Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS AO ARTIGO DO MINISTRO LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA, PUBLICADO NA FOLHA DE S.PAULO DO ULTIMO DIA 22, SOBRE O EPISODIO DO GRAMPO QUE ENVOLVEU O MINISTRO LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. LEGISLATIVO.:
  • COMENTARIOS AO ARTIGO DO MINISTRO LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA, PUBLICADO NA FOLHA DE S.PAULO DO ULTIMO DIA 22, SOBRE O EPISODIO DO GRAMPO QUE ENVOLVEU O MINISTRO LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/1998 - Página 17369
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. LEGISLATIVO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E REFORMA DO ESTADO (MARE), DEFESA, CONDUTA, MEMBROS, GOVERNO, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, SISTEMA, TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS S/A (TELEBRAS).
  • DEFESA, RELEVANCIA, CONGRESSO NACIONAL, EXECUÇÃO, PRERROGATIVA, ESPECIFICAÇÃO, FISCALIZAÇÃO, EXECUTIVO.
  • DISCORDANCIA, CONDUTA, MEMBROS, GOVERNO, AUSENCIA, CRITERIOS, ETICA, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES, ALEGAÇÕES, DEFESA, INTERESSE PUBLICO, PATRIMONIO PUBLICO.
  • DEFESA, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, IRREGULARIDADE, PRIVATIZAÇÃO, SISTEMA, TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS S/A (TELEBRAS), DEMONSTRAÇÃO, SOCIEDADE, PARTICIPAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, REFORÇO, DEMOCRACIA.

A SRª. MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de trazer à discussão, nesta segunda-feira, um aspecto relevante quanto ao episódio do "grampo" das privatizações das Teles. Como essa discussão tem sido cantada e decantada em verso e prosa por todos os segmentos que atuam nas duas Casas, gostaria de me ater a um aspecto que julgo importante. A página Opinião da Folha de S. Paulo do dia 22 traz dois artigo: um, do Ministro Bresser Pereira, e outro, do Sr. Joaquim Francisco de Carvalho, respondendo à seguinte pergunta: "O episódio do grampo compromete o programa de privatizações do Governo?" A resposta do Sr. Joaquim Francisco é positiva; a do MInistro Bresser Pereira, negativa. Nesse artigo, o Ministro Bresser faz uma série de argumentações para justificar que o episódio não compromete as privatizações e ainda tem o interesse de defender o seu colega da área ministerial.  

O que de fato me assusta nessa matéria é exatamente como é tratado o conteúdo gravado nas fitas até agora publicadas. Seu artigo é iniciado com frases bastante interessantes: "Viver é muito perigoso, dizia o camarada Riobaldo na célebre criação de Guimarães Rosa. Nos dias que correm, porém, ser político e defender o interesse público é ainda mais perigoso."  

O Ministro desenvolve o seu artigo e assinala uma série de pontos que não poderíamos deixar passar em branco, sob pena de nos acostumarmos a ver os que têm maioria - seja no Congresso ou em outro lugar qualquer - distorcer o conteúdo dos acontecimentos, arbitrando, a sua revelia, valores que neles não estão postos. É isso o que desejo revelar nesse artigo. Aliás, é bastante significativa a escolha do personagem Riobaldo o qual foi vítima de um engodo, ou seja, do disfarce de Diadorim. Com certeza, se essa mulher não se disfarçasse de homem, Riobaldo teria sofrido muito menos. Isso não é por acaso. O velho Jung afirma que, muitas vezes, quando tentamos esconder o que está na região mais profunda do nosso inconsciente, aquilo se apodera de nós e sempre consegue um meio de se manifestar, desnudando-nos. O artigo do Ministro faz isso. O caso de Diadorim e Riobaldo não é mera coincidência. Viver é perigoso e falar, às vezes, é mais perigoso ainda. O Ministro coloca em seu artigo algumas frases que considero importantes, como, por exemplo, a defesa do interesse público. Aqueles que são dados ao purismo não deveriam ser homens públicos; deveriam estar dentro de conventos ou serem monges, talvez burocratas menores.  

No Brasil, tem-se constituído uma prática recorrente as pessoas fugirem dos conteúdos das coisas e qualificá-las com alguns "ismos", para não entrarem no mérito das questões. Por exemplo, se alguém tem posição oposicionista bastante contundente, não se curva, argumenta, coloca claramente os seus posicionamentos e não é acometido de convencionismos - muitas vezes artificiais -, é imediatamente rotulado de estar praticando esquerdismo. Nesse caso, não é preciso discutir, pois se trata de um esquerdista, e pronto! Se as pessoas defendem com coerência aquilo que acreditam - e nesse caso não se permitem o jogo fácil de alguns episódios que foram auto-revelados pelas conversas nos "grampos" -, essas pessoas são acusadas de purismo. Esse é o desqualificar da ação coerente de muitas pessoas neste País, inclusive de homens públicos.  

Se as pessoas têm posições de esquerda, não é preciso discutir isso; é só dizer que são esquerdistas - alguns mais ousados em arbitrar conteúdos dizem que se trata de burros ou de bobos, mas, assim, não é preciso discutir em absoluto.  

No seu artigo, o Ministro Bresser Pereira diz que político com "p" maiúsculo é aquele que tem o procedimento como o do Ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros e os demais participantes daquele episódio. Ora, se as pessoas, por terem maioria ou por poderem arbitrar conteúdos aos acontecimentos dos fatos, não mais precisam preocupar-se com eles para formar suas opiniões, então a nossa democracia passa a correr sérios riscos. É isso o que está acontecendo no Brasil.  

Já tivemos nesta Casa, nos quatro anos em que aqui estou, no mínimo, quatro episódios com indicação de CPIs: a CPI dos bancos, envolvendo o Banco Econômico; a CPI do Sivam, em que também havia um grampo; a CPI do episódio da compra dos votos; e esse, agora, do leilão da Telebrás. Em todos esses episódios, ouvimos da maioria governista que não era preciso investigar, porque o Ministério Público e a Polícia Federal o fariam e, se houvesse uma CPI, ela prejudicaria as reformas, o interesse do País e o andar do desenvolvimento econômico e social da Nação brasileira. Em nome desses argumentos e de outros aparentemente mais nobres, como o do Ministro Bresser Pereira relativo à defesa do interesse público, do político "com p maiúsculo" - isto é, arrojado e não apenas um burocrata atrás de um balcão -, vamos deixando de tomar algumas atitudes fundamentais para o Congresso Nacional. Este Parlamento não deve abdicar de suas prerrogativas constitucionais, principalmente a de fiscalizar o Poder Executivo.  

Nesse sentido, o homem e a mulher de bem que acompanham esses episódios, cidadãos comuns, devem, no mínimo, estar com uma sensação de impotência. Se o Poder Executivo se dá ao luxo de arbitrar que aquele estilo de conversa telefônica gravada por meio do grampo — que é questionável e condenável, mas infelizmente reproduziu o que foi dito pelo Ministro, não inventando nem distorcendo suas palavras — é um procedimento político "com p maiúsculo", não precisando, portanto, ser investigado; e se o Congresso facilmente se convence de tudo isso e não procede à instalação da CPI, alegando que o Poder Judiciário fará as investigações, o cidadão comum não tem que acreditar que este Poder também agirá com a isenção esperada pela sociedade.  

Ora, os Três Poderes pressupõem a existência da democracia quando funcionam plenamente. Se dois deles começam a distorcer o conteúdo dos fatos, conferindo-lhes valores à revelia dos acontecimentos, por que somente o Poder Judiciário estaria agindo de forma perfeita e faria as investigações com isenção? Ele levaria a cabo todas essas informações, as processaria e devolveria para a sociedade uma resposta adequada àquilo que ela está esperando? Por acaso foi adequada a resposta do episódio do Sivam? Por acaso foi adequada a resposta que foi dada no episódio da compra de votos? Por que o cidadão comum teria de se conformar com, muitas vezes, os verbetes acalorados daqueles que saem na defesa fácil de posturas muitas vezes condenáveis? Por que a sociedade o faria?  

Sr. Presidente, lendo este artigo, tive a sensação de fazer parte talvez daquele segmento da política que não condena a priori . A meu ver, tudo deve ser investigado, também o grampo. Entendo que quem fez o grampo deve ser punido, mas, acima de tudo, o conteúdo revelado não pode ser minimizado, não pode ser atribuído como uma prática correta a ser levada a cabo por pessoas que estão nos cargos mais importantes da nossa República, como o de ministro, por exemplo. Caso contrário, se o Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira acha que ser político "com p maiúsculo" é fazer tudo aquilo que o Ministro disse que ia fazer – eu não vou repetir as suas frases; os Senadores Pedro Simon, Eduardo Suplicy e tantos outros colegas já o fizeram exaustivamente, o próprio Senador Roberto Requião –, se ser político "com p maiúsculo" é agir daquela maneira, então os empresários, os investidores, podem arbitrar também que ser investidor "com i maiúsculo" é colocar um grampo para espionar o Governo, pois, dessa forma, ele está defendendo o interesse da empresa ou dos seus investimentos. Se não vale mais critério para nada, se nós podemos arbitrar os valores à revelia dos fatos e dos acontecimentos, então a nossa História começa a sofrer um sério risco, como também a nossa democracia.  

Como professora de História, aprendi que é muito perigoso tentarmos reescrevê-la ou, pelo menos, escrevê-la de forma distorcida.  

Dizem que os historiadores são profetas que nunca erram porque analisam a História a partir daquilo que já ocorreu. Quando, todavia, a História começa a ser distorcida no seu nascedouro, até mesmo os historiadores seriam profetas que, com certeza, no caso do Brasil, passariam a errar.  

No episódio, com todo o respeito pelo Ministro Bresser Pereira e toda solidariedade que quer prestar a seu colega Ministro à época, não posso concordar que esse tipo de postura possa ser colocada nas alturas como sinônimo da boa política ou do bom administrador à frente das instituições públicas. A democracia brasileira tem que ser fortalecida, e o seu fortalecimento passa necessariamente pela autonomia do Congresso em toda e qualquer investigação que se faça necessária fazer.  

Não podemos ficar o tempo todo dando ao Poder Judiciário prerrogativas que são nossas. Por acaso, os meios de comunicação estão, a todo momento, divulgando o conteúdo das fitas. Seria interessante se os Senadores e Deputados - que deveriam avaliar o conteúdo dessas naquilo que se refere ao interesse do Estado brasileiro e não ao de fofocas e picuinhas que porventura possam ter da vida pessoal de quem quer que seja - abrissem mão dessa prerrogativa e se contentassem em ficar como se fosse novela de folhetim do século passado os episódios, que vão sendo narrados a cada dia, do grampo que foi colocado no BNDES.  

Eu queria fazer este registro, Sr. Presidente, Srs. Senadores, porque me sinto inconformada com o tratamento que pode estar sendo dado a essa questão e advogo a criação da CPI, para que a sociedade brasileira não continue com a sensação de impotência e desconfiança em relação à nossa democracia, primeiro, porque, como disse anteriormente, se o Poder Executivo arbitra os conteúdos à revelia deles, se o Poder Legislativo abre mão da prerrogativa de investigar que tem, por que o Judiciário o faria com tanta isenção? Por que o cidadão brasileiro tem motivo para acreditar que, no terceiro Poder, estariam as respostas? A não ser que ele se conforme em continuar assistindo ao espetáculo do quarto Poder, que é ver no rádio e na televisão o episódio sendo esclarecido ou não à revelia das instituições que têm a obrigação de fazê-lo e que, em vários episódios, como acabei de citar, não o fizeram.

 

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/1998 - Página 17369