Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O MOVIMENTO 'O GRITO DAS AGUAS', REALIZADO NA PARAIBA, EM VIRTUDE DA SECA QUE ASSOLA O NORDESTE. FAVORAVEL A TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO.

Autor
Ronaldo Cunha Lima (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ronaldo José da Cunha Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O MOVIMENTO 'O GRITO DAS AGUAS', REALIZADO NA PARAIBA, EM VIRTUDE DA SECA QUE ASSOLA O NORDESTE. FAVORAVEL A TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/1998 - Página 17513
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, MUNICIPIO, CAMPINA GRANDE (PB), ESTADO DA PARAIBA (PB), REIVINDICAÇÃO, PROVIDENCIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, SECA, REGIÃO NORDESTE.
  • COBRANÇA, GOVERNO, EXECUÇÃO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, SECA, REGIÃO NORDESTE.

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em solidariedade ao Grito das Águas, que hoje ecoa em Campina Grande, em forma de movimento suprapartidário, faço este pronunciamento que denomino de "3 SEIS, 3 SETES, 3 OITOS E 3 NOVES"

No meu Nordeste, o homem do campo tem suas crendices, suas superstições e suas sabedorias. Ele ainda acredita em botija e no mal-assombro. É prevenido na sexta-feira treze e não toma banho na quarta-feira de trevas . É intuitivo em sua sabedoria e quase vidente em suas previsões. Maltratado pela natureza, aprendeu a conviver com ela, tirando lições dos seus fenômenos e dos seus mistérios. O trovão é o pai da coalhada. O arco-íris é o limite entre o belo e o triste : a beleza das cores que se misturam e a tristeza do sonho da chuva que não vem mais. Acredita nas plantas e crê nas aves. O leite do pinhão mata veneno de cobra. A casca do angico estanca hemorragia e o ramo da arruda cura mau olhado. O canto da acauã prenuncia seca. A asa branca anuncia chuva e o carão festeja o inverno . Há, também, os pássaros de canto agourento, como na letra de Zé Dantas, cantada por Luiz Gonzaga: A coruja, a mãe da lua, a peitica e o bacurau

Em sua crendice chega a ser místico. Supersticioso, se mostra ingênuo. E em sua sabedoria chega a ser desconfiado. Não acredita que o homem tenha ido à lua. Se for não volta, e se voltar é porque não foi.  

É manso no falar, mas valente no agir e ágil no raciocínio. E é afirmativo. Tão afirmativo, que até para negar usa o "não" duas vezes.  

Conta-nos Ariano Suassuna, o extraordinário Ariano Suassuna, que certa vez um sociólogo foi a Taperoá, na Paraíba, sua terra natal, para realizar uma pesquisa sócio-cultural. Queria medir o nível de conhecimento do homem do povo, naquela região. Encontrou um vendedor de peixes com seu balaio cheio de tilápias, curimatãs, tucunarés, caraopebas e traíras. Passou a entrevistá-lo:  

– O senhor sabe onde fica o Distrito Federal?  

– Eu não sei não, senhor.  

– O senhor sabe o nome completo do Ministro da Educação?  

– Eu não sei não, senhor.  

– O senhor sabe a cotação do dólar?  

– Nem sei o que é dólar, nem sei o que é cotação.  

– Então o senhor é ignorante mesmo, não é?  

O vendedor de peixes não se deu por vencido. Puxou uma tilápia e perguntou:  

– O senhor sabe que peixe é este?  

– Não sei, respondeu o sociólogo-entrevistador.  

– O senhor sabe que peixe é este?, perguntou outra vez o vendedor, exibindo uma curimatã.  

– Não sei, respondeu o sociólogo.  

– E o senhor sabe que peixe é este?, perguntou pela terceira vez o vendedor, exibindo agora um tucunaré.  

– Não sei, de novo respondeu o sociólogo.  

– Pois é, seu moço, concluiu o vendedor. Cada quá com a sua ignorância!  

Suas crendices, suas superstições e sua sabedoria, ele as concentra de uma só vez em sua preocupação com a água, que quase sempre lhe falta, porque a chuva nem sempre vem. A água é sua fortuna e a seca, seu infortúnio. A chuva, ele a espera até o dia de São José. Não chegando, não planta mais. Os ninhos do "fura-barreira" e do "joão-de-barro", a festa das tanajuras, o vôo das saúvas e o esconderijo dos marimbondos são acontecências e são referências; são indicadores de chuva ou sinais desalentadores de seca. Há, também, os adivinhos ou adivinhões, verdadeiros profetas, respeitados pelos acertos de suas previsões. São histórias fantásticas, pelas coincidências ou pelas fatalidades.  

Em primoroso artigo publicado na Folha de S.Paulo , em março deste ano, o notável poeta Gerardo de Melo Mourão nos narra uma delas. É a impressionante história dos 3 seis, dos 3 setes, dos 3 oitos e dos 3 noves. O seu Né, de Águas Claras, era um adivinhão infalível e ele sentenciava que "a repetição de três números no calendário é sinistra e fatal". Em 1666, houve uma grande seca. Em 1777, houve uma seca maior ainda. Maior do que a seca de 1777 foi a seca de 1888. Mas o seu Né vaticinava que a seca pior, a do fim do mundo, é a que vai chegar com 3 noves, em 1999. Nesses 3 noves, segundo a previsão de seu Né, "o sol vai virar dragão e secar tudo: a água dos rios, o leite das cabras e o útero das mulheres".  

É ainda de seu Né, segundo o poeta Gerardo de Melo Mourão, a advertência final: "Se os governos não acabarem com a seca, a seca acabará com os governos na seca dos 3 noves. E quem viver verá."  

E eu estou com medo das previsões do seu Né.  

Na Paraíba, por exemplo, 70% dos açudes já estão secos, e não se tem notícia de chuvas ou de alguma providência objetiva e concreta. O que o seu Né dizia, os técnicos e cientistas já dizem. Desde 1996 vêm anunciando uma longa estiagem no Nordeste. Relatórios são divulgados, advertências são feitas, sugestões são propostas, apelos se renovam, gritos se sucedem, e a previsão macabra continua.  

É bom lembrar que faz cem anos que prometeram a transposição das águas do São Francisco, e o nordestino ainda confia na promessa. Se ele é fiel ao que diz, acredita no que lhe dizem, principalmente no que lhe prometem.  

Essa promessa eu a tenho cobrado aqui, com insistência, mas com paciência, com perseverança e confiança.  

Pedi, em nome dos nordestinos, ao Presidente da República a transposição das águas do São Francisco. Sei que Sua Excelência vai nos atender. Pedi à Bancada paraibana no Congresso, em nome dos nordestinos, apoio para uma emenda ao Orçamento em favor da transposição. Continuarei pedindo pelos nordestinos que, em sua crença, já pediram o São Francisco até a São José.  

Queira Deus que seu Né, antes infalível, erre pela primeira vez em suas previsões, e que suas previsões e a repetição dos 3 noves no calendário seja só superstição. Queira Deus que possamos passar pela prova dos noves, aliás, dos 3 noves, jogando esses noves fora, para saudar o terceiro milênio com as águas do São Francisco, fazendo festa nos leitos secos dos rios que, durante cem anos, esperaram pelo seu abraço.  

Não importa que, em vez da ASA BRANCA, seja um TUCANO que anuncie o advento desse novo tempo.  

Queira Deus.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/1998 - Página 17513