Discurso no Senado Federal

REPUDIO AO RECENTE PRONUNCIAMENTO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO NO QUAL DISCRIMINA AS MULHERES POR SE APOSENTAREM ANTECIPADAMENTE.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • REPUDIO AO RECENTE PRONUNCIAMENTO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO NO QUAL DISCRIMINA AS MULHERES POR SE APOSENTAREM ANTECIPADAMENTE.
Publicação
Publicação no DSF de 03/12/1998 - Página 17632
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • PROTESTO, PRONUNCIAMENTO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DISCRIMINAÇÃO, MULHER, REFERENCIA, TEMPO DE SERVIÇO, APOSENTADORIA.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a minha fala é para registrar a decepção com que li nos jornais de hoje a declaração do Presidente da República, afirmando que a aposentadoria das mulheres, ocorrendo primeiro do que a aposentadoria dos homens, não passa de uma distorção. Sua Excelência critica as regras não só para o Executivo, mas também para o Legislativo e Judiciário.  

Segundo as novas regras aprovadas pelo Congresso Nacional, de iniciativa do Governo, as mulheres serão obrigadas a pagar 30 anos de contribuição e só poderão se aposentar aos 55 anos de idade. Já os homens, aposentar-se-ão aos 60 e serão obrigados a contribuir para a Previdência, no mínimo, 35 anos.  

Mas, o que estamos vendo é uma discriminação odiosa, por assim dizer, do Presidente da República contra as mulheres. Antes das eleições, houve pronunciamentos do Presidente da República no sentido de respeitar o direito de todos, inclusive o das mulheres. É um direito constitucional que é reconhecido por anos e anos, no Brasil, de que a mulher se aposenta primeiro do que o homem. Mas Sua Excelência, depois das eleições, quer mudar até essas regras. Lógico que antes não se vislumbrava qualquer ameaça a respeito desse assunto.  

Ora, Sr. Presidente, se verificarmos que a mulher tem sido penalizada ao longo dos anos, principalmente a mulher que trabalha no campo, na zona rural, com o peso da suas responsabilidades de trabalhadora na colheita, de dona de casa , iremos observar que a mulher mais do que merece essa conquista que lhe foi concedida ao longo dos anos. A própria Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - Contag, que faz levantamentos em 19 Estados, demonstra, insofismavelmente, as condições adversas, humilhantes, desumanas em que vivem as mulheres na zona rural.  

Em 19 Estados ficou demonstrado, por meio de uma pesquisa, uma realidade muito pior do que se pode imaginar: 53% das trabalhadoras rurais já tiveram um filho natimorto, ou seja, o filho nasceu, mas não nasceu com vida;10% dessas mulheres já tiveram quatro filhos natimortos e 41% já tiveram aborto espontâneo.  

Os dados revelam a falta de assistência à saúde dessas mulheres; inclusive no pré-natal. Como se falar em pré-natal, em atendimento adequado a essas mulheres na zona rural, por exemplo, do Nordeste do Brasil, na Paraíba, em Sergipe, na Bahia, em Alagoas, no Rio Grande do Norte, em Pernambuco, naquelas regiões mais distantes dos centros urbanos, onde nem sequer os hospitais funcionam de forma adequada; os hospitais não têm nem remédio para atender aos serviços ambulatoriais; os aparelhos de radiografia não podem tirar nem uma radiografia de uma perna ou de um braço quebrado, porque o dinheiro que chega do SUS não é suficiente para suprir essas despesas, como falar, então, na assistência pré-natal à mulher grávida, trabalhadora da zona mais pobre do Brasil?  

Se acrescermos isso, Sr. Presidente, ao fato de que não existe uma política de esclarecimento quanto ao uso de agrotóxicos, ao planejamento familiar, à nutrição e à prevenção de doenças infecto-contagiosas, teremos um quadro terrível de injustiça contra essa parcela de mulheres que luta pela sobrevivência na agricultura.  

As mulheres no campo, desde o início da colonização do Brasil, têm sido verdadeiras heroínas anônimas, uma mão-de-obra aviltada, exploradas por serem mulheres e por serem do campo - e, muito mais, Sr. Presidente, as negras.  

A maioria das mulheres do campo, 56,6% - ainda é a pesquisa feita pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura -, começou a trabalhar antes dos dez anos de idade; 89.9%, antes dos 15 anos de idade; e apenas 20% das trabalhadoras rurais têm jornada de cinco dias. Elas engravidam muito mais cedo: 60.6% das mulheres pesquisadas ficaram grávidas entre 15 e 21 anos de idade e metade delas tiveram cinco ou mais filhos. Registrou-se que 24% das mulheres tiveram nove filhos e 40,6 % tiveram três filhos.  

Sr. Presidente, estou apenas me referindo às mulheres que trabalham no campo, mas poderíamos falar também sobre as mulheres que trabalham nas cidades, porque além de profissionais, das atividades que estão a exercer, elas também cuidam das suas casas e dos seus filhos no retorno do emprego. Acima de tudo, pela sua condição de meiguice, de solidariedade e de luta para vencer o preconceito e a discriminação, a mulher conquistou posições destacadas no mundo inteiro, mas sua condição na efetivação do trabalho é muito mais penosa do que a do homem.  

Por isso, sou favorável que haja esse tratamento diferenciado em relação à aposentadoria das mulheres, muito embora, pelas novas regras, será quase impossível que alguém proveniente das camadas mais pobres da população, alguma trabalhadora, possa ter condições de pagar durante 30 anos consecutivos a Previdência para ter direito a uma aposentadoria, que sabemos ser uma aposentadoria ínfima e humilhante.  

Já foi demonstrado aqui, por ocasião da discussão da Reforma da Previdência, que essa obrigatoriedade simultânea do pagamento da previdência por um determinado prazo - 35 anos para homens e 30 para mulheres -, e, ainda, uma faixa de idade de 55 para as mulheres e 60 para os homens, é impossível de ser alcançada num País subdesenvolvido, num País pobre como é o Brasil. Na verdade, essa Reforma da Previdência é para que não haja aposentados e para que a Previdência Social tenha caixa para realização de obras, já que o Governo Federal sempre retira, direta ou indiretamente, dinheiro da Previdência.  

Aí está, por exemplo, a CPMF, que foi aprovada para ajudar a Saúde. Cumpria ao Governo arrecadar a CPMF, depositar o dinheiro no Fundo Nacional de Saúde e, como esse dinheiro, todos sabemos, é insuficiente para manter o setor, caberia ao Governo complementar em mais de R$17 bilhões a receita da Saúde para poder prover as despesas em todo o Brasil.  

Lamentavelmente, isso não está acontecendo, tanto que a crise, que parece ter sido aplacada, na realidade, continua em todos os Estados brasileiros, principalmente nas regiões mais pobres, onde os hospitais não melhoraram o atendimento, onde os médicos continuam ganhando uma remuneração vergonhosa, onde as unidades hospitalares não têm condições de se reequiparem e modernizarem o funcionamento de suas entidades e, diante deste quadro, quem está sofrendo é o povo brasileiro.  

Portanto, Sr. Presidente, nesta hora difícil por que passa a sociedade brasileira, as mulheres de todo o Brasil, as mulheres do campo e da cidade, quero manifestar a solidariedade do nosso Partido, o Partido Socialista Brasileiro, em repúdio a essa declaração infeliz do Presidente Fernando Henrique Cardoso ao considerar uma distorção a aposentadoria em primeiro lugar da mulher e, em segundo lugar, do homem. Ainda mais quando sabemos que o próprio Presidente da República se aposentou em idade muito jovem, se não me engano, aos 37 anos, Sua Excelência já recebeu a sua primeira aposentadoria - de uma ou outra forma, mas recebeu uma aposentadoria muito antes dos 55 anos, idade mínima para a aposentadoria da mulher conforme a nova lei.  

De modo, Sr. Presidente, que o meu protesto veemente é no sentido de que o Presidente da República, a primeira autoridade do País, que governa não somente para os homens, mas também para as mulheres, possa mudar o seu pensamento e se somar a quantos, como nós, do Partido Socialista Brasileiro - e temos certeza absoluta de que a maioria esmagadora desta Casa - concordam que a mulher tem o seu lugar de destaque na sociedade brasileira e não merece, de forma alguma, nem de longe, uma desconsideração como essa.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/12/1998 - Página 17632