Discurso no Senado Federal

REALIZAÇÃO, NESTE FINAL DE SEMANA, DO PRIMEIRO FORUM NACIONAL ANTIDROGAS, EM BRASILIA. POSSIBILIDADE DE ADIAMENTO DA APRECIAÇÃO DO PROJETO DE LEI DA CAMARA 105, DE 1996, E DO PROJETO DE LEI DO SENADO 154, DE 1997, QUE VERSAM SOBRE FISCALIZAÇÃO, PREVENÇÃO E CONTROLE DE DROGAS.

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA.:
  • REALIZAÇÃO, NESTE FINAL DE SEMANA, DO PRIMEIRO FORUM NACIONAL ANTIDROGAS, EM BRASILIA. POSSIBILIDADE DE ADIAMENTO DA APRECIAÇÃO DO PROJETO DE LEI DA CAMARA 105, DE 1996, E DO PROJETO DE LEI DO SENADO 154, DE 1997, QUE VERSAM SOBRE FISCALIZAÇÃO, PREVENÇÃO E CONTROLE DE DROGAS.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/1998 - Página 17360
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • COMENTARIO, ENCONTRO, AMBITO NACIONAL, OPOSIÇÃO, DROGA, IMPORTANCIA, DEBATE, SOCIEDADE CIVIL, ORGÃO PUBLICO, OBJETIVO, DEFINIÇÃO, ATUAÇÃO, SECRETARIA NACIONAL ANTIDROGAS.
  • ANALISE, GRAVIDADE, TRAFICO INTERNACIONAL, DEBATE, ATUAÇÃO, POLICIA FEDERAL, EXERCITO, ITAMARATI (MRE), EXPECTATIVA, CENTRALIZAÇÃO, SECRETARIA NACIONAL ANTIDROGAS, REPRESSÃO, TRAFICO.
  • ANALISE, PROBLEMA, USUARIO, DROGA, DEFESA, ATUAÇÃO, SOCIEDADE CIVIL, TRABALHO, PREVENÇÃO, EDUCAÇÃO.
  • COMENTARIO, PROJETO DE LEI, TRAMITAÇÃO, SENADO, ASSUNTO, COMBATE, DROGA, DEFESA, ADIAMENTO, DISCUSSÃO, OBJETIVO, INCORPORAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, ENCONTRO.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, realizou-se, na sexta-feira, no sábado e no domingo últimos, em Brasília, o I Fórum Nacional Antidrogas. Este fórum coincidiu com a presença do juiz Walter Maierovitch e a sua escolha para Secretário Nacional Antidrogas, com vinculação direta à Casa Militar da Presidência da República. O evento foi aberto pelo Presidente da República, que fez, na ocasião, um apanhado do problema e demonstrou a vontade do Governo de operar, diretamente, nessa direção.  

Esse evento - ao qual acorri como Senador da Républica, para aprender, para ter a certeza de que o assunto merece um estudo maior, pela sua magnitude e amplitude - pode ser considerado um dos mais importantes, a meu juízo, realizados sobre essa matéria, porque foi desejo do Secretário Nacional Antidrogas, o Juiz Walter Maierovitch, não começar o seu trabalho sem ouvir o que a sociedade, por suas organizações comunitárias, médicas, não-governamentais, além de entidades oficiais, como a Polícia Federal e o Ministério Público, até então estudou, aprofundou, buscou e engendrou como soluções para essa matéria. Pode ser considerada impressionante a resposta da sociedade a esse chamamento do Secretário Nacional Antidrogas. Havia mais de mil pessoas no Fórum, vindas espontaneamente. Em seus três dias, o encontro transcorreu com altíssimo nível de deliberação, a mostrar a complexidade do problema. Evidentemente, isso é tão mais oportuno quanto a comemoração, amanhã, da data mundial de luta contra a AIDS, de vez que a droga está também intimamente relacionada a esse flagelo. O fato é que o País entra numa fase de organização dos setores que devem lutar na busca de soluções para esse problema.  

A minha conclusão como observador - para uma pessoa que conhece o assunto na sua tragédia, mas não o conhece na profundidade das soluções propostas, e como Presidente da Comissão de Educação no Senado, eu me senti no dever de ir lá conhecer –, a minha impressão primeira é a da complexidade absolutamente funda e ampla que a matéria de drogas tem hoje em dia no Brasil e no mundo. Essa complexidade estava presente também nas discussões - já aludirei a isso -, mas ela se dá primeiro quanto ao ângulo do narcotráfico.  

O narcotráfico tem características internacionais, características no âmbito puramente policial, características ligadas à ação do Exército Nacional em algumas de suas frentes, principalmente, o serviço de inteligência; características ligadas ao trabalho da diplomacia brasileira, tendo em vista o seu caráter internacional, convênios internacionais, fronteiras etc.; tem a ver com todas as questões de convênios internacionais relativos ao trato da matéria, em todos os seus âmbitos; e tem a ver, ademais, com toda uma questão relacionada com o tráfico de armas, de armamentos, o que envolve, por sua vez, em conjunto, Polícia Federal, Forças Armadas e companhias aéreas, tráfico aéreo internacional e tudo o mais. Isso apenas na questão do narcotráfico.  

Aí está um segmento que tem a ver com a ação direta do Estado. Até aí não é a sociedade, nos seus organismos de autodefesa, que tem de vir colaborar, é assunto específico do Estado.  

Nota-se que esse entrosamento necessário começa ou poderá ser possível por meio da Secretaria Nacional Antidrogas instaurada pelo Presidente da República e com a posse de um juiz especializado na matéria a sua frente.  

Noto, sinto, percebo e creio que este tema deve ser discutido: há algumas tensões no campo relacionado à repressão do narcotráfico. Há tensões entre a Polícia Federal e o Exército, entre a maneira de trabalhar essa matéria e tensões entre as chamadas forças de repressão e a diplomacia; e há também, a meu juízo, uma falta de entrosamento maior entre esses segmentos.  

A meu juízo, a Polícia Federal deve estar subordinada a deliberações da Casa Militar, e, igualmente, o Itamaraty deve estar presente na discussão da matéria. Só aqui temos um tema de extrema complexidade e de grande dificuldade, que vai exigir muito trabalho.  

O segundo elemento presente é o tráfico interno nos países. Há que se verificar de novo a ação do Estado. No tráfico interno, há uma questão de prevenção ao tráfico, outra de controle, uma de repressão e outra de bloqueio nas relações entre o tráfico interno e o usuário. Aqui também, até então, têm-se perdido as batalhas.  

A prevenção não tem funcionado como se gostaria. O controle é muito aquém da capacidade de disseminação, de infiltração, de recursos e até de uso de tecnologias mais modernas pelo tráfico. A repressão ainda encontra grandes dificuldades e deve ser feita pela Polícia Federal, que tem uma Delegacia Especial de Entorpecentes, mas, ao que me parece, não é a Delegacia de Entorpecentes diretamente ligada ao controle da Polícia Federal nessa matéria. A Polícia Federal delegou a cada delegacia estadual sua o controle da matéria no âmbito em que a delegacia atua, e é, também, uma tarefa das polícias estaduais. Portanto, aqui há um outro campo de dificílimo entrosamento entre as Polícias Federais e as Polícias Estaduais.  

Há também o fato – não podemos esquecê-lo – de que o País vive, não agora, mas há muitos anos, uma falência, praticamente, do Poder Público no sentido de que vem acumulando dívidas ao longo dos anos, e somente agora esse problema está a ser enfrentado. Essas dívidas têm, de certa forma, corroído o aparelho do Estado naquilo que concerne à segurança. E a velocidade da tecnologia, do uso de armamentos de altíssima contemporaneidade pelo tráfico é muito maior que a velocidade do próprio Estado no combate à questão e na aquisição de meios para tal, inclusive armamentos.  

Na questão do narcotráfico e na questão do tráfico interno, temos que a tarefa do Estado é a tarefa predominante. Tenho a esperança de que agora, com a centralização das decisões dessa matéria na Secretaria Nacional Antidrogas, possa haver um trabalho unificado, mas sei que existe, no serviço público, como existe onde está o ser humano, uma grande luta por poder e uma grande luta por espaço.  

Portanto, há que haver, a partir de agora - e nisso o Secretário Walter Maierovitch parece-me uma pessoa determinada -, uma coordenação de atividades, no sentido de entrosar as funções nessa matéria, do Exército, já que a Secretaria pertence à Casa Militar do Governo, da Polícia Federal, das polícias estaduais e dos organismos internacionais de combate ao narcotráfico.  

Destaco ainda que estava presente no Fórum o responsável pela entidade que trata do tráfico de drogas internacionalmente ao nível das Nações Unidas. Portanto, há aí o outro braço de natureza internacional.  

Chego, agora, ao terceiro elemento dessa complexa questão: o usuário. No caso do usuário de drogas, não é mais apenas a função do Estado a que tem que ser regulada. E aqui está o cerne da questão: só há o tráfico, só há a violência associada ao tráfico, só há a corrupção associada ao tráfico, porque há o usuário.  

Aprendi nesse Fórum que há no mundo duas grandes correntes de trabalho na luta contra a disseminação da droga. Uma corrente de orientação norte-americana, inclusive utilizada pelos Estados Unidos em seu próprio território, prega a política de repressão e abafamento como predominante na matéria. É típico da própria formação norte-americana e tem a ver com seu alto desenvolvimento tecnológico, com seu poder de polícia. Mas a verdade é que mesmo os Estados Unidos, com todo seu alto desenvolvimento tecnológico e seu conhecido poder de polícia, têm enfrentado grandes dificuldades. E há uma segunda corrente, de orientação européia, que tem enfatizado os esforços do Estado e da sociedade predominantemente na direção do usuário.  

Por coincidência, ainda ontem, a Suíça, com a democracia direta que lhe é característica, realizou uma votação sobre a questão da liberação do uso de drogas. Em um país que tem o uso de drogas controlado em certos cantões – a Suíça, como se sabe, é extremamente dividida em cantões, nem mesmo municípios – a população derrotou a liberação. Esse país – interessante – com altíssimo grau de liberdade em relação aos direitos de cada cidadão e que até inovou, de certa maneira, quando utilizou a liberação controlada da droga, parece não ter obtido resultados nítidos ou positivos no tocante à diminuição do uso, que está controlado sim, pois existe a medicina paralela ao uso. O uso é controlado diretamente por médicos. O usuário vai ao serviço público e lá lhe é injetada a droga. Mas, ainda assim, ao que parece – para que se veja a força do flagelo –, não há redução do nível de uso da droga. Com tudo isso, ontem, a Suíça, num dos seus referendos, derrotou a liberação do uso da droga.  

Fecho esse parêntese para dizer que está, portanto, a Europa voltada muito mais para o usuário, para a idéia de que se houver controle do usuário, que se houver condições para trabalhar o usuário, vale dizer prevenção, essa matéria poderá por aí, se não ser vencida, pelo menos enfrentada.  

O fato é que a experiência mundial mostra que esse enfrentamento não tem sido positivo tendo em vista o altíssimo crescimento do uso de drogas em todo o mundo e, conseqüentemente, o altíssimo índice de expansão da AIDS, que tem na droga um dos seus fatores maiores de risco, sobretudo na droga injetável, que se dá, curiosamente, nos países da África, nos países da Ásia e nos países da América do Sul em maior número.  

As estatísticas da AIDS mostram que é justamente nesses continentes, onde as condições de enfrentamento do problema são menores, que se dá um crescimento da AIDS numa progressão geométrica, em níveis nem mais epidêmicos, mas pandêmicos, quase uma pandemia dos nossos dias, ou seja, um mal que atinge a humanidade como um todo.  

O trabalho com o usuário é realmente aquele que mais convoca a sociedade. E chegou a ser comovente verificar-se nesse I Fórum Nacional Antidrogas, realizado neste fim de semana, aqui em Brasília, como veio a sociedade brasileira, em que quantidade, com que entusiasmo, com que interesse. Vieram pessoas de todos os Estados, de organizações religiosas, de organizações comunitárias, de organizações médicas, psicólogos, médicos, psicanalistas, de associações de pais, de associações de professores.

 

Realmente, se este País levasse a sério o que é sério - porque este País vive em torno do que é conflito, do que é novidade -, ele teria parado para verificar a resposta que a sociedade brasileira deu, nesses três dias de trabalho, ao chamamento, que aliás nem foi tão divulgado assim, para a realização deste fórum antidrogas aqui em Brasília.  

A questão do usuário é básica. E ali, como em toda questão da droga, em geral, há três níveis de discussão do problema: a prevenção, a repressão e o tratamento. Aliás, o fórum se dividiu também, nas suas subcomissões, nessas matérias e, dentro das comissões, subgrupos de cada uma dessas matérias, uma das quais tem a ver diretamente conosco porque é matéria legislativa.  

Antes de voltar à questão do usuário, quero chamar a atenção da Casa, do Presidente em exercício neste momento, Senador Geraldo Melo, dos Srs. Senadores e das Srªs. Senadoras. Está na pauta da sessão deliberativa ordinária de quarta-feira a discussão do Projeto de Lei nº 105, de 1996, e do Projeto de Lei nº 154, de 1997, que tratam especificamente dessa matéria.  

O Projeto de Lei nº 105 trata da prevenção, do tratamento, da fiscalização, do controle e da repressão do tráfico ilícito e do uso indevido de entorpecentes e drogas afins e dá outras providências. O Projeto de Lei nº 154 dispõe sobre prevenção, tratamento, fiscalização, controle e repressão à produção, ao uso indevido e ao tráfico ilícito de substâncias entorpecentes e de drogas que causem dependência física ou psíquica e dá outras providências.  

Pois bem. Esta matéria foi altamente debatida numa das subcomissões do Fórum por pessoas de alta especialização – fiquei impressionado com a qualidade dos debates. Estiveram presentes advogados, promotores públicos, membros da Polícia Federal, membros da Interpol, membros da Casa Militar da Presidência da República, juristas e alguns parlamentares estaduais.  

Uma das conclusões a que se chegou, Sr. Presidente, diz respeito à urgência de se trazer aos projetos em discussão nessa Casa alguns aportes necessários e que estão a lhes faltar. A maior parte das sugestões é de natureza aditiva, e vai haver um apelo a essa Casa – que inicio nesse momento e conclamei o Chefe da Casa Militar para que aqui viesse conversar com a Mesa Diretora no sentido de buscarmos uma postergação da discussão e da votação dessa matéria, para que, com o aporte de um Fórum dessa importância, possa vir também sob a forma legislativa, aperfeiçoando o nosso trabalho. Há também a enfermidade momentânea do Senador Romeu Tuma, que tem sido um brilhante e interessadíssimo relator dessa matéria. Com a postergação, teremos a possibilidade de entrar em contato com S. Exª, que ademais é uma pessoa extremamente aberta, sempre pronta ao que seja colaboração em tudo que é do espírito público, para que também admita, como relator, incorporar em seu relatório uma série de aspectos estudados nesse I Fórum Nacional Antidrogas.  

De maneira que já de antemão quero dizer que a matéria entrará em discussão amanhã, terei oportunidade de falar para Casa e talvez até apresentar um requerimento ser for o caso, adiando essa discussão, para que se possa incorporar, para um estudo dessa magnitude, algo que foi gestado pela primeira vez na nossa história, não apenas pelas entidades especializadas do Governo mas por toda a sociedade brasileira, unificada no Fórum que estou a abordar, já que dele participei ativa e intensamente como uma pessoa que ali foi para aprender e aprofundar os seus conhecimentos nessa matéria.  

Volto à questão do usuário. Na questão do usuário está o grande problema. E aqui a sociedade tem muita importância, aqui a atuação do Estado sozinha não será suficiente e aqui, a meu juízo, esteve a pulsação de uma vibração notável na realização desse Fórum. Primeiro, no estudo profundo das causas.  

Quais as causas pelas quais a droga se estabelece e cresce dessa maneira? É evidente que no estudo das causas cessa a polícia, cessa a arma, cessa a defesa das fronteiras e entra-se na educação; e entra-se mais do que na educação, no comportamento; e, mais do que no comportamento, entra-se nos valores civilizatórios da contemporaneidade.  

O que levará o jovem ao uso da droga? Quem, em profundidade, poderá dizer com precisão que é uma questão ligada à família; que é uma questão ligada a certas formas de divulgação que vão tornando sedutora a idéia da droga; que é um niilismo que corresponde a um mundo que vai perdendo valores, significações do ponto de vista da civilização; que é, quem sabe, um niilismo em uma sociedade autodestrutiva como a nossa que destrói rios, que contamina mares e derruba florestas, que tem pronto um arsenal atômico que, apesar de toda a luta que se desenvolve, é capaz de destruir mais de 20 vezes a vida na Terra? É a questão da destruição de valores familiares intrínsecos; a falta de contato entre pais e filhos em uma sociedade na qual, precocemente, a mãe é chamada ao processo de produção sem o contato com os filhos exatamente na fase de formação dos elementos inconscientes que lhe darão um sentido de vida, uma idéia de proteção?  

Qual é a causa? Quem pode responder?  

Evidentemente, cada um de nós terá uma resposta sempre parcial para o problema porque são causas profundas. Mas elas estão diretamente relacionadas com a questão da droga, principalmente se o nosso País adota uma política de operar preponderantemente sobre o usuário.  

Depois das causas, as conseqüências. Quais são as conseqüências exatas decorrentes do uso das drogas? Evidentemente, entramos no terreno da Medicina, da Psicologia, Psiquiatria.  

Já tem o País entidades de tratamento em número suficiente para a magnitude do problema? Seguramente, não. Em que medida o Estado, o Poder Público, que tem uma ação direta – como bem ressaltou o Senador Romero Jucá –do Ministério da Saúde na questão da AIDS, dispõe de condições para levar o tratamento à rede hospitalar pública? Esse é outro grave problema.  

Como o tempo de que disponho está terminando, não quero concluir o discurso; prefiro deixá-lo em aberto, por se referir a um tema de grande complexidade, extensão e profundidade.  

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador Artur da Távola, a Mesa informa a V. Exª que, evidentemente, não há, na programação de trabalho desta tarde, razão alguma para que nos preocupemos com o tempo que levará V. Exª para tratar de assunto tão importante.  

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Agradeço a V. Exª e aos meus Pares a gentileza dessa extensão.  

O tema central relativo ao usuário é a prevenção. O que é a prevenção? São campanhas escolares? Sim. É a família? Sim, claro. Poderia, porém, perguntar: em um País com altos graus de desestruturação interna, em quantos lares há família? Quantos lares há sem família? Portanto, há que se entregar à família constituída, sim. Mas não está a família constituída, possivelmente na maioria dos lares. É questão que envolve, por conseguinte, como eu dizia, também a educação, a escola.  

O Presidente da República, quando abriu o Fórum, chegou a aludir de passagem a necessidade até de se ter no currículo uma matéria relativa às drogas, tal a magnitude do problema. Confesso que tenho algumas dúvidas sobre se deve ou não estar no currículo ou, como penso, se deve ser algo repartido entre as várias matérias já existentes na escola. Nós, da Comissão de Educação, recebemos projetos constantemente, os mais bem-intencionados possíveis, com os seguintes dizeres: "Crie-se no currículo um ensino de questões relativas ao trânsito. Crie-se no currículo questões relativas à presença do negro na História brasileira. Crie-se no currículo a presença do estudo de religiões", assim por diante. Há uma infinidade de projetos nesta Casa. Como Deputado Federal e agora como Senador, quase sempre na Comissão de Educação, nunca me cansei de receber projetos bem-intencionados no sentido de dar-se presença no currículo ao estudo dessas matérias. Evidentemente, a intenção é boa, mas o currículo das matérias nos colégios brasileiros, que não é cumprido na integralidade nem com relação a matérias já constantes, é de tal forma insuficiente em tempo, em condições e até em número de professores, que acabaríamos por preencher o currículo escolar com uma infinidade de matérias que, certamente, não seriam bem ministradas e também não fariam com que o aluno estudasse o principal. Mas está aí a proposta e creio que deva ser estudada. A minha opinião, nesse particular, é isolada, porque o flagelo da droga é de tal ordem que não se pode deixar de ter a escola presente nessa matéria. A meu juízo, a escola tem, perfeitamente, os seus instrumentos. Quanto a isso, porém, há casos no Rio de Janeiro e em São Paulo de assassinatos de professores que vinham trabalhando com seus alunos na prevenção da droga. Mas isso tudo passa. O Brasil não leva a sério as coisas sérias. O assassinato de um professor é absolutamente brutal. Recentemente, uma bomba estourou e arrancou a mão de uma professora.  

O Brasil é um dos poucos países onde as comunidades desorganizadas derrubam, destroem e depredam escolas, o que é um fator de anomia social absolutamente espantoso e para o qual o País não atenta. A escola é vista, em todos os segmentos da sociedade, como um grande instrumento de redenção, um grande instrumento de equilíbrio social e de libertação do indivíduo. No Brasil, as escolas são destruídas, derrubadas, apedrejadas, invadidas e arrebentadas pelos próprios segmentos marginais das comunidades onde atuam. O que é um fator gravíssimo, porque já revela um grau de tal corrosão na esperança, de tal desesperança, de tal tristeza e desencanto na sociedade que nem mesmo a escola passa a ser respeitada. Não se veja aí o menor vislumbre de uma luta de classes, possível até em outras atividades marginais. Portanto, a questão da escola como parte da prevenção e da luta anti-drogras é vital. É vital porque não podemos mais, na contemporaneidade, na globalização, na impossibilidade de controle social – como havia ao tempo da nossa formação, via família, via escola, para os processos –, não podemos mais ter as mesmas estruturas escolares diante de um mundo que se tecnifica, que é internacional, que se comunica via Internet e que não tem mais aqueles controles clássicos da formação – escola, família, igreja –, característicos da sociedade de meu tempo de meninice, uma sociedade de grau de estabilidade maior, em que os valores eram mais estratificados. E o que caracteriza a contemporaneidade é exatamente essa fragmentação dos institutos clássicos da sociedade. Tudo se fragmenta. A comunicação é feita por uma fragmentação de mosaicos; a educação é igualmente fragmentária, e, se quisermos ir para o terreno da arte: a arte de hoje em dia não tem mais estilos; tem tendências.

 

Não digo se esse processo é bom ou mal. Não me cabe um conhecimento tão amplo para ser capaz de ajuizar processos históricos que estão a se dar na universidade. O que defendo, sim, é que nos tornemos inteligentes para enfrentá-los. E não há outra forma de se tornar inteligente para enfrentar problemas complexos senão começar pelo problema educacional.  

Assim, na questão da droga, a prevenção pode se dar de maneira absolutamente nova, articulada essa escola também, não mais como a velha e antiga escola, em que apenas os seus organismos dirigentes eram capazes de solucionar o problema. Mas articulada essa escola, como cabe na modernidade, com a própria comunidade de pais, como fazem, aliás, muitas escolas hoje em dia no Brasil, já que a interatividade é outra dessas características da pós-modernidade presentes nos segmentos desenvolvidos da sociedade brasileira.  

Por todas essas razões, a realização desse I Fórum Nacional Antidrogas, aqui, em Brasília, nas dependências do Colégio Militar, sexta-feira, sábado e domingo últimos, de certa forma, nos traz esperanças de um bom começo de uma articulação de medidas nessa direção, porém com a certeza de que, se não formos capazes de abordar esse problema em todas as suas frentes e compreendê-lo na complexidade, nunca vamos enfrentá-lo. Ele não é mero problema de repressão; ele não é mero problema de prevenção; e, tampouco, ele não é mero problema de tratamento. Ele tem os três itens e, em cada um desses itens, há uma infinidade de pontos a serem estudados e desenvolvidos.  

Por isso, concluo, Sr. Presidente, deixando com V. Exª, na condição de Vice-Presidente da Casa, um apelo para que façamos um estudo mais profundo dessa matéria e o que está na pauta de quarta-feira possa ser, efetivamente, postergado, para que recebamos as conclusões desse fórum e as incorporemos ao nosso estudo. Nada será mais grave que votarmos uma lei sobre essa matéria agora apenas porque há, digamos, necessidade urgente de uma lei - é certo - e há também o clamor da sociedade, mas sem que se possa incorporar a ela um estudo notável feito pela sociedade brasileira, pela primeira vez até hoje, no fórum que se realizou no último final de semana em Brasília.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, obrigado pela atenção.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/1998 - Página 17360