Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO EX-DEPUTADO FEDERAL CARLOS DE BRITTO VELHO.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO EX-DEPUTADO FEDERAL CARLOS DE BRITTO VELHO.
Publicação
Publicação no DSF de 04/12/1998 - Página 17756
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, CARLOS DE BRITTO VELHO, EX-DEPUTADO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Para encaminhar votação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, não tenho a menor dúvida de que se trata da pessoa mais digna e correta que conheci ao longo de minha vida.

Figura extraordinária foi Carlos de Brito Velho, um dos homens mais brilhantes e cultos do Rio Grande do Sul. Médico, maragato, Deputado Estadual - fruto muito de seu trabalho - fez uma autêntica revolução na Assembléia Constituinte do Rio Grande do Sul.

Estabeleceu-se na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, na Constituinte estadual, na Constituição de 1947, o Parlamentarismo, que veio a ser derrubado por Walter Jobim no Supremo. Mas ele assinou a carta parlamentarista.

Deputado Federal, destacou-se na Câmara pela sua bravura, pelos seus repentes, mas de um modo especial, pela sua cultura, pela sua seriedade e grandeza.

Um homem de fé, cristão, católico fervoroso, que buscava a verdade, um homem extraordinariamente voltado para acertar.

Brito Velho, eu me lembro, vencedora a Revolução de 64, nós do Rio Grande do Sul viemos a Brasília, apavorados. Em virtude de os governadores da época, com base em ato institucional, demitirem os funcionários públicos estaduais, os diários oficiais apareciam com listas e mais listas de demissão. Qualquer governador pura e simplesmente demitia quem bem entendesse.

Deputado Sigfried Houses, Deputado Aldo Fagundes e eu viemos a Brasília. Naquela época tumultuada, negra, difícil, em que não se sabia com quem falar e a quem se dirigir, fomos a Brito Velho.

Na mesma hora, do seu gabinete, telefonou a esta figura que conheci, também fantástica e extraordinária, o Ministro da Justiça, Sr. Milton Campos. Fomos lá, fizemos a exposição, Milton Campos ficou estarrecido: “Não foi para isso que fizemos a Revolução, não é este nosso objetivo, não é isto que queremos. Deixem que eu resolvo!”

Na Voz do Brasil do mesmo dia, saiu um ato complementar, determinando a obrigatoriedade de que alguém que tivesse algum pecado, alguma questão a ser resolvida que apresentasse denúncia à Procuradoria, fossem dadas as causas pelas quais era processado, fosse dado amplo direito de defesa e, depois, houvesse o julgamento.

Brito Velho era isso. Ele foi uma dessas pessoas. Tenho dezenas de cartas. Ultimamente, lá no veraneio de Torres, no alto exílio, ele e a querida companheira de mais de 50, 60 anos, passavam o dia escrevendo cartas ao Presidente da República, ainda que adversário, e a amigos. Eu era um deles.

Nas horas mais difíceis, já estava acostumado a receber cartas de Brito Velho. Vou ler uma delas, a que recebi no dia 27 de setembro de 1996, em homenagem inclusive a V.Exª.

”Meu querido Senador Pedro Simon e Edison Lobão:

O Sr. Luis Gonzaga Brandão Filho foi quem me solicitou uma apresentação ao Senador Pedro Simão. Minha experiência me ensinou que é um bom homem, ainda que ele seja espírita. Mas, mesmo assim, é um bom homem. Por isso, falo sobre ele. O cidadão cujo nome escrevi acima é dirigente de uma obra do espiritismo, uma obra de caridade aqui em Torres. Envia correspondências e os documentos com o fito de obter auxílio para a obra planejada. Com o espiritismo nada tenho em comum. Sou católico apostólico romano, praticante, pecador, muito pecador, mas fervoroso defensor dos princípios da nossa Igreja.

Quando da Revolução de 1964, fui um dos que foi para o Palácio do Governo, que encontrei vazio. João Goulart já havia saído. No dia anterior, pela madrugada, eu havia apanhado o Deputado baiano e comunista Fernando Santana, homem admirável por sua dignidade a amor ao próximo, mesmo não sendo católico, mas fiel aos ensinamentos da verdade e da justiça.

Receoso eu estava de que o matassem, levei-o para meu apartamento na Super Quadra 105. Dei proteção a ele e a um operário, pelego, a quem eu já havia espinafrado, mas que aprendi a respeitar.

O Adauto Lúcio Cardoso, saudoso amigo e que já deve estar no céu, tantas eram as suas virtudes, foi um dos que me apresentou. Chegando em casa com o Fernando Santana e com o referido operário, disse ao amigo:

“- Estás, agora, na casa de um gaúcho. Para nós, o hóspede é sagrado. Daí a pergunta que lhe faço: caso a polícia apareça, queres reagir? Por que, se assim for, eu também entrarei na luta, a teu lado.” O bom Fernando me disse:

“- Está louco? Não quero reagir. Estou disposto a me entregar. Isto, e nada mais.”

O metalúrgico, um sujeito que sofria muito. Por isso, não podia ficar muito tempo enclausurado na sala, saiu e terminou por ser preso. O Fernando, em momento oportuno, o levei e o refuguei na Embaixada da Iugoslávia. Depois, levaram-no para Praga. Como nada podiam dizer contra ele, porque nada existia, pois que nunca fez nada contra ninguém, tomou a decisão de voltar ao Brasil e se entregou à Polícia do Rio de Janeiro. Assim fez e, dias depois, foi mandado para São Salvador, onde reassumiu sua função de engenheiro junto a seus irmãos.

Há pouco tempo descobri seu endereço e logo lhe escrevi uma cartinha aqui de Torres. Não imaginava uma resposta de Gerônimo. A carta veio, patética, e me fez chorar. Entre outras coisas, perguntou-me: “Brito, será que eu sou cristão sem saber”? Chorei muito, comovido. Fiquei com a sua tremenda pergunta. Respondi-lhe usando uma série de reflexões. Em uma das cartas, pedi ao Arcebispo Dom Lucas que lhe falasse. Infelizmente, a carta se extraviou.

Sr. Presidente, esse é o modelo das cartas que recebia de Brito Velho. Ele me diz ainda que, antes de me mandar a carta pedindo um auxílio para uma obra espírita, ele foi ao seu confessor. Esse lhe disse que poderia pedir, já que não haveria problema, porque a bondade e a caridade se fazem em qualquer religião. Por isso, ele escrevia a carta. Esse tipo de carta, esse tipo de grandeza, esse tipo de beleza era o Brito Velho. Há trinta anos, eu, seu discípulo, às vezes, morria de vergonha, porque, na Rua da Praia, quando ele vinha, ele nos abraçava e nos beijava nas duas faces. Era homem de uma pureza fantástica; era homem de uma grandeza fantástica; era homem de uma espiritualidade extraordinária. Seu instinto, porém, era de violência. Quando ficava magoado, quando era contra alguma coisa, gritava, protestava, berrava. Houve uma oportunidade em que, no recinto da Assembléia, ele se ajoelhou e pediu perdão a Deus por aquela explosão que era da natureza dele, mas contra a qual ele lutava a vida inteira.

Sr. Presidente, em Torres, naquele seu auto-exílio, onde dezenas e dezenas de líderes, até do Brasil, iam vê-lo, quando eu ia visitá-lo, lá estava ele, lendo, lendo, rezando, rezando, rezando, refletindo e, diariamente, escrevendo cartas. Às pessoas que ele conhecia e que via com problemas, ele escrevia: ”Meu caro deputado, meu caro fulano, estou vendo agora o que está acontecendo contigo. Quero levar-te uma palavra de carinho, um conselho”. E vinha ele com suas reflexões.

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - Permite V Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Um momento, Senador.

Sr. Presidente, juro por Deus, ele atingiu o máximo da espiritualidade. Há dois anos, perdeu a esposa. Os dois viviam permanentemente juntos. E ele, se contorcendo em dor, dizia: “É o sinal que Deus me dá de que vai me chamar. Mas é a obrigação que tenho de pagar, e Ele me determina o máximo do meu sacrifício: esse tempo que eu vou ter de sobreviver sozinho”.

Sr. Presidente, íamos lá para ficar com ele, e parecia que ao redor dele havia a figura de um misticismo do Espírito Santo, dons de superioridade, dons de algo que ia além do natural. Por amor de Deus! A maneira dele falar e a grandeza, a singeleza, a pureza do que ele falava tudo era fantástico.

Vou lhes dizer do fundo do meu coração. Brito Velho foi um grande médico, um grande professor. Ele renunciou ao cargo de Deputado Federal quando o Congresso foi fechado. Fechado o Congresso, esperou nove meses, após o que escreveu uma carta: “Renuncio à deputação federal; renuncio porque nove meses é o espaço necessário para nascer uma criatura humana; fora disso, estamos no terreno do zoológico”.

Deixou de ser deputado, e o afastaram da cátedra em represália a sua renúncia. Ele aceitou com humildade. Insistimos para que se candidatasse novamente, fazendo inclusive um dramático apelo. Ele negou alegando que essa parte de sua vida já estava encerrada e que, doravante, se dedicaria à reflexão, ao estudo e à purificação da sua alma.

Observe, Sr. Presidente, a vida de monge, singela, que ele levou, e a purificação que fez em seu espírito, em sua alma e em seu sentimento. Perceba sua grandeza ao escrever, diariamente, três cartas a pessoas que dele precisavam. Veja o bem que ele fez a mim ao me enviar suas cartas nas minhas horas mais dramáticas no âmbito pessoal ou político - como ocorreu com tanta gente que conheço.

Morreu Brito Velho. Mas eu, um homem de fé, não tenho dúvida alguma em afirmar que, se existe céu - e eu sei que existe -, e se há pessoas que podem chegar lá diretamente, lá está Brito Velho. Só não sei como vai se acertar nos seus repentes, no seu gênero, porque lá pelas tantas, talvez hoje, ele já esteja escrevendo uma carta para São Pedro, falando sobre as coisas que não gosta e que lá devem ser modificadas. Deus tenha em paz a figura de Brito Velho. Deus tenha em paz a figura desse grande nome, dos maiores nomes que passaram pelo Congresso Nacional, dos maiores nomes da história do Rio Grande, dos homens mais dignos, mais corretos, mais sérios que eu conheci em toda a minha vida.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/12/1998 - Página 17756