Discurso no Senado Federal

CRITICAS AOS CORTES NO ORÇAMENTO DO MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE, RESULTANTES DE MEDIDAS DO AJUSTE FISCAL.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ORÇAMENTO.:
  • CRITICAS AOS CORTES NO ORÇAMENTO DO MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE, RESULTANTES DE MEDIDAS DO AJUSTE FISCAL.
Aparteantes
Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/1998 - Página 17465
Assunto
Outros > ORÇAMENTO.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, AJUSTE FISCAL, GOVERNO, PROPOSTA, ORÇAMENTO, REMESSA, CONGRESSO NACIONAL, PROMOÇÃO, CORTE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, DESTINAÇÃO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), PREJUIZO, PROGRAMA NACIONAL, BIODIVERSIDADE, MEIO AMBIENTE.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, quero me reportar às medidas do chamado ajuste fiscal, por meio das quais o Governo efetua uma série de cortes no Orçamento referentes aos mais diferentes setores e programas. Entre esses cortes, quero chamar a atenção para o drástico corte que se pretende fazer nos programas e no orçamento do Ministério do Meio Ambiente.  

As medidas do chamado ajuste fiscal, aliadas à última proposta de Orçamento enviada pelo Governo ao Congresso Nacional, acabaram promovendo um dos cortes mais radicais nos parcos recursos orçamentários que a área ambiental tem merecido em outros governos.  

O resultado desses cortes já se pode prever: será um golpe de morte em nossa já enfraquecida política ambiental. O Programa Nacional da Biodiversidade, Probio, teve o seu orçamento cortado em 87,5%. O PNMA, Programa Nacional do Meio Ambiente, que sustenta alguns dos mais importantes projetos ambientais do atual Governo, simplesmente foi cortado em 100%. A proteção de florestas tropicais ficará sem 74% daqueles recursos disponibilizados em 98. A manutenção de ecossistemas perdeu 48% de seus recursos As políticas integradas e a implementação da Agenda 21, assinada pelo Governo brasileiro durante a Eco-92, tiveram seus recursos reduzidos em 76%. No total, os gastos ambientais estão sendo reduzidos em cerca de 65%.  

Estou fazendo este registro, Sr. Presidente, por entender que, com essas medidas do Governo, alguns programas pioneiros considerados importantes, com certeza, não sobreviverão. A política ambiental, já fragilizada por uma série de problemas políticos e a ausência de um programa que dê conta dos inúmeros desafios que o País tem de enfrentar nessa área tão complicada mas tão necessária, com esses cortes, vê-se diante de uma situação, no mínimo, assustadora.  

O mais curioso é que, além de cortar recursos do Orçamento para 1999, o Executivo está cortando drasticamente as aberturas orçamentárias para o recebimento de doações resultantes da cooperação internacional a projetos ambientais e de apoio ao desenvolvimento sustentável.  

O Orçamento programado para o PP-G7, em 1999, seria de mais R$72 milhões, com cerca de R$9 milhões a título de contrapartidas. Após os sucessivos cortes promovidos pelo Ministério do Planejamento, esse valor caiu para cerca de R$7 milhões. Isso representa um corte total de aproximadamente 90%.  

Esse foi um outro golpe violento sobre os programas que incluem projetos de ação integrada dos governos estaduais da Amazônia: O PDA, que é uma carteira de projetos demonstrativos de ONGs e comunidades da Região Amazônica e da Mata Atlântica; o RESEX, para implementação de reservas extrativistas; e o PPTAL, que financia identificação e demarcação de terras indígenas.  

As organizações não-governamentais envolvidas nesses programas se perguntam por que o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso resolveu destruir justamente projetos que geraram bons resultados dentro de uma política ambiental e indígena ainda tão deficitária.  

Lembro-me que em uma reunião que tivemos no Estado do Amazonas, em Manaus, para avaliar as ações do programa-piloto, chegou-se à conclusão unânime de que a parte que estava funcionando do programa era exatamente a que estava sendo levada a cabo pelas organizações não-governametais, com uma repercussão muito positiva na questão indígena, principalmente no que se refere à demarcação de suas terras. E exatamente nesse setor, que envolve recursos provenientes da cooperação internacional, o Governo propõe drástico corte, com prejuízos até o presente incalculáveis.  

Na verdade, esses cortes consolidam uma tendência já insinuada pela propalada reforma ministerial: o Ministério do Meio Ambiente vai entrar para o rol das espécies em extinção no País. O que se ouve dizer é que a reforma ministerial prevê a transferência da Secretaria de Recursos Hídricos para o âmbito de um outro ministério. Isso quer dizer que, além dos cortes no Orçamento, o Ministério do Meio Ambiente deverá perder o seu filhote mais aquinhoado na distribuição dos recursos da pasta ambiental. Esse será outro golpe de morte no combalido Ministério.  

Ora, que obras de irrigação devam ser administradas por uma outra pasta, afeta à Infra-Estrutura ou à Agricultura, ninguém discorda. No entanto, retirar a gestão dos recursos hídricos da esfera ambiental é, no mínimo, uma daquelas insanidades próprias da política com "p" minúsculo, que muitas vezes é praticada no momento em que se está discutindo e definindo ministérios e ministros.  

Todos querem água - o setor elétrico, o urbano, o saneamento, etc. -, mas apenas ao setor ambiental cabe a definição de políticas adequadas para a conservação desse bem tão disputado e pouco protegido, que é a nossa água. Ousaria dizer que o Ministério do Meio Ambiente, que durante todos esses anos viveu praticamente sem pão, agora, Sr. Presidente, ficará também sem água.  

Alguém pode perguntar: "Mas as questões ambientais não seriam secundárias no momento em que o País se encontra mergulhado na recessão econômica e no desemprego em massa? Acontece que, hoje, as questões ambientais têm sido nominadas, cada vez mais, de questões sócio-ambientais, porque temos a clareza de que a defesa do meio ambiente, para ser feita de forma adequada, não pode partir de uma premissa meramente contemplativa, preservacionista, que não leva em conta os problemas sociais e econômicos por que estamos atravessando. Por isso, o conceito de sócio-ambientalismo tem dado respostas a todo esse desafio. Hoje, uma grande quantidade de pessoas, pesquisadores, ONGs e até mesmo setores ligados ao Governo incorporam essa variável, principalmente no que se refere às políticas públicas de desenvolvimento para a Amazônia.  

Hoje, quando tratamos de questões ambientais, não estamos falando dos jardins da praia de Copacabana, embora esses também mereçam atenção quando se investe no turismo da cidade do Rio de Janeiro, um dos principais geradores de emprego naquela cidade. Estamos falando do apoio a empreendimentos sustentáveis de comunidades em todo o País, que gerem renda e ocupação, que, com certeza, poderão contribuir para a diminuição da miséria, da pobreza e de inúmeras mazelas sociais que o nosso País vem enfrentando. Estamos falando da conservação de nossa mega-biodiversidade, de onde se retiram princípios ativos para remédios para câncer ou, quem sabe, Aids, ou ainda variedades raras de sementes essenciais para o melhoramento de nossa agricultura.  

Tenho a felicidade de ser a autora da lei que regulamenta o acesso aos recursos da nossa biodiversidade e, com certeza, essa lei também estará dando a sua contribuição para a nossa mega-biodiversidade se ela não estivesse tão vulnerável, mediante uma série de problemas, principalmente a frágil política ambiental que vem sendo levada a cabo.  

Estamos falando da proteção ao estoque de madeira, que já foi um dos principais itens da nossa exportação, em que pese a forma imprópria como tem sido explorada. Com um corte de cerca de 41% na fiscalização dessa exploração em 99, a tendência será entregarmos de bandeja esse patrimônio para a cobiça de madeireiros irresponsáveis, sejam asiáticos ou brasileiros. Estamos falando ainda da conservação de água potável, cuja falta ou deterioração tem sido a principal causa das doenças que afetam populações na cidade e no campo.  

Agora, justamente por considerar a situação econômica gravíssima em que estamos metidos, é que o Orçamento para 99 deveria garantir as devidas compensações sociais necessárias para evitar que os mais pobres passem à condição de excluídos, os trabalhadores a desempregados e a classe média aos novos "submergentes" da sociedade brasileira. E, ao contrário, o que se vê são mais cortes:  

Em saneamento, o corte chega a 68%; e abastecimento de água, 56%. A agricultura, já tão abandonada, especialmente quando se trata da agricultura familiar, perderá cerca de R$3 bilhões, ou seja, um corte de quase 32%. A reforma agrária, que tem sido alardeada como prioridade do Governo, terá os seus recursos reduzidos em 46,6%. Na educação, o ensino regular perderá R$540 milhões e os programas de erradicação do analfabetismo deixarão de receber R$21 milhões.  

Algumas dessas medidas poderão afetar em muito a nossa já tão combalida economia, com tantos problemas a serem enfrentados. Essas medidas, com certeza, terão implicação principalmente na ampliação da concentração do poder do Governo Federal, já que Estados e Municípios estão ainda mais frágeis. E isso é muito ruim, porque a partir do momento em que você volta ao velho modelo centralizador, onde o comando passa à esfera quase que única e exclusiva do Governo Federal, perdemos muito, principalmente os avanços que já havíamos obtido durante a feitura da Constituição, que deu aos Estados e Municípios maior autonomia. O agravamento da recessão econômica é também uma das conseqüências, lembrando ainda o caso da nossa Região Amazônica, que será muito prejudicada. Quero, aqui, citar casos como o do meu Estado do Acre, que depende de 90% de repasses da União, dos Estados de Roraima e Amapá, enfim, dos vários Estados da Amazônia que dependem de repasses da União, que, com esses cortes e com essas medidas, terão agravadas as suas mazelas sociais, econômicas e ambientais.  

Enfim, parafraseando uma das autoridades recentemente "grampeadas", o diretor do Banco do Brasil, na área ambiental, poderíamos dizer que o Governo resolveu ir ao "limite da irresponsabilidade" (Aliás, isso parece revelar uma verdade inquietante: a irresponsabilidade no Governo não se constitui num limite em si mesmo!), comprometendo toda a política ambiental e, principalmente, a própria sobrevivência das ações do Ministério do Meio Ambiente.  

Mas, em se tratando de meio ambiente, é bem verdade que, no jogo das verbas federais, a área ambiental nunca foi prioridade. Basta ver que mais da metade das despesas do Ministério são provenientes de doações de organismos multilaterais.

 

Afinal, um Ministério, que vivia a pão e água, agora deverá ficar, como falei anteriormente, sem uma gota d’água, enquanto o pão se desmancha sob cortes orçamentários devastadores, como diz Márcio Santilli, ex-Presidente da Funai.  

Portanto, Sr. Presidente, acho que as pessoas, lideranças e entidades que, no Brasil, têm-se dedicado à luta social e ambiental devem se preparar para um verdadeiro fim de milênio no próximo ano. Privilégio ou não, parece que caberá a nós equacionar uma parte dos efeitos apocalípticos que a humanidade vem prognosticando para esse período da história.  

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - V. Exª me permite um aparte?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Permito com muito prazer, Senador Josaphat Marinho.  

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - Nobre Senadora, o discurso de V. Exª tem dimensão nacional. V. Exª não reclama apenas quanto ao que diga respeito ao seu Estado ou a sua região, nem quanto a determinados problemas, como o do meio ambiente. Na verdade, os cortes no Orçamento estão atingindo todos os Estados, todas as regiões, todos os problemas do País. Isso é tanto mais lamentável porque indica a falta de planejamento do País. Como não há planejamento, não há prioridades; como não há prioridades, não há verbas predeterminadas para os diferentes problemas do País. Daí, então, verifica-se que sempre que ocorre uma dificuldade de qualquer natureza, o Governo poda o Orçamento. Poda como quer, poda como se lhe afigura adequado. O interesse geral é que não entra em linha de conta.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Agradeço o aparte de V. Exª e incorporo-o ao meu pronunciamento. Digo a V. Exª que a preocupação que em maior ênfase é colocada, no que diz respeito à área ambiental, com certeza não é secundarizada em função das outras pastas que também foram drasticamente prejudicadas. Tenho absoluta certeza, como V. Exª bem falou, que na ausência de um projeto político que contemple os mais diferentes aspectos da nossa economia e as mais diferentes formas de como essa economia deve se processar em nossas regiões é que ocorrem cortes sem critérios e até mesmo inexplicáveis. Na área da cooperação internacional, das agências multilaterais, por exemplo, o Governo promove cortes, deixando-nos privados inclusive da parceria através de doações para programas que se constituíam em ações muito importantes, como no caso do PPTAL, que tratava da questão indígena e sobre o qual era feita uma avaliação positiva tanto por parte de governos como por parte das organizações não-governamentais.  

Tenho certeza de que Chico Mendes, cuja ausência completa dez anos daqui a 21 dias, de onde estiver, deve estar alegre e triste ao mesmo tempo. Alegre com a vitória de nosso projeto no Acre, e triste ao vislumbrar o abacaxi de Tarauacá, que chega a pesar mais de 10 quilos e que teremos que descascar em 1999, na área ambiental.  

Tarauacá é um Município do meu Estado onde os abacaxis chegam a pesar mais de 10 quilos. E Chico Mendes deve, com certeza, estar comparando esses cortes no Orçamento da União na área ambiental a um duplo abacaxi de Tarauacá, que as pessoas responsáveis devem descascar. Digo devem porque não estou aqui me eximindo da responsabilidade com os problemas ambientais do meu País. No entanto, entre a retórica e a prática, a prática deixa 90% a desejar quando se observa o que está sendo feito na área ambiental, sem que tenhamos um Ministro como José Serra, por exemplo, que pelo menos soube gritar contra o corte de recursos na área da saúde.  

Muito obrigada.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/1998 - Página 17465