Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O POTENCIAL AGRICOLA DO CERRADO. O PAPEL DAS ONG NO CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO.

Autor
Odacir Soares (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
AGRICULTURA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O POTENCIAL AGRICOLA DO CERRADO. O PAPEL DAS ONG NO CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO.
Publicação
Publicação no DSF de 03/12/1998 - Página 17640
Assunto
Outros > AGRICULTURA.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, AGRICULTURA, BRASIL, INVESTIMENTO, REGIÃO, CERRADO, PAIS, PRODUTIVIDADE, GRÃO, FEIJÃO, MILHO, SOJA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), TENTATIVA, IMPEDIMENTO, DESENVOLVIMENTO, LAVOURA, SOJA, REGIÃO, CERRADO, BRASIL.

O SR. ODACIR SOARES (PTB-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil é um país abençoado em termos de recursos de terra para a produção agrícola. Dos 850 milhões de hectares que constituem a área geográfica brasileira, pouco menos da metade - 371 milhões - é de terra vocacionada para a agricultura. Países como o Chile (75,7 milhões de hectares) e Japão (37,2 milhões de hectares) não têm mais que 30% de suas terras em condições de produzir alimentos.  

A China um país de dimensão continental, um pouco maior do que o Brasil (952,7 milhões de hectares de terras), tem apenas 11% de seu território agricultáveis. Um detalhe importante a assinalar, em referência ao Brasil, é que os 371 milhões de hectares são classificados como de potencial agrícola bom ou regular, sendo aproveitáveis de imediato, sem a exigência de pesados investimentos na agricultura, tais como irrigação, drenagem, aplicação de calcário e fertilizantes.  

A região dos cerrados no Brasil, que ocupa uma área de grande expressão geográfica - 210 milhões de hectares - constitui-se, segundo o Prêmio Nobel da Paz, de 1970, Norman Borlaug, a última, grande e contínua fronteira agrícola do nosso Planeta. Os Estados brasileiros que possuem o ecossistema cerrados são: Goiás e Tocantins, na sua área total; parcialmente, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso. Os Estados de Rondônia, Amazonas, Roraima, Amapá e Pará também possuem áreas de cerrados, porém em dimensões mais diminutas.  

A ocupação humana dos cerrados, nos últimos quarenta anos, acelerou os processos impactantes sobre a região, devido ao aumento da densidade demográfica. A população da região Centro-Oeste, onde se localizam em maior expressão os cerrados, cresceu seis vezes entre 1950 e 1990, passando para cerca de dez milhões de habitantes, com uma densidade média de 6,6 habitantes/km².  

O crescimento, Sr. Presidente, não foi apenas vegetativo, mas resultou da intensa imigração, dobrando a sua participação relativa na população nacional (de 3,3 para 6,9%). É importante ainda assinalar que a população da região dos cerrados se apresenta altamente concentrada, com 80% vivendo em áreas urbanas.  

A área total dos cerrados, de aproximadamente 210 milhões de hectares, já sofreu processo de antropização em cerca de um terço, ou seja, 70 milhões de hectares. O impacto sobre o ecossistema cerrados pode ser constatado através dos seguintes elementos:  

a) - Grandes Projetos Agropecuários. Desmatamento de áreas nativas e grandes queimadas; drenagens, erosão, alteração da vazão dos cursos d’água e assoreamento. Monocultura extensiva que redunda em desequilíbrio ecológico; uso de grandes quantidades de agrotóxicos, causando a poluição das águas e o uso de mecanização agrícola intensiva do que resulta a compactação dos solos.  

b) - Expansão Urbana Desordenada. Destruição de nascentes de cursos d’água que formam a bacia do Pantanal; destruição da paisagem; poluição por falta de saneamento básico; destruição de rede de drenagem; abertura de cascalheiras; áreas de extração de areia, estradas, cortes de morros, aterros e drenagem, voçorocas.  

c) - Invasão de Reservas Indígenas. Impacto cultural e social sobre as populações índigenas; desmatamento.  

d) Garimpo de ouro e pedras preciosas. Erosão, assoreamento e contaminação dos cursos d’água; impactos sócioambientais.  

e) - Indústrias de Transformação. Destruição de cavernas calcárias para a produção de cimento e calcário agrícola. Desmatamento para produção de carvão vegetal.  

Sr. Presidente, a listagem de danos possíveis causados ou a causar ao ecossistema dos cerrados brasileiros foi sintetizada a partir de uma publicação da EMBRAPA- Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, intitulada "Atlas do Meio Ambiente do Brasil".  

O compromisso da publicação da EMBRAPA, conforme está explicitado na Apresentação do Atlas, foi o de colocar nas mãos dos estudantes que se estão iniciando nos conhecimentos formais do ensino fundamental e médio um instrumento que permita, mais do que dados atualizados sobre questões ambientais, fazer uma leitura que, situando o Brasil em relação aos demais países do mundo, permita fugir "... da pseudo-neutralidade a que, convencional e lamentavelmente, ainda está limitada grande parte dos textos didáticos e paradidáticos em nosso País".  

O governo espera que o Brasil colha 100 milhões de toneladas de grãos na virada do milênio. Isso significaria um crescimento de 25% em relação à última colheita. Essa proeza, em termos relativos, seria considerada um acréscimo de 20 milhões de toneladas na produção atual que é da ordem dos 80 milhões de toneladas e não passa de uma bagatela diante do potencial produtivo de que dispõe o país no ecossistema dos cerrados.  

Os estudiosos da agricultura brasileira, Sr. Presidente, possuem uma opinião consensual de que quando a agropecuária brasileira conseguir se desvencilhar das limitações a que está submetida hoje - situação de crise, mercado interno restrito, barreiras alfandegárias no exterior, taxas de juros altas, insuficiente e/ou precária infra-estrutura de transporte e armazenagem - a caminhada rumo aos cerrados tomará corpo, aumentará em forma exponencial.  

A dimensão geográfica do ecossistema dos cerrados, 210 milhões de hectares, possui 127 milhões (60,5%) aráveis. Essa área corresponde à de oito países europeus reunidos: Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Holanda e Bélgica.  

Durante muito tempo, a região dos cerrados permaneceu pouco explorada. Até serem desenvolvidas pela EMBRAPA as tecnologias que permitiriam o avanço sobre a nova fronteira. Essas novas tecnologias estão suficientemente testadas e aprovadas. As atividades agropecuárias ocupam de 10 a 12 milhões de hectares dos cerrados. Isso corresponde de 17 a 20% da área total cultivada no Brasil, que está estabilizada em torno de 50 milhões de hectares.  

Os cerrados respondem hoje por 25% da produção de grãos e apascentam 43% do rebanho bovino brasileiro. Os índices de produtividade estão próximos da média brasileira. Observam-se, contudo, ganhos expressivos nas propriedades administradas por bons produtores.  

Nos testes conduzidos pela pesquisa e experimentação, com o melhor da técnica, o rendimento das lavouras é mais promissor ainda. No ANEXO Nº 01 "Cerrados: Celeiro em Potencial", apresentam-se informações sobre produtividade dos cultivos de arroz, feijão, milho e soja, comparando-se os patamares de produtividade da média geral do Brasil, com os índices alcançados nos cerrados para rendimentos médios, bons produtores e rendimentos alcançados em pesquisas conduzidas pela EMBRAPA.  

Uma anotação importante para o conhecimento desta Casa é a de que a sojicultura está se transferindo das áreas tradicionais de clima temperado, para as áreas mais quentes, para as áreas dos cerrados. Na safra de 1970, a área de plantio, na região tradicional do cultivo do soja (Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo), era de 1.303.500 hectares, com uma produção de 1.487.900 toneladas e uma produtividade de 1.140 quilos/hectares. Na região de expansão do cultivo (cerrados), a área colhida foi de 15.300 hectares e arrojou uma produção de 20.600 toneladas, com uma produtividade de 1.346 quilos/hectare.  

Na safra 1985, a área colhida havia crescido no setor tradicional para 6.752.200 hectares, com uma produção de 11.648.400 toneladas, e uma produtividade de 1.720 quilos/hectare. Nas áreas de cerrados, o plantio evoluíra para 3.400.000 hectares, com uma produção de 6.630.000 toneladas e uma produtividade de 1.950 quilos/hectare.  

Na safra 1992, na área tradicional, o plantio/colheita involuíra para 5.365.000 hectares, com uma produção de 10.385.400 toneladas, e uma produtividade de 1.930 quilos/hectare. Na área dos cerrados, o plantio evoluíra para 3.758.000 hectares, com uma colheita de 8.790.000 toneladas e uma produtividade de 2.340 quilos/hectare.  

QUADRO 01  

CERRADOS CELEIRO EM POTENCIAL  

 

CULTURA 
BRASIL 
  
 
CERRADOS 
  
 
  
 
  
 
Média 
Bons Produtores  
pesquisa 
Arroz 
1,7 
1,2 
3,1 
4,8 
Feijão 
0,4 
0,4 
2,0 
4,0 
Milho 
2,0 
2,0 
7,6 
13,0 
Soja 
1,8 
2,0 
4,0 
5,0 

Fonte EMBRAPA  

Esses resultados favoráveis, Sr. Presidente, ao crescimento do cultivo do soja na área dos cerrados, ao lado de sua maior produtividade, deve-se à contribuição da EMBRAPA, com a colocação de cultivares de "soja tropical" , que, inclusive, tem um maior teor de óleo em seus grãos.  

O pesquisador Carlos Magno Campos da Rocha, chefe-geral da EMBRAPA/ CPAC- Centro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados, em Planaltina, D.F., apoiando-se em algumas projeções sobre o potencial produtivo da região, na hipótese de os 127 milhões de hectares aráveis serem aproveitados integralmente, supõe que 55 milhões de hectares sejam ocupados por lavouras de grãos de sequeiro, com produtividade média ao redor de 3,2 toneladas por hectare. Nesse contexto, as colheitas renderiam 176 milhões de toneladas.  

Outros 10 milhões de hectares poderiam ser irrigados - existe água suficiente para isso. Com rendimento médio de seis toneladas por hectare, seriam mais 60 milhões de toneladas de grãos. Uma parcela de 55 milhões de hectares ficaria com boiada, produzindo 200 quilos/hectare/ano, num total de 11 milhões de toneladas.  

Finalmente, diz Carlos Magno Campos da Rocha, sete milhões de hectares sobrariam para a fruticultura. Com uma produtividade média de 15 toneladas por hectare, a produção anual totalizaria 105 milhões de toneladas. Somando tudo, dá 352 milhões de toneladas de comida, suficientes para alimentar pelo menos igual número de pessoas, de acordo com os padrões de consumo dos países desenvolvidos.  

Com a elevação dos níveis de produtividade até os patamares já observados pela pesquisa, o limite da produção seria muito aumentado. "Chegaríamos com facilidade aos 500 milhões de toneladas" , diz o chefe-geral da EMBRAPA/CPAC. Como se trata de um exercício teórico do pesquisador, os conservacionistas poderão dormir sossegados.  

Na realidade, Sr. Presidente, os conservacionistas estão longe de dormir sossegados. Segundo denúncia feita em artigo assinado, intitulado "Campanha Contra os Cerrados", publicado na "Gazeta Mercantil" de 29 de junho de 1998, o engenheiro agrônomo, PhD, Ady Raul da Silva, membro titular da Academia Brasileira de Ciências, afirma que o desenvolvimento alcançado em áreas de cerrado, como o caso de Rio Verde, Goiás, vem sendo hostilizado e dificultado por ambientalistas, na maior parte, membros de ONG’s-Organizações Não Governamentais orientadas, criadas e sustentadas principalmente por fundos de instituições e até de governos de países de Primeiro Mundo, inclusive com recursos do Governo Brasileiro, para essa finalidade.  

A ação das Organizações Não Governamentais, segundo a denúncia de Ady Raul da Silva, tem sido especificamente contra a soja por ser esta a ameaça mais imediata. Em termos gerais, argumentam que a utilização dos cerrados constitui uma ameaça à biodiversidade.  

Sr. Presidente, o que é prática nos Países do Primeiro Mundo, estabelecer Parques Nacionais, Reservas Biológicas, Áreas de Preservação da Natureza, Florestas Nacionais e Reservas Indígenas, o Brasil vem fazendo de forma continuada. Exemplifico o caso de meu Estado. Rondônia, tem uma área total de 243.949 km², - o que corresponde a 24,4 milhões de hectares, 56% dessa área estão, em princípio, destinados à implantação de Unidades de Conservação e Áreas Indígenas, sob o manto do Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia-PLANAFLORO.  

As Áreas Indígenas representam 22% da área total do Estado de Rondônia, as Unidades de Conservação de Uso Direto, outros 22% e as Unidades de Conservação de Uso Indireto, 12%. O que sobra, figurando como "demais áreas do Estado", alcança 44% da área territorial de meu Estado, ou seja, 10,15 milhões de hectares. Tomando-se em consideração o que determina o Código Florestal, Lei nº 1.771, de 15 de setembro de 1965, na Região Amazônica, deverá o proprietário manter intactos 50% da área total de sua propriedade.  

Resulta, então, Sr. Presidente, que ao Estado de Rondônia estará facultado dar utilização produtiva, dentro dos moldes usuais de exploração, tão somente à metade dos 10,15 milhões de hectares, ou seja, cinco milhões de hectares. Com a edição da Medida Provisória 1511, nas propriedades onde a cobertura arbórea se constitui de fitofisionomias florestais, não será admitido o corte raso em pelo menos OITENTA POR CENTO dessas tipologias florestais. Rondônia ficou com uma área para utilização produtiva de 20% dos 10,15 milhões de hectares, ou seja, DOIS MILHÕES DE HECTARES. É Rondônia sem terras...  

Em sua denúncia, o engenheiro agrônomo Ady Raul da Silva verbera a posição de ONG’s ambientalistas, acusando-as de não serem coerentes com a preservação do meio ambiente por se posicionarem contra a construção e utilização de hidrovias, principalmente daquelas que barateiam o escoamento das safras de soja e de outros produtos dos cerrados como a Tocantins-Araguaia, a Teles Pires-Tapajós, a Paraná-Paraguai e a Madeira-Amazonas.  

O objetivo das Organizações Não Governamentais, Sr. Presidente, não é proteger o meio-ambiente, é atender os interesses dos nossos concorrentes, dificultando o nosso desenvolvimento.  

Proponho-me em próximas manifestações aprofundar a discussão do potencial produtivo de áreas de cerrados como as de Barreiras, na Bahia, Balsas, no Maranhão, e Chapada dos Parecis em Mato Grosso e Rondônia. Da mesma forma, buscarei aprofundar a discussão do papel da Organizações Não Governamentais no contexto do desenvolvimento.  

De um lado, esses novos empreendedores compartilham de uma certeza: a integração de governos democráticos com a iniciativa privada e com uma sociedade civil altamente organizada em ativas e influentes ONG’s é que pode viabilizar o desenvolvimento economicamente viável, socialmente justo, ambientalmente sustentável, culturalmente adequado.  

De outro lado, há os que entendem que as Organizações Não Governamentais destroem as nações. Muitas ONG’s, voltadas para a prestação inovadora de serviços públicos, já substituíram ou podem vir a substituir a atuação estatal. Ou seja, essa política pretende criar agências executivas, trocar o Regime Jurídico Único-RJU pelo contrato de gestão, pavimentando o caminho das ONG’s nos serviços públicos. O saldo seria um rastro de destruição, comprometendo a soberania das nações aprisionadas.  

Muito obrigado.  

 

 ®


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/12/1998 - Página 17640