Discurso no Senado Federal

CONSIDERA UMA INJUSTIÇA RESPONSABILIZAR OS PREFEITOS MUNICIPAIS PELO ROMBO NAS CONTAS PUBLICAS DO GOVERNO FEDERAL.

Autor
Odacir Soares (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.:
  • CONSIDERA UMA INJUSTIÇA RESPONSABILIZAR OS PREFEITOS MUNICIPAIS PELO ROMBO NAS CONTAS PUBLICAS DO GOVERNO FEDERAL.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/1998 - Página 16091
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.
Indexação
  • ANALISE, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, MUNICIPIOS, FALTA, RECURSOS FINANCEIROS, INSUFICIENCIA, ARRECADAÇÃO, RECEITA MUNICIPAL.
  • COMENTARIO, MANIFESTAÇÃO, PREFEITO, EXIGENCIA, DESCENTRALIZAÇÃO, RECURSOS, GOVERNO FEDERAL, OPOSIÇÃO, AUMENTO, CONTRIBUIÇÃO PARA FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS), CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), ALIQUOTA, FUNDO DE ESTABILIZAÇÃO FISCAL.
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, PAULO ZIULKOSKI, PRESIDENTE, FEDERAÇÃO NACIONAL, MUNICIPIOS, INJUSTIÇA, IMPUTAÇÃO, RESPONSABILIDADE, PREFEITO, PREJUIZO, FINANÇAS PUBLICAS.

O SR. ODACIR SOARES (PTB-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os prefeitos eleitos em 1996 e que tomaram posse no dia 1º de janeiro de 1997 enfrentaram um panorama caótico de dívidas e salários atrasados. Foram os primeiros a trabalhar com uma realidade totalmente transformada por três fatores: a estabilidade da moeda, o aumento das receitas e o aumento das responsabilidades municipais, que vem ocorrendo desde a promulgação da Constituição de 1988.  

Das 5.507 Prefeituras existentes no início do ano de 1997, 4.907 não tinham recursos em caixa para pagar os salários de novembro e dezembro e o décimo terceiro salário dos servidores. O lixo acumulava-se em muitas cidades do interior e nas capitais; o fornecimento de energia elétrica e o funcionamento dos telefones foram, em muitas das sedes municipais, cortados por falta de pagamento.  

Levantamento realizado no final de 1996 pelo Deputado Federal Alexandre Cardoso (PSB-RJ) revelou que a maioria das Prefeituras endividadas não poderiam investir um único centavo no início do mandato dos novos prefeitos.  

O Plano Real, Sr. Presidente, acabou com a facilidade dos orçamentos fictícios, em que os déficits eram camuflados pela correção monetária ou cobertos por aplicações na falecida "ciranda financeira". Essas práticas geravam recursos maiores que a arrecadação do Imposto Predial e Territorial Urbano-IPTU.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Imposto Predial e Territorial Urbano-IPTU e o Imposto Sobre Serviços-ISS são de natureza urbana. Esses impostos são boas fontes de renda nas capitais e nas grandes cidades do interior, que têm muitos prédios e uma atividade econômica intensa. Mas nas cidades pequenas, onde existem poucos imóveis e a atividade econômica é de pouca expressão, a receita tributária resultante do IPTU e do ISS é muito baixa.  

O levantamento efetuado pelo Deputado socialista do Rio de Janeiro demonstrou que as Prefeituras do Rio de Janeiro e São Paulo arrecadaram 42% de todas as receitas dos 5.507 Municípios brasileiros. As 27 Prefeituras das capitais e o Distrito Federal ficaram com 65%, ou seja, 2/3 de tudo quanto é arrecadado pelo total dos Municípios existentes.  

Entre esses milhares de Municípios, somente 460 cidades tinham mais de 50 mil habitantes, incluindo as capitais, e concentravam 85% do total das receitas municipais, sobrando 15% para dividir entre os 4.513 Municípios restantes. No caso específico de meu Estado, Rondônia, excetuando a Capital, Porto Velho, existem apenas cinco cidades com mais de 50 mil habitantes: Ji-Paraná, Cacoal, Ariquemes, Rolim de Moura, Jaru e Ouro Preto do Oeste.  

A receita do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores-IPVA, que tem metade da receita destinada aos Municípios, cresceu razoavelmente nos últimos anos, cerca de 10% ao ano. Mas de novo, Sr. Presidente, o número de veículos automotores nos pequenos Municípios é inexpressivo, resultando uma contribuição mínima para as arrecadações municipais.  

Poder-se-ia imaginar que a cobrança eficiente do Imposto Territorial Rural-ITR, a partir das modificações aprovadas em 1996 e com a indispensável participação das administrações municipais na sua cobrança, poderia ser um dos meios para minimizar a situação de pobreza em que vive a grande maioria dos Municípios.  

Anteriormente à modificação da legislação do Imposto Territorial Rural-ITR , o ITR produzia uma receita mínima para os cofres da União; equivalia a apenas 0,08% da arrecadação tributária federal, contra os 24% representados pelo Imposto de Renda-IR global, pago por pessoas jurídicas e pessoas físicas. Com a reformulação do ITR, somada a um maior controle sobre os devedores do tributo, o governo esperava elevar a arrecadação do ITR dos anteriores R$500 milhões para R$1,8 bilhão. Isso contudo não se vem verificando.  

O Fundo de Participação dos Municípios-FPM é constituído por 22% do total arrecadado dos Imposto de Renda-IR e do Imposto sobre Produtos Industrializados-IPI; é a grande fonte de receita de 75% dos Municípios brasileiros. No ano de 1995, esse Fundo mobilizou OITO BILHÕES DE REAIS, que foram distribuídos segundo um critério que pretende atender à justiça social: os Municípios menores e mais pobres recebem, proporcionalmente, repasses maiores, mas, mesmo assim, perseguindo uma maior justiça social, as capitais terminam recebendo a parte de leão do Fundo de Participação dos Municípios-FPM.  

Dez por cento do FPM são destinados às capitais e 4% constituem uma reserva que é repartida entre os Municípios com mais de 50 mil habitantes, o que totalizou R$1,5 bilhão, rateados entre as maiores cidades, em 1995.  

Os menores municípios, que são a esmagadora maioria, ficaram com 86% do total do FPM, ou seja, R$6,9 bilhões. Isso daria, em média, R$1,5 milhão para cada Prefeitura, o que é muito pouco para tocar a mais modesta administração municipal.  

Sr. Presidente, na primeira semana de novembro, mais de 1.000 prefeitos invadiram Brasília, para exigir a descentralização de recursos do governo federal. A gritaria dos prefeitos aumentou com o anúncio do ajuste fiscal que, segundo eles, elevará ainda mais o prejuízo dos Municípios. Além das reivindicações que já faziam, os prefeitos querem evitar o aumento na cobrança do Contribuição para Financiamento da Seguridade Social-Cofins.  

A cobrança de contribuição para as instituições financeiras - bancos - que hoje estão isentos é um ponto acertado entre os prefeitos. Entendem os prefeitos que é mais do que justo a cobrança do Cofins dos bancos. Qualquer pequena empresa de serviços paga o imposto que incide sobre a receita operacional bruta. Mas os bancos têm conseguido escapar da exação, argumentando que esse conceito de faturamento não se aplica às instituições financeiras.  

Conseguirá agora o governo cobrar dos bancos? Espera-se que a Justiça faça JUSTIÇA e permita que o governo cobre dos banqueiros o que cobra dos pequenos empresários.  

Estudou-se a idéia de aumentar a cobrança do Cofins, permitindo que esse percentual (aumentado de 0,2% para 0,3%) seja descontado no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica-IRPJ. A questão, porém, é saber se é possível cobrar um percentual sobre o faturamento, antes de o faturamento ocorrer.  

Em conseqüência da crise externa e do Programa de Estabilização Fiscal-PEF, estima-se que o Produto Interno Bruto terá queda de 2% a 3% no ano que vem. O governo já admitiu redução de 1%. A redução da atividade econômica provocará uma queda na arrecadação do Imposto de Renda, um dos tributos que compõem o Fundo de Participação dos Municípios-FPM.  

Tem-se ainda arregimentado os prefeitos, Sr. Presidente, para evitar a ampliação do Fundo de Estabilização Fiscal-FEF de 20% para 40% e de sua prorrogação até 2006. É importante esclarecer que o Fundo de Estabilização Fiscal é um dispositivo pelo qual o governo pode dispor de 20% das receitas e contribuições arrecadadas.  

Ficam excluídas desse bolo as transferências constitucionais e a arrecadação com impostos - Imposto de Renda-IR, Imposto sobre Produto Industrializado-IPI e Imposto Territorial Rural-ITR.  

Pela regra atual, Estados e Municípios perdem porque o Imposto de Renda retido dos funcionários públicos federais, estaduais e municipais entra na conta do FEF. Além disso, o governo retém também 5,6% do excesso de arrecadação de impostos quando provocado por aumento de alíquota. A União, por exemplo, fica com parte das receitas obtidas pela elevação do Imposto de Renda das Pessoas Físicas-IRPF, de 25% para 27,5%.  

Na nova proposta, que será uma emenda constitucional, o governo vai retirar essa última retenção, o que poderá gerar um bolo maior a ser repartido entre os Estados e Municípios. A vigência do Fundo de Estabilização Fiscal-FEF está garantida até o final do próximo ano. Mas o governo quer garantir a sua manutenção, prorrogando-o para o ano 2006 e aumentando a alíquota dos atuais 20% para 40%, para dar maior flexibilidade à administração dos recursos públicos.  

Segundo o governo, há necessidade de aumentar a desvinculação para assegurar a obtenção do superávit primário, no próximo ano, de 2,6% do Produto Interno Bruto.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é importante observar que lideranças políticas no Congresso Nacional, autonomamente e sem a influência marcante da pressão municipalista exercitada pelos quase 1.000 prefeitos que acorreram a Brasilia, já se vinha posicionando contra:  

- o aumento do COFINS de 0,2 para 0,3%;  

- o aumento da alíquota do FEF de 20 para 40% a partir do ano 2000 (os 20% atuais vigorará até o final de 1999);  

- o aumento da CPMF de 0,2 para 0,38%.  

Além das reivindicações que já faziam, os prefeitos que acorreram a Brasília querem evitar que o aumento na cobrança do Cofins e da CPMF seja compensado no Imposto de Renda. Isso porque boa parte do Fundo de Participação dos Municípios-FPM, repassado aos prefeitos pela União, vem do Imposto de Renda.  

De acordo com o presidente da Confederação Nacional de Municípios, Paulo Ziulkovski, 4.500 dos 5.507 Municípios brasileiros dependem basicamente do FPM para sobreviver: "...essas prefeituras já estão com enormes dificuldades; se houver qualquer redução do FPM, elas terão que fechar", declarou ao jornal O Estado de S. Paulo , em edição de 1º de novembro.  

"De um lado você tem as prefeituras pequenas que dependem basicamente do FPM e, por isso, precisam da descentralização dos recursos" dizia o presidente da Associação Paulista dos Municípios, Celso Giglio. "Na outra ponta, as grandes prefeituras têm dívidas enormes e necessitam rolar esses compromissos como os Estados fizeram".  

Ao longo de 1998, os Municípios já apresentaram propostas ao governo. Agendaram vinte propostas para uma reforma tributária. Entre as principais está a cobrança de 100% do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores-IPVA e a do Imposto Territorial Rural-ITR. Hoje, a metade desses impostos vai para o Estado (IPVA) e para a União (ITR).  

No entendimento dos prefeitos, não faz sentido o Estado cobrar o IPVA, porque quem cuida da manutenção das ruas é a Prefeitura, e os governos estão concessionando as estradas estaduais para o setor privado. Em relação ao ITR, entendem que a arrecadação da União é ineficiente e melhoraria muito se ficasse com o Município.

 

Com relação às dívidas dos grandes Municípios, as entidades municipalistas defendem a renegociação desses débitos nas mesmas condições oferecidas aos Estados, ou seja, com 6% de juros ao ano e prazo de 30 anos. Pleiteiam, ademais, financiamentos do BNDES para a aquisição de máquinas e equipamentos. "É uma vergonha o governo retirar o IPI de automoveis de passeio e não conceder o mesmo benefício para escavadeiras e ambulâncias", adverte o Presidente da Confederação Nacional de Municípios, Paulo Ziulkoski.  

Sr. Presidente, além de todos os problemas e dificuldades que estão se avizinhando com a implantação do Programa de Estabilização Fiscal, é necessário apontar a administração inconseqüente dos recursos municipais. Em reportagem no jornal O Estado de S. Paulo , a repórter Roberta Jansen relatava a situação do Município de Conceição de Macabu, no Estado do Rio de Janeiro. Em 1996, os repasses representavam 92% da receita municipal. Naquele ano, a prefeitura arrecadou R$252 de IPTU e R$10.122 de ISS. Bastou que o atual prefeito tomasse consciência da crise para que a prefeitura abandonasse o antigo paternalismo e passasse a cobrar o que lhe é devido. No atual exercício, já foram arrecadados R$76.330 de IPTU e R$29.084 de ISS, o que indica um crescimento de 303 vezes para o IPTU e 3 vezes para o ISS.  

A crise dos Municípios não se limita à demagogia dos prefeitos ou desaparelhamento da máquina arrecadadora municipal para o cumprimento de suas funções. A crise é agravada pelo déficit crescente da previdência municipal. Até à vigência da Constituição de 1988, os servidores municipais eram inscritos no INSS. As prefeituras, no entanto, eram contumazes na inadimplência das contribuições e, com isso, entravam para o cadastro dos inadimplentes (CADIN), o que as incapacitava para receberem empréstimos de bancos oficiais.  

A Constituição de 1988 permitiu que cada Município criasse seu sistema de previdência para o funcionalismo municipal. Com isso, os Municípios que criaram a previdência local saíram do cadastro de inadimplência, mas é rara a prefeitura cujo sistema previdenciário não esteja quebrado.  

Grande parte das dificuldades financeiras dos Municípios, Sr. Presidente, resulta de impostos e de contribuições previdenciárias que não são cobradas. O governo está sugerindo que os Municípios sigam o exemplo da União e passem a cobrar contribuições previdenciárias dos funcionários da ativa e dos já aposentados.  

Sr. Presidente, nesses tempos difíceis que estamos vivenciando e que certamente se agravarão nos próximos anos, entendem muitos que, antes de pedir ajuda ao governo federal, os Prefeitos deveriam pôr suas casas em ordem, cobrando impostos, taxas e contribuições de seus munícipes.  

Concluo o meu discurso, Sr. Presidente, trazendo o depoimento do Presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, que considera uma injustiça responsabilizar os prefeitos pelo rombo nas contas públicas. "Só 11% dos Municípios gaúchos, por exemplo, gastam mais do que 60% com a folha de pessoal", cita. "Isso mostra que, com todas as dificuldades atuais, a maioria dos Prefeitos sabem administrar". Essa capacidade, porém, de acordo com Paulo Ziulkoski, está no limite. "Com o desemprego cada vez maior e as conseqüências do ajuste, os Prefeitos vão enlouquecer", prevê. "Afinal, é na porta do Prefeito que o cidadão vai bater primeiro".  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/11/1998 - Página 16091