Discurso no Senado Federal

IMPORTANCIA DA DECISÃO DA CAMARA DOS LORDES DA INGLATERRA, QUE NÃO CONCEDEU IMUNIDADE PARLAMENTAR AO EX-PRESIDENTE CHILENO, AUGUSTO PINOCHET. QUESTIONAMENTO SOBRE A VIABILIDADE DA CRIAÇÃO DO MINISTERIO DA PRODUÇÃO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • IMPORTANCIA DA DECISÃO DA CAMARA DOS LORDES DA INGLATERRA, QUE NÃO CONCEDEU IMUNIDADE PARLAMENTAR AO EX-PRESIDENTE CHILENO, AUGUSTO PINOCHET. QUESTIONAMENTO SOBRE A VIABILIDADE DA CRIAÇÃO DO MINISTERIO DA PRODUÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/1998 - Página 16988
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, DECISÃO, MAGISTRATURA, PAIS ESTRANGEIRO, INGLATERRA, RECUSA, RECONHECIMENTO, IMUNIDADE DIPLOMATICA, AUGUSTO PINOCHET, SENADOR, CHILE.
  • ANALISE, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, ELIO GASPARI, JORNALISTA, CRITICA, PRETENSÃO, GOVERNO, CRIAÇÃO, MINISTERIO, PRODUÇÃO, BRASIL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, agradeço a atenção do nobre Senador Ney Suassuna. Quero, também, acompanhando o nobre Senador José Eduardo Dutra, dizer da importância da decisão dos juizes da Câmara dos Lordes que decidiram que o General Augusto Pinochet, ex-ditador do Chile, não tem o direito à imunidade. É da maior importância essa decisão, porque se trata do reconhecimento, cada vez mais, de toda a humanidade, de que o ditador Augusto Pinochet cometeu crimes bárbaros contra o ser humano.  

Ainda anteontem, Presidente Júlio Campos, o Jornal Nacional expôs, na Rede Globo de Televisão , os campos de concentração ao tempo da ditadura de Augusto Pinochet. Aquilo lá constitui um crime bárbaro, a exemplo do que aconteceu com os campos de concentração nazistas na Alemanha. Infelizmente, também na América Latina sucederam crimes hediondos como aqueles, e isso sob a orientação, o conhecimento, a ciência, a determinação do principal responsável, que era o General Augusto Pinochet.  

Quero, neste momento, externar a minha solidariedade a todo o povo chileno, a todos aqueles que lutam por democracia.  

Sr. Presidente, a transição para a democracia no Chile, inclusive segundo o diálogo que tive ainda ontem com o Embaixador do Chile, Juan Martabit, deu-se de uma forma progressiva. Não foi uma situação tal em que o regime militar acabou como que sendo derrotado. Foi um processo de transição em que foi necessário que as forças que lutavam pela democracia cedessem em alguns aspectos em relação ao governo que implantou a ditadura depois do golpe contra o Presidente Salvador Allende, eleito constitucionalmente.  

Dentre as sessões ocorridas que caracterizaram esse processo de transição, concedeu-se algo que é um absurdo. Para um ex-Presidente tornar-se um Senador vitalício, ele deveria exercer um mandato que fosse fruto de uma eleição, e não de um golpe militar, e deveria ter pelo menos mais de seis anos na Presidência da República, o que não está incluído dentre as normas atuais para se exercer um mandato presidencial chileno.  

Desta tribuna, já protestei contra isso, em solidariedade aos senadores chilenos que tentaram evitar essa situação, como foi o caso de Parlamentares como a Srª Salvadora Allende, que esteve no Brasil e expressou a sua indignação em relação ao fato. Nós, que, no Brasil, acabamos com a figura do senador biônico, devemos nos solidarizar com o povo chileno, que não quer que um cidadão, por ter sido Presidente da República, torne-se um senador vitalício. Aliás, Sr. Presidente, acho estranhíssimo o Secretário-Geral do PSDB, Deputado Arthur Virgílio, ter apresentado projeto de lei no Congresso Nacional para tentar transformar o atual Presidente Fernando Henrique Cardoso em Pinochet, ou seja, em senador vitalício, como o General Augusto Pinochet. Tenho certeza de que esse projeto jamais vai passar, porque não poderíamos ter no Senado Federal senão pessoas eleitas diretamente pelo povo.  

Queremos inclusive - e esta é a tendência do Senado - fazer com que haja eleição direta para os senadores suplentes. O meu projeto é no sentido de fazer com que, durante a eleição dos senadores titulares, o povo também escolha os senadores suplentes.  

A proposta do Senador Sérgio Machado, que já foi aprovada na Comissão de Reforma Política, é no sentido da minimização do tempo de qualquer senador suplente que porventura tenha chegado a esta Casa por afastamento definitivo do titular. Se um senador afastar-se do cargo por falecimento ou por ter sido eleito governador ou prefeito, o seu suplente poderá assumir, mas até o prazo máximo de dois anos. Na primeira oportunidade de uma eleição direta, seja de caráter municipal, estadual ou nacional, o povo terá condições de escolher o senador que substituirá o titular; e, obviamente, aquele que o substituiu, estará disputando a eleição, dando, assim, maior legitimidade ao processo.  

Sr. Presidente, quero, portanto, saudar a decisão da Câmara dos Lordes, que passa por uma transformação que merece ser enaltecida. No mesmo sentido, jamais deveríamos aceitar no Brasil propostas de nomeação de senadores vitalícios como Pinochet.  

Há uma proposta do Primeiro-Ministro Tony Blair visando à extinção do direito hereditário de as pessoas se tornarem representantes do povo, como são os lordes. Interessante é que a própria Rainha aprovou o feito.  

A Rainha da Inglaterra, Elizabeth II, apoiou, ontem, a proposta do Primeiro-Ministro britânico, Tony Blair, de reforma na Câmara dos Lordes, a câmara superior do Parlamento britânico.  

O Governo trabalhista de Blair quer retirar o poder de voto dos nobres cujos títulos foram herdados, os chamados lordes hereditários, que correspondem a 760 de mais de 1.200 membros da Câmara dos Lordes.  

Os títulos vêm sendo passados de geração a geração há mais de 700 anos no Reino Unido.  

Como o Primeiro-Ministro quer uma reforma para tornar a Câmara dos Lordes mais democrática e representativa, é interessante que até mesmo a Rainha da Inglaterra aprove a idéia. Seria estranho que, no Brasil, porventura, viéssemos a aceitar Senadores vitalícios como o Pinochet, do Chile.  

Sr. Presidente, o Presidente da República está prestes a realizar uma reforma administrativa no seu ministério com a criação do Ministério da Produção. Ainda ontem, em São Paulo, o próprio Presidente da Fiesp, Horácio Lafer Piva, defendeu a criação desse novo ministério. Ele afirmou acreditar que a criação do Ministério da Produção seria adiada pelo governo por razões políticas, mas teme que essa proposta venha a cair no vazio, com a saída de Mendonça de Barros.  

Será que vale a pena criar esse Ministério da Produção, Sr. Presidente? Fico preocupado em haver nesse ministério procedimentos tais como aqueles que ficaram caracterizados nesses diálogos entre o Ministro das Comunicações, o Presidente do BNDES, os diretores do Banco do Brasil, da Previ e outros. Avalio que seria mais adequado se caminhássemos na direção de uma reforma tributária que realmente pudesse compatibilizar melhor crescimento com maior eqüidade e estabilidade de preços na economia brasileira.  

Sr. Presidente, eu gostaria de destacar as advertências do Jornalista Elio Gaspari sobre o "Ministério da Produção de encrencas":  

Fernando Henrique está determinado a criar o Ministério da Produção. É provável que ele lhe renda dois estados d’alma: o tédio (se não funcionar) e encrencas (se funcionar).  

Um Ministério da Produção é coisa sem nexo. Equivale a pensar na criação de outras pastas, como a do consumo, do fim-de-semana ou a do vestibular. O Brasil não precisa de mais um ministério. Precisa é de mais produção. Há no País algo como 10 milhões de pessoas desligadas da produção e há em Brasília um Ministério do Trabalho que sustentou não haver por cá uma crise de desemprego, mas uma crise de empregabilidade (dos desempregados). Não há uma só pessoa desempregada por vontade própria ou por falta de ministro.  

Aliás, é interessante que o Ministro do Trabalho esteja deixando a sua Pasta sem ter acertado uma única previsão de que a taxa de desemprego iria crescer para valer ao longo deste ano.  

Se no último trimestre a economia teve uma contração de 1,3%, isso é conseqüência de uma política econômica que penaliza a atividade produtiva. Em seu último pacote, Fernando Henrique onerou a exportação e incentivou a importação. Em seu Governo, é mais fácil viver do papelório do que do trabalho.  

Todos esses argumentos são óbvios. Quem conhece as astúcias do poder acredita que, uma vez nomeado, esse ministro se tornaria um contraponto ao predomínio da ekipekonômica. Quem sabe seria capaz de levá-la a um ataque de nervos e, com isso, ao suicídio. Por mais que se discorde da política da ekipe, esse é o pior caminho. O que o País menos precisa é de uma briga na cúpula do Governo. Se Fernando Henrique acha que chegou a hora de mudar, que mude de política, em vez de mudar de assunto.  

Ministério da Produção será certamente uma usina de encrencas. Se a economia nacional estivesse crescendo a taxas razoáveis, ele seria quase irrelevante. Na melhor das hipóteses, significaria a unificação dos cofres do BNDES com a burocracia do Ministério da Indústria e Comércio. Com uma taxa de juros de 15% ao ano, isso teria pouca importância. Os fatos da vida, porém, são outros. A ekipekonômica conseguiu a seguinte proeza em matéria de custo de capital

Senador Júlio Campos, esse trecho é importantíssimo - :

1) o governo toma dinheiro emprestado a 40% ao ano;  

2) as empresas médias ou grandes, quando conseguem crédito, pagam 50%;  

3) o cidadão paga 200% pelo cheque especial ou pelo crediário;  

4) o BNDES, consegue-se dinheiro a 11%. Ele controla um ervanário de R$18 bilhões, equivalente a 7% de todos os impostos que o contribuinte desembolsa. É aquilo que, no andar de cima, chamam de "dinheiro barato".  

Traduzindo: uma empresa que precisa de capital e consegue levar um projeto ao BNDES salta da crise. Quem não consegue, atola.  

Os defensores dessa proposta sustentam que o BNDES e o Governo funcionam como indutores do progresso. É verdade, mas a ekipekonômica acha que isso é lorota. Não se pode garantir que quaisquer dessas formas de pensamento esteja certa ou errada. Pode-se ter a certeza de que a convivência desses pensares no mesmo governo será um exercício de neurastenia administrativa.  

Se isso fosse pouco, é óbvio que caberá ao Ministério da Produção o julgamento da imposição de alíquotas sobre as importações. Assim como alguns empresários conseguem créditos, e outros, não, alguns produtores serão taxados, e outros, não. Quem vai decidir isso? O Ministério da Produção. É CPI na certa.  

O atual governo brincou de dar proteção aos fabricantes de brinquedos e acabou esbarrando com um grupo de empresários que queria pagar o 13º de seus funcionários com bonecas e bolas de gude.  

O BNDES meteu-se a arbitrar a formação de consórcios de telecomunicações e produziu uma ONG financiada por fornecedores e concessionários que, indiretamente, despejou R$2,8 milhões nas arcas da propaganda das idéias do governo. Os criadores da ONG Brasil 2000 informam que estavam dando o bom combate ideológico. Uma das reuniões do grupo deu-se sob os auspícios da Associação Brasileira das Indústrias Eletroeletrônicas, a Abinee.

 

Perfeito. Falta só explicar uma coisa: por que fizeram propaganda do que chamam de "merchandising" no programa do Ratinho? Como é que o Ratinho pode defender a ideologia da privatização? Com o cassetete? Dá para mostrar à escumalha as fitas dos programas que comprovam a merchandização da audiência do Ratinho em defesa da privataria?  

É uma pena, mas, depois da descoberta do ervanário da Brasil 2000, o bom senso leva à suposição de que Luiz Inácio Lula da Silva teve uma intuição profética quando disse, em junho passado, que havia uma relação entre a privatização da Telebrás e o "caixa-dois da campanha eleitoral". Não se pode dizer que a Brasil 2000 fosse uma "caixa-dois", mas é sem dúvida uma segunda caixa, engordada com o dinheiro de empresas que têm negócios com o Ministério das Comunicações.  

Empresários que tomam dinheiro emprestado a 11% têm uma predisposição para formar ONGs privatizantes que lhes custam R$2,8 milhões. O Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, tesoureiro da campanha de Fernando Henrique Cardoso, sabe quão difícil lhe foi arrecadar doações junto ao empresariado que paga 50% por esses mesmos juros.  

De duas, uma: ou o Ministério da Produção será um monte de coisa nenhuma, ou se transformará no famoso filho que o teatrólogo irlandês Bernard Shaw não quis ter com a atriz Eleonora Duse. Ele temia que saísse feio como ele e burro como ela. Terá a feiura do desemprego e a inteligência do empresariado que é capaz de tudo, até de criar uma ONG que borrifa o Ratinho (durante uma campanha eleitoral) desde que os buracos do queijo levem à arca do "dinheiro barato".  

Ora, Sr. Presidente, essa ONG foi criada por quê? Porque a Lei Eleitoral não permitia que se fizesse uma campanha de interesse do Executivo, como aquela que foi criada, porque, de outra forma, o Ministério das Comunicações iria fazê-lo. Foi um subterfúgio para se fugir aos ditames da Lei Eleitoral.  

É preciso que o Presidente Fernando Henrique Cardoso reflita melhor sobre a criação deste Ministério da Produção.  

Considero o artigo de Elio Gaspari uma excelente reflexão, porque é um Ministério fadado e candidato a produzir uma CPI em breve.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

da Í ×


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/1998 - Página 16988