Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO JORNALISTA VILLAS-BOAS CORREA PELO TRANSCURSO DE SEUS 75 ANOS.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO JORNALISTA VILLAS-BOAS CORREA PELO TRANSCURSO DE SEUS 75 ANOS.
Aparteantes
Benedita da Silva, Ronaldo Cunha Lima.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/1998 - Página 17462
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, VILLAS-BOAS CORREA, JORNALISTA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há 50 anos se iniciava no Brasil uma das mais brilhantes carreiras do jornalismo brasileiro e, hoje, considerado um dos verdadeiros oráculos da política nacional. Refiro-me ao jornalista Villas-Boas Correa, profissional consagrado e amigo pessoal, a quem o Brasil e o jornalismo brasileiro devem respeito e admiração. Como não poderia deixar de ser suas reflexões sobre a cena e os bastidores da intrincada política nacional, comemoram jubileu de ouro justamente num instante de agitada turbulência na história política brasileira.  

Coincidência ou não, sua postura se associa mais uma vez a um perfil maduro e sábio da consciência política nacional. E é claro que é a ele que recorremos para uma análise menos alarmista e mais ponderada sobre o quadro atual de nossos instituições democráticas. Menos catastrófico, sugere cautela nas avaliações e bom senso nas decisões. Nessa condição, não seria preciso mencionar que uma vez mais suas impressões e avaliações sobre a política nacional da atualidade se revestem de interesses socialmente legitimados e de valores eticamente impecáveis.  

Sua coluna nas páginas centrais do centenário Jornal do Brasil - matutino carioca de distinção na mídia escrita nacional - tornou-se, religiosamente, fonte de consultas para profissionais e leigos de nossa política. Leitura obrigatória, a coluna do Villas-Boas Correa não somente desvenda com paciência e lucidez o fio condutor explicativo dos fatos políticos, como também aponta, tal qual um autêntico profeta, inevitáveis, porém escamoteados, desdobramento de tais ações. Moralmente consistente em suas análises, define o lugar da ação política como arena pública, para o bom funcionamento da qual os meios de comunicação de massa não devem deixar de contribuir.  

Sr. Presidente, aliás, paciência, lucidez e sabedoria são qualidades que a ele não faltam, nem nunca faltaram. Mensageiro, sem se confundir com arauto de qualquer credo ou tendência, Villas-Boas Correa se destaca pela imparcialidade sem nunca perder a paixão e o encantamento pela palavra, pelo discurso que esclarece, que ilumina o entendimento e que se revolta contra a indecência do poder. Consciente do papel da imprensa e do articulista na ação e na formação da opinião pública, resiste a interpretações açodadas dos eventos políticos e desprovidas de uma contextualização histórica fundadora.  

Se bem recordarmos sua trajetória no ofício da redação jornalística - desenvolvida ao lado do sempre lembrado Carlos Castelo Branco, nosso saudoso Castelinho -, sua contribuição analítica de ordem política no JB tem expressado indiscutivelmente uma linha crítica sofisticada, cuja sintonia para lá de fina, evidencia a preocupação do pensador-escritor com o conteúdo e a forma do texto jornalístico. Ora, Villas-Boas Correa talvez seja um dos casos mais felizes de livre trânsito entre veículos de comunicação os mais diversos. Oriundo de uma geração de jornalistas educados e tarimbados no texto escrito da mídia impressa, o nosso homenageado operou com muita destreza a transição do texto jornalístico para o texto televisivo.  

Surpreendendo os mais tradicionalistas, sua transferência para a televisão quebrou tabus e definiu novo território de atuação para os jornalistas políticos. Na verdade, em vez de uma transição, como bem preferencialmente se diz, operou-se um competente processo de ampliação de linguagem para as condições do jornalismo de televisão, sem perder o compromisso da consistência e da seriedade normalmente atribuído à produção dos jornais impressos. Sem dúvida, Villas-Boas Correa hoje exerce sua função de analista político com tripla e notória articulação, a saber: na redação, na voz e na imagem.  

Com participação diária no Jornal da Manchete há mais de dez anos, conseguiu se integrar plenamente ao veículo televisivo, cujo bom convívio se explica pela sintonizada adaptação de texto à dinâmica televisiva de som e imagem. Suas intervenções, sempre pausadas e ritmicamente cadenciadas - conforme o tom da ironia que se deseja imprimir à interpretação do panorama momentâneo da realpolitik brasileira -, ganham significados para além da mera decodificação referencial. Curiosamente, o mais interessante é que o processo de produção televisiva acabou por afetar também a própria forma de leitura dos artigos de Villas-Boas Correa. Com a voz noturnamente emitida e registrada em nossa memória, a estrutura de significados do texto impresso fica automaticamente alterada pelo timbre e pelo ritmo sonoro que se acompanham em harmonia, ainda que silenciosos em nossa imaginação.  

Ou melhor, para o autêntico admirador, a escritura de Villas-Boas só se efetiva de fato à proporção que suas intervenções no papel e na tela se conjugam numa relação de complementaridade necessária e indispensável para o real entendimento dos fatos da política brasileira. Em suma, longe de ser tragado pela difusão massificada da televisão, a experiência no Jornal da Manchete serviu antes de tudo para aperfeiçoar a técnica e a sensibilidade do jornalista junto às práticas de interpretação dos movimentos da política brasileira.  

O Sr. Ronaldo Cunha Lima (PMDB-PB) - Nobre Senador Bernardo Cabral, V. Exª. me permite um aparte?  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Com muita honra, ouço V. Exª, Senador Ronaldo Cunha Lima.  

O Sr. Ronaldo Cunha Lima (PMDB-PB) - Senador Bernardo Cabral, nesta tarde, o Senado presta uma justa homenagem a um dos mais notáveis, percucientes e brilhantes jornalistas do País. E a homenagem mais se realça, porque ela é prestada pela voz de um dos mais notáveis homens públicos deste País, que é V. Exª . Pelo respeito que V. Exª merece nesta Casa, pela sua história, pelo jurista que é, pelo grande orador que é, esta homenagem tem um significado especial, da justiça com que ela é feita. V. Exª destaca as virtudes jornalísticas, as qualidades morais, éticas de um grande profissional da imprensa. Em verdade, Villas-Boas Correa merece esse testemunho público, pela forma perspicaz, honesta, profunda, serena com que, mesmo dando a sua conotação pessoal na interpretação dos fatos políticos, o faz para dignificar a função que exerce. No instante em que ele celebra esse jubileu, trago, modestamente, talvez empanando o brilho do seu pronunciamento, o modesto gesto solidário ao seu discurso e ao homenageado, na certeza de que esta Casa faz justiça, justiça essa realçada pela voz de quem a presta. Obrigado a V. Exª  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Senador Ronaldo Cunha Lima, só permito-me fazer uma retificação no aparte de V. Exª. Pena que eu não possa riscar o verbo que V. Exª usou, de empanar o brilho do meu pronunciamento, até porque V. Exª não empanaria brilho algum de discurso de qualquer companheiro. Se brilho houver, V. Exª o amplia; cresce não somente na inteligência, mas, na correção de que V. Exª, velho companheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, traz para esta Casa. Mas se é pela voz de um ex-governador, de um poeta, de um literato, que as achegas chegam a esse pronunciamento é evidente que já me sinto realizado.  

Amanhã é o aniversário natalício de Villas-Boas Correa, 75 anos de idade, num jovem que continua a exercer a profissão como se tivesse acabado de sair da Faculdade de Direito. Como ele próprio disse numa entrevista, foi para o jornalismo por causa de uma cesariana, cesariana que a esposa tinha que fazer para o seu filho Marcelo, e que ele se viu, de uma hora para outra, na contingência também de trabalhar na imprensa, para fazer ampliar os seus minguados recursos financeiros.  

Cinqüenta de jornalismo, 75 de idade, recebendo o aparte de V. Exª já me dou já por satisfeito de ter feito e estar fazendo esta homenagem. De ter feito para mim próprio o resgate de um débito. Lembro-me das conversas que tive com Villas-Boas Correa quando eu era Ministro da Justiça. Hoje retrato, neste pronunciamento, uma das mais lúcidas e inteligentes análises políticas da nossa Nação.  

A Srª Benedita da Silva (Bloco/PT-RJ) - Senador Bernardo Cabral, V. Exª me permite um aparte?  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Sr. Presidente, preciso falar mais a respeito de Villas-Boas Correa, mas não posso fazê-lo e não o faria se não ouvisse a Senadora Benedita da Silva.  

Concedo o aparte a V. Exª.  

A Srª Benedita da Silva (Bloco/PT-RJ) - Senador Bernardo Cabral, não sou dada a pedir apartes, para não quebrar não apenas o raciocínio, mas, também, o sentimento do orador, quando, da tribuna, presta uma homenagem dessa natureza. Mas, como bem disse o eminente Senador Ronaldo Cunha Lima, sendo V. Exª esse orador, fiquei tentada, pela homenagem devidamente prestada por V. Exª, a aparteá-lo. Desde já, quero desejar um feliz aniversário a Villas-Boas Correa, que é lembrado por uma pessoa que tem um conhecimento abalizado e uma modéstia e que sabe como homenagear e prestigiar. V. Exª sempre o faz, com sua elegância e com seu conhecimento. Neste momento, eu não poderia, de forma alguma, ao apartear, dizer que estou acompanhando o seu pronunciamento. V. Exª, com muita propriedade, destaca a serenidade de Villas-Boas Correa como crítico; quero dizer que ele é um crítico seguro. Villas-Boas Correa não se altera, mesmo quando está indignado. Senador Bernardo Cabral, é muito comum, principalmente na televisão, um jornalista falar a respeito de um determinado tema e nós nos identificarmos ou não com ele. Sempre dizemos: este jornalista está deste ou daquele lado. Quero crer que não somente eu, mas muitos de nós nunca sabem de que lado se encontra Villas-Boas Correa, porque, nas suas intervenções, nos seus pronunciamentos na televisão e nos seus escritos nos jornais, há um isenção total. Sendo do Estado do Rio de Janeiro, quis roubar desse brilhante discurso esse meu momento de aparte, porque lá também tivemos a oportunidade de vê-lo numa atuação cotidiana e de verificar o quanto ele é uma figura importante e experiente e um grande exemplo para o jornalismo no País, mesmo que algo tenha acontecido num momento de casualidade, como V. Exª aborda. Sem dúvida, ele é um dos melhores jornalistas do Brasil. Parabéns a V. Exª por essa iniciativa!

 

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Senadora Benedita da Silva, V. Exª homenageia um conterrâneo, uma vez que Villas-Boas Correa nasceu na cidade do Rio de Janeiro.  

Além da homenagem, V. Exª registrou o que me parece importante: o exemplo e a referência que ele pode representar para os jornalistas que estão no começo ou no meio de sua caminhada, numa hora em que é difícil adotar a postura por ele assumida de absoluto equilíbrio, sem fazer proselitismo. Não se sabe de que lado ele está, porque ele está do lado da informação e da correção. Se, eventualmente, algum inimigo, adversário ou, quem sabe, um desafeto desconhecido não quiserem tomá-lo como modelo, forçosamente haverão de ver nele um exemplo.  

Por isso, agradeço o aparte de V. Exª. Ele traz a nítida configuração de que, sendo da Oposição, como partido político, está sempre na linha da correção.  

Ao agradecer, Senadora Benedita da Silva, lembro que realmente V. Exª não é afeita a apartes, porque, se o fosse, em todos os instantes, estaria ofuscando o brilho dos seus companheiros que estão na tribuna, que, a meu exemplo, também se sentem ofuscados.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Villas-Boas Correa - vejam a coincidência - é filho de um juiz de direito cuja família traz proveniência do meu Estado do Amazonas e nasceu em 2 de dezembro de 1923 na cidade do Rio de Janeiro. Cumpre registrar, no entanto, que Luiz Antônio Villas-Boas Correa iniciou sua carreira de jornalista ainda quando cursava Direito na então Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, onde cavou - este é o termo mais apropriado - a oportunidade de redigir artigos no Crítica, pequeno jornal editado pelo Centro Acadêmico da Faculdade. Sua primeira experiência como profissional se deu mesmo na redação da Notícia, em 1948, sob indicação do sogro, o jornalista Joaquim Bittencourt de Sá. A propósito, quando alguém lembra ao Villas como ele se formou em jornalismo, o mais importante colunista político do Brasil responde: "Me formei em cinco segundos no curso de jornalismo daquele tempo. E foi assim que comecei no jornal".  

Logo em seguida, no momento em que firmou pé em definitivo no ofício da redação jornalística, chegou a se empregar no Tribuna da Imprensa, em O Dia e no Diário de Notícias, respectivamente, até encontrar o reconhecimento e a estabilidade no conceituado Estadão pelo período de 23 anos. Alguns estudiosos do ciclo Vargas, como bem afirma Jorge Baleeiro de Lacerda, grande escritor e poeta, em Os Dez Brasis, apontam Villas-Boas Correa como o mais destacado jornalista na cobertura da crise que culminou com o suicídio do Presidente Getúlio Vargas. Aliás, sobre tal episódio trágico de nossa história política, nosso homenageado profere hoje o seguinte pensamento: "Consensual é que, se o Getúlio não tivesse dado aquele tiro, ele viveria um calvário de provocações e de humilhações e seria arrastado ao galeão para depor".  

Essa foi uma espécie de premunição de Villas-Boas Correa, quando registrou o suicídio de Getúlio Vargas nessas circunstâncias. Se Getúlio Vargas não o tivesse feito - repito o que ele disse -, "viveria um calvário de provocações e de humilhações e seria arrastado ao galeão para depor".  

Sr. Presidente, por fim, contador de histórias políticas e de estórias sertanejas, Villas-Boas tem-se envolvido ultimamente em um outro gênero de narrativa, na narrativa de "causos", que se consumou na edição do livro Casos da Fa zenda do Retiro. Dotado de alto estilo literário, sua voz narrativa chega a ser comparada aos clássicos da literatura contemporânea brasileira.  

Pois bem, nessa nova fase literária, Villas-Boas demonstra tanta capacidade reflexiva e criativa quanto aquela já consagrada nos textos impressos e televisivos do jornalismo político. Seu lugar entre aqueles que descendem da linhagem de Machado de Assis está absolutamente assegurado no panteão brasileiro, seja pela tradição dos contos literários, seja pela competência das crônicas políticas. Portanto, graças a esses 50 anos de trabalho investigativo e sucesso analítico da política brasileira, merece nosso Villas-Boas Correa a saudação singela e unânime não somente desta Casa, mas sobretudo de todo o povo brasileiro.  

Por isso, meu amigo Villas-Boas Correa, parabéns.  

Sr. Presidente, Srs. Senadores, ao pôr um ponto final em meu pronunciamento, quero fazer um requerimento a V. Exª que sei que será deferido, porque também V. Exª é um literato. O requerimento é no sentido de que se faça chegar às mãos do nosso homenageado não só este pronunciamento, mas também os apartes que aqui o enriqueceram. Tão logo seja ultimada a publicação do Diário do Senado , pediria a V. Exª que fizesse um ofício encaminhando a matéria ao jornalista Villas-Boas Correa, como homenagem a quem completou 50 anos de jornalismo.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/1998 - Página 17462