEM. FEMINISMO.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, OPOSIÇÃO, COMBATE, VIOLENCIA, MULHER.
  • CRITICA, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER, BRASIL.
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, SEMINARIO, CAMARA DOS DEPUTADOS, DEFESA, DIREITOS HUMANOS, MULHER.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, hoje é o Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher. A violência contra a mulher é uma das faces mais terríveis da sociedade brasileira. Como autora de proposições que visam a tipificar o crime de assédio sexual e de violência contra a mulher, não posso deixar de me manifestar contra a tendência da sociedade brasileira de considerar a violência contra a mulher como um "crime menor".  

As estatísticas de violência contra a mulher mostram que essa modalidade de crime cresce a cada dia que passa no Brasil:  

A cada ano, 2.500 mulheres são mortas no País em razão de crimes passionais;  

o número de vítimas de violência doméstica e sexual chega a 500 mil por ano;  

as mulheres representam 66% das vítimas de agressões contra parentes no Brasil;  

70% dos agressores são pais biológicos e 30%, padrastos. Só 7% das vítimas eram meninos.  

57% das meninas e 60% dos meninos que sofreram violência doméstica tinham entre 0 e 12 anos.  

Quando o homem bate na própria mãe é que se manifesta um cunho de reprovação total na sociedade. Quando essa mesma mãe apanha do marido, passa.  

São palavras de Marta Rocha, Delegada Especial de Atendimento à Mulher - DEAM - do Rio de Janeiro.  

O dia 25 de novembro de 1960 é conhecido mundialmente como sendo o dia em que ocorreu o maior ato de violência já cometido contra mulheres dominicanas, as irmãs Patria, Minerva e Maria Teresa, referências para quem procura soluções aos problemas sociais, apaixonadas que eram pela família e pelas relações interpessoais.  

O fato, conhecido internacionalmente como o assassinato das irmãs Mirabal, foi uma das conseqüências à participação de Minerva como líder de um movimento de oposição ao regime de Rafael Trujillo, que comandou uma ditadura de 31 anos na República Dominicana - 1930 a 1961.  

A escolha do dia 25 de novembro como o Dia da Não-Violência contra a Mulher foi uma das deliberações de um evento realizado na Colômbia, em 1989, por federações de mulheres do mundo inteiro, precisamente em homenagem às três irmãs, que responderam com sua dignidade à violência não somente contra a mulher, mas contra todo um povo.  

As mulheres e os direitos humanos.  

A primeira questão a ser feira é: por que os direitos humanos excluíram as mulheres? Se sabemos que a conquista de direitos civis e políticos se deu por intermédio da participação política e se sabemos também que a participação ampliada está vinculada ao surgimento da idéia de soberania popular, falar de direitos humanos para as camadas minoritárias de poder, antes da Revolução Francesa - 1789 - soa como "uma idéia fora do lugar". Os direitos humanos só se ampliaram conforme a maior ou menor atuação dos grupos que reivindicavam igualdade no plano social e político.  

Antes, então, do Estado pré-revolucionário, falar de direitos humanos ampliados não teria um significado real, pois os direitos eram um componente do status que o indivíduo ocupava na sociedade. A dura verdade é que posição social e direitos humanos guardavam uma correspondência automática. Foi só quando o estado revolucionário teve necessidade de ampliar a sua base de legitimidade é que passou a fazer alianças com as novas forças populares. Estas, após a queda da aristocracia, vieram, pouco a pouco, organizando-se politicamente, conseguindo articular os seus interesses e apresentá-los como demandas aos governos e governantes.  

É importante destacar que tal ampliação da participação política foi, historicamente, tutelada pelas elites. Essas, embora aceitando a assimilação dos novos segmentos às fechadas estruturas de poder, reafirmavam, contudo, as respectivas estruturas de desigualdade estrutural desses novos segmentos, adiando o quanto possível uma real incorporação dos novos representantes no plano das decisões. A incorporação dos novos segmentos era mais formal do que real.  

No decorrer do século XX, a constituição de organizações políticas autônomas foram se tornando uma realidade, particularmente nos países europeus e de capitalismo avançado. Os partidos políticos de base trabalhista, socialista e socialdemocrata acabaram, no último século, fortalecendo os grupos políticos destituídos de poder. Utilizando-se da via eleitoral como a via por excelência para se chegar ao poder e mudar as regras institucionais desiguais no jogo político, acabaram por influir no plano distributivo e redistributivo.  

Foi assim que, pouco a pouco, acabaram fazendo parte de um outro padrão de consumo, de consideração jurídica, de direitos. Em suma, os direitos de cidadania plena foram se estendendo. O sufrágio eleitoral, um direito conquistado através de fases sucessivas de luta, afiançou um processo notável de corrigir, com os próprios instrumentos políticos, a estrutura de desigualdades da sociedade.  

Esse breve panorama histórico nos leva, contudo, a numerosas questões. Se vários segmentos sociais tiveram substanciais avanços, entre eles, as mulheres, uma pergunta essencial é: a extensão dos direitos humanos se deu igualmente para todas as mulheres? Se sabemos que não, quais foram os segmentos de mulheres mais privilegiados? Para responder a tais questões, teremos de introduzir a dimensão de classe social, pois as maiores conquistas foram obtidas pelas mulheres de classe média e média alta, que tiveram maior acesso à educação, ao mercado de trabalho, ao trabalho público, aos partidos políticos. Pouco a pouco vem também a autonomia econômica, aprendendo a negociar seu salário, maior esforço na distribuição do poder familiar. As mulheres de classe baixa, contudo, encontram-se nas complexas estruturas dos excluídos, discriminados e vulneráveis da sociedade. Para eles, os direitos humanos ainda não são uma realidade.  

A questão democrática brasileira tem, no seu centro, a ampliação dos direitos humanos aos vários segmentos excluídos da sociedade, entre eles, as mulheres. O direito de viver de modo digno e ético, respeitabilidade individual, social e política são a essência dos direitos humanos. Sem eles, a democracia é um ritual vazio. Também é um ritual vazio a incorporação política de uma população que, objetivamente, é economicamente excluída. Se esta é ainda a nossa realidade, a tarefa que temos pela frente é a implantação de uma verdadeira democracia, a democracia social, pois ela é, na verdade, uma das peças chaves dos direitos humanos e de uma real cidadania.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando venho à tribuna, com o compromisso de fazer-me ouvir, o faço com a consciência de que a mulher é o ponto-chave para uma transformação social, econômica, e até uma transformação revolucionária na área da educação.  

Como eu gostaria que o povo brasileiro pudesse ter um olhar feminino para entender melhor não as desigualdades existentes entre homens e mulheres, mas entender melhor o mundo, para que tivéssemos, sim, igualdade entre homens e mulheres!  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, "a violência contra a mulher, entendida como a mais cruel manifestação da discriminação, supõe, de um lado, a existência de relações assimétricas e desiguais entre homens e mulheres e o exercício abusivo do poder dos primeiros contra as segundas. Por outro lado, tem, como correlato, a subordinação do feminino e sua desvalorização".  

"Essa forma de discriminação apresenta diversas manifestações, sendo considerada a mais grave a violência contra a mulher na família, tanto por suas dimensões, como pelas pessoas envolvidas."  

Essas frases são do documento do Grupo Parlamentar Interamericano.  

Sr. Presidente, ontem, na Câmara dos Deputados, realizou-se um seminário, promovido pelo CFEMEA, sobre "Os Direitos Humanos das Mulheres e a Violência Intrafamiliar", onde foram apresentadas pelos participantes medidas concretas de prevenção e combate à violência doméstica familiar", cujo registro vou solicitar.  

Hoje, no Ministério da Justiça, na Secretaria de Direitos Humanos, com o nosso Ministro, juntamente com o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, serão lançados compromissos, medidas e campanhas de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de concluir o meu pronunciamento, quero aqui enfatizar a necessidade de me manter cada vez mais ouvinte, mas também, de certa forma, arauto dessas propostas. A cada quatro minutos, uma mulher é espancada no Brasil. São dados estatísticos que pesam sobre os nossos ombros. Algumas de nós não podem falar; outras não devem calar. E é isso o que faço nesta tribuna.  

Em Londrina, por exemplo, o Centro de Atendimento à Mulher atende cerca de trinta e cinco casos por mês. Dentre eles, 41% de violência física e 53% de violência emocional.  

Em meu pronunciamento, fiz questão de destacar que quando um filho bate em uma mãe, quando uma mãe é espancada por um filho, nos revoltamos e nos mobilizamos no sentido de condenar aquele gesto. Condenamos o gesto do filho, mas não o gesto do machismo, introjetado na consciência masculina, que dá ao homem todo o poder e autoridade para espancar aquela mulher, a mãe, símbolo de respeito e dignidade. Mas, naquele momento, manifesta-se exatamente a questão cultural do machismo e do autoritarismo nas relações entre homem e mulher. Tanto que quando essa mesma mulher é espancada pelo seu esposo, companheiro ou amigo - isso acontece cotidianamente -, dificilmente encontrará defesa.  

Sr. Presidente, como foi difícil conseguir instrumentos e mecanismos, não de protecionismo à mulher, mas de uma causa justa ao seu direito de cidadã, para que essa mulher tivesse uma assistência e um acompanhamento diferenciado daquele existente nas delegacias comuns! Como foi difícil que delegacias em defesa da mulher fossem instaladas nos Estados da União! Ainda hoje, em alguns Estados, essa idéia sequer é admitida.  

Sr. Presidente, como foi difícil a escolha de delegadas para essa função! Achavam que estávamos discriminando os delegados, quando, na realidade, o que queríamos era que a mulher não se sentisse assustada naquele momento, já que ela era vítima de uma violência cometida não por uma outra mulher, mas, há séculos, cometida pelos homens.

 

É preciso compreender a natureza humana para que possamos, despojados de quaisquer viés, de compromissos discriminatórios, dar o instrumento necessário para que homens e mulheres possam se sentir iguais.  

Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que, ao identificarmos a existência de violência física, emocional, sexual e social, queremos tratar de todas elas, que, por incrível que pareça, estão no inconsciente dos seres humanos.  

Portanto, é sintomático quando determinadas mulheres de destaque na sociedade brasileira não recebem a devida atenção. Às vezes nos queixamos do tratamento diferenciado entre homens e mulheres, na medida em que detemos o mesmo conhecimento, fazemos as mesmas coisas, ocupamos os mesmos espaços. Ficamos sem entender o porquê desse tratamento desigual. Ele é diferenciado na abordagem, nos gestos e nas formulações.  

Temos que dar combate também a esse conteúdo, que tenho aqui colocado e que é importante não apenas para a nossa reflexão, mas para podermos compreender e também mudar: é que não podemos ter, de forma nenhuma, essas diferenças que pontuam as desigualdades. Não podemos alimentá-las, na medida em que elas não nos dão a totalidade do sentimento necessário para uma convivência humana.  

Sr. Presidente, espero que, no próximo ano, algumas medidas tomadas impeçam que algum Parlamentar - provavelmente aqui não estarei - venha a esta tribuna para, mais uma vez, nesse Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, trazer estes mesmos dados estatísticos estarrecedores que, durante toda a minha trajetória política - são 16 anos -, tenho mostrado sistematicamente, todos os dias, todos os momentos, todas as horas e todos os minutos. Que possamos, realmente, resgatar a cidadania dessa maioria do povo brasileiro que somos nós, as mulheres!  

Muito obrigada, Sr. Presidente.  

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SRª SENADORA BENEDITA DA SILVA EM SEU PRONUNCIAMENTO:  

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/1998 - Página 16960