Discurso no Senado Federal

GRAVIDADE DA DESERTIFICAÇÃO DAS REGIÕES SEMI-ARIDAS COMO MEIO DE PERPETUAÇÃO E DISSEMINAÇÃO DA MISERIA, EM SENTIDO INVERSO AO PROGRESSO ALMEJADO PARA O PAIS. DEFESA DA IMPLEMENTAÇÃO DE UMA POLITICA NACIONAL DE CONTROLE DA DESERTIFICAÇÃO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • GRAVIDADE DA DESERTIFICAÇÃO DAS REGIÕES SEMI-ARIDAS COMO MEIO DE PERPETUAÇÃO E DISSEMINAÇÃO DA MISERIA, EM SENTIDO INVERSO AO PROGRESSO ALMEJADO PARA O PAIS. DEFESA DA IMPLEMENTAÇÃO DE UMA POLITICA NACIONAL DE CONTROLE DA DESERTIFICAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 28/11/1998 - Página 17327
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DETERIORAÇÃO, SOLO, RECURSOS HIDRICOS, VEGETAÇÃO, REDUÇÃO, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, REGIÃO ARIDA, REGIÃO SEMI ARIDA, RESULTADO, VARIAÇÃO, CLIMA, ATIVIDADE PREDATORIA, HOMEM, PROVOCAÇÃO, PREJUIZO, NATUREZA SOCIAL, NATUREZA ECONOMICA, PAIS, PERDA, CAPACIDADE, PRODUÇÃO, AUMENTO, MIGRAÇÃO, MISERIA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, EXISTENCIA, POLITICA NACIONAL, CONTROLE, DESTRUIÇÃO, BIODIVERSIDADE, GARANTIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REGIÃO ARIDA, REGIÃO SEMI ARIDA, PAIS.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos vivendo o final de um século dos mais conturbados na história da humanidade. Nunca a população mundial foi tão grande, nunca a superfície do planeta mostrou-se tão escassa para satisfazer as necessidades da humanidade. Em face dessa situação, vemo-nos, todos os que se preocupam com o futuro, defrontados com a ingente questão da conservação dos recursos naturais de que dispomos.  

Não se trata de uma questão meramente estética, ou seja, de conservar as belezas do Planeta. Trata-se, sim, de preservar os meios de subsistência da humanidade no médio e longo prazos e, em casos mais graves, até mesmo no curto prazo. Assim, ou nós encaramos que os recursos naturais, mesmo os que são renováveis, são finitos, pois passíveis de degradação, ou nos defrontaremos com a escassez apocalíptica prenunciada nos filmes futuristas que pululam nas telas de nossos cinemas nos últimos anos. Lembremo-nos de que o que foi ficção científica no começo do século faz, hoje, parte de nosso cotidiano mais corriqueiro – que o digam os livros de Júlio Verne.  

Com esse intróito, quero chamar a atenção das Srªs Senadoras e dos Srs. Senadores para um problema que afeta diretamente boa parte de nosso País e, por conseqüência, de alguma forma, todo o País: a desertificação de nossas regiões semi-áridas.  

E o que significa, então, essa desertificação?  

Em primeiro lugar, significa miséria ainda maior onde o Brasil já é bastante miserável. Em segundo lugar, significa perpetuação dessa miséria e seu alastramento para as regiões circunvizinhas. Ou seja, significa um processo que vai no sentido inverso do progresso que estamos querendo para o Brasil.  

Sr. Presidente, o processo de desertificação é um fato identificado pelos cientista desde os anos 30, quando violenta degradação dos solos nos estados de Oklahoma, Kansas, Novo México e Colorado, nos Estados Unidos da América, afetou área de cerca de 380.000 km 2. A partir de então, intensos estudos procuraram identificar os mecanismos de tal deterioração, até que a Organização das Nações Unidas – ONU chegou à definição de desertificação, tal como estatuída no capítulo 12 da Agenda 21, documento aprovado na Conferência do Rio de Janeiro, em 1992. Diz, pois, a Agenda 21: "desertificação é a degradação da terra nas regiões áridas, semi-áridas e subúmidas secas, resultante de vários fatores, entre eles as variações climáticas e as atividades humanas". Por degradação da terra, entenda-se a degradação dos solos, dos recursos hídricos, da vegetação e a redução da qualidade de vida das populações afetadas.  

No Brasil, o fenômeno diz respeito às regiões áridas, semi-áridas e de transição para outras categorias climáticas. A área atingida é de mais de 980.000 km 2, dividida em três categorias: muito alta susceptibilidade à desertificação, com 238.000 km 2; alta susceptibilidade, com 384.000 km 2; e moderadamente susceptível, com 358.000 km 2. As regiões mais sensíveis estão num polígono formado pelo norte da Bahia, leste do Piauí, sudoeste do Ceará e oeste de Pernambuco, além da região central da fronteira do Rio Grande do Norte com a Paraíba. Ao redor dessas áreas, situam-se as de alta e moderada susceptibilidade, englobando praticamente todo o Nordeste e o Norte de Minas Gerais, à exceção de parte da costa que se estende de Pernambuco ao Sul da Bahia.  

Mais grave do que áreas potencialmente degradáveis é o fato de que já é possível encontrar no Nordeste extensas áreas onde a degradação já é grave ou muito grave. Tais territórios têm seus solos, vegetação e recursos hídricos fortemente deteriorados, seja de modo difuso, seja concentrado. O Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal tem dados que indicam que 4 dessas áreas apresentam degradação tão intensa que já caracterizam os chamados núcleos de desertificação. São as localidades de Gilbués, no Piauí, Irauçuba, no Ceará, Seridó, no Rio Grande do Norte e Cabrobó, em Pernambuco. Esses territórios perfazem uma área de 19.000 km 2, ou seja, terras que equivalem a 90% da área do Estado de Sergipe.  

Sr. Presidente, na região atingida ou potencialmente susceptível à desertificação habitam cerca de 18 milhões de brasileiros, correspondendo a 42% da população nordestina. Tal contingente, historicamente o mais pobre do País, sofre, ainda por cima, as agruras da degradação de seu habitat. O processo de desertificação de sua região provoca impactos ambientais, sociais e econômicos fortíssimos.  

Os impactos ambientais podem ser vistos facilmente pela destruição da biodiversidade – flora e fauna, da diminuição da disponibilidade de recursos hídricos, através do assoreamento de rios e reservatórios, da perda física e química de solos. Todos esses mecanismos empobrecem o potencial biológico da terra, reduzindo a produtividade agrícola e, portanto, causando forte impacto sobre as populações.  

Os prejuízos sociais podem ser caracterizados pelas importantes mudanças sociais que a crescente perda da capacidade produtiva provoca nas unidades familiares. As migrações desestruturam as famílias e afetam negativamente as zonas urbanas, que, quase sempre, não estão em condições de oferecer serviços adequados às massas de migrantes que para lá se deslocam.  

Sr. Presidente, importa lembrar que a população da qual estamos falando, e que é tristemente afetada por esse fenômeno, é das mais vulneráveis do País, já que estão entre os mais pobres de uma região, cujos índices de qualidade de vida estão muito abaixo da média nacional.  

As perdas econômicas causadas pela desertificação também são de grande importância. Segundo metodologia desenvolvida pelas Nações Unidas, os prejuízos causados pela desertificação equivalem a US$ 250,00 por hectare em áreas irrigadas, US$ 40,00 por hectare em áreas de agricultura de sequeiro e US$ 7,00 por hectare em áreas de pastagem. Para o Brasil, segundo diagnóstico realizado pelo MMA, as perdas econômicas por desertificação podem chegar a US$ 300 milhões por ano. Os custos de recuperação das áreas mais afetadas alcançam US$ 1,7 bilhões para um período de 20 anos. Para um País em dificuldades como o Brasil, é muito dinheiro para ser perdido em um ano, e muito mais para ser gasto em trabalhos de recuperação, perfeitamente evitáveis.  

Fatores variados, ligados, sobretudo ao aumento da demanda por maior participação das comunidades do semi-árido no processo econômico, têm levado à aceleração e ampliação do processo de desertificação em nosso País. Formas inadequadas de manejo do solo, sobre-exploração dos recursos naturais, uso de modernos padrões tecnológicos por populações rurais despreparadas e de hábitos tradicionais, são alguns dos fatores diretamente associados à desertificação de nossas terras semi-áridas.  

Sr. Presidente, o tema desertificação vem sendo discutido pela comunidade internacional desde 1977, quando se realizou, em Nairobi, a Conferência Internacional das Nações Unidas para o Combate à Desertificação. De lá para cá, o Brasil, tem se tornado um membro ativo da comunidade que tenta combater esse flagelo. Todavia, não temos sido muito eficazes em nossa ação. A falta de decisão política e de consenso da comunidade científica nacional sobre o problema motivaram disputas conceituais e metodológicas, cuja conseqüência tem sido a dispersão de esforços e a formação de linhas de pesquisa insuficientemente claras e objetivas para bem direcionar o aporte de recursos e racionalizar a definição de áreas de estudo.  

Só agora é que começamos a dar os primeiros passos efetivos para o combate à desertificação. Necessário se faz, pois, que as diretrizes para a política nacional de controle da desertificação propostas para o Brasil sejam eficazmente implementadas e assumidas por todos os agentes sociais, institucionais ou não, quer eles estejam direta ou indiretamente envolvidos com o problema.  

Como todos sabem, a ocupação do Nordeste se fez a partir do litoral, em função da exploração de produtos extrativistas e da produção agrícola de exportação. A partir do século XVII o semi-árido nordestino começou a ser ocupado com a atividade pecuária. Presentemente, a agricultura no sertão nordestino se estrutura a partir da policultura de subsistência, da pecuária extensiva e de alguns pólos de agricultura irrigada. As atividades tradicionais vêm sofrendo constante retração de produção em função das adversidades climáticas, da perda de produtividade dos solos, gerando, em conseqüência, perda de competitividade nos mercados. As áreas irrigadas, supostamente as de mais moderna tecnologia, já apresentam sinais de salinização dos solos, fruto da falta de investimentos em sistemas de drenagem. Como sói acontecer em nosso Brasil, implantam-se soluções parciais, sem medir as conseqüências de médio e longo prazo. Irrigar solos frágeis sem drená-los, provoca rápida salinização do terreno, retirando-lhe toda a capacidade produtiva e gerando custos de recuperação extremamente elevados, vinculados a prazos de execução igualmente dilatados.  

Sr. Presidente, por tudo que expus até aqui, a necessidade da existência de uma Política Nacional de Controle da Desertificação é evidente, para que se possa alcançar o desenvolvimento sustentável das regiões sujeitas à desertificação e à seca. Para isso, é preciso formular propostas sérias e exeqüíveis para a gestão ambiental e o uso dos recursos naturais existentes na caatinga e áreas de transição, sem comprometê-los a longo prazo; formular propostas de curto, médio e longo prazo para a prevenção e recuperação das áreas atualmente afetadas pela desertificação; proteger os outros ecossistemas que interagem com o semi-árido, evitando sua degradação por contágio.  

Essas e outras medidas, preconizadas no documento do MMA sobre controle da desertificação, só serão eficazes na medida em que houver articulação entre as esferas federal, estadual e municipal de governo e as organizações sociais e populações locais.  

Alguns instrumentos já estão disponíveis, ou em elaboração, para viabilizar as ações de combate à desertificação: o Zoneamento Ecológico-Econômico do Território Nacional, a cargo da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, atualmente em curso; as leis necessárias à institucionalização da Política Nacional de Combate à Desertificação estão sendo objeto de preparação e deverão chegar em breve ao Congresso Nacional para apreciação.

 

De todo o modo, como todo projeto que envolve largas camadas da sociedade, só por meio de uma conscientização ampla desses setores é que será possível fazer uma política eficiente de preservação do semi-árido. Para fortalecer tal conscientização, já está disponível, inclusive na Internet, a Rede de Informação e Documentação sobre Desertificação – REDESERT.  

Sr. Presidente, o combate à desertificação deve ser feito com formas amplamente participativas, onde a sociedade civil organizada e as populações afetadas venham a ser atores e protagonistas do processo. As discussões com as populações locais e sua participação no processo têm sido estimulados, com resultados surpreendentes. Em resposta a essa ação, foi criado, no núcleo de Gilbués, um Conselho Municipal de meio Ambiente e uma legislação ambiental já foi aprovada pela Câmara Municipal.  

As preocupações da sociedade brasileira com o desenvolvimento do Nordeste, com iniciativas reais desde a década de 1950, devem incorporar este novo elemento muito específico: a preservação ambiental, englobando os cuidados na exploração e não esgotamento dos recursos naturais. É notório que o potencial de desenvolvimento da região semi-árida, que tem provado ser competitivo em muitas áreas, desgasta-se por falta de políticas adequadas de uso dos recursos naturais. Falta-nos, agora, encarar nosso futuro com os olhos da responsabilidade para com as gerações que nos sucederão.  

Sr. Presidente, neste caso cabe muito bem lembrar a fábula da formiga e da cigarra. Não nos comportemos como cigarras imprevidente para que nossos filhos não paguem o preço de um inverno sem amparo.  

Devemos interromper já o uso predatório da terra e de seus recursos e criar o hábito do uso que preserve o solo e de sua riquíssima capacidade de renovação.  

Era o que eu tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/11/1998 - Página 17327