Discurso durante a 130ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE O MODELO PREVIDENCIARIO E A POLITICA ECONOMICA NACIONAIS.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. :
  • REFLEXÕES SOBRE O MODELO PREVIDENCIARIO E A POLITICA ECONOMICA NACIONAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/1998 - Página 17930
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, DECADENCIA, SISTEMA, PREVIDENCIA SOCIAL, BRASIL, RESULTADO, APLICAÇÃO, RECURSOS, CONSTRUÇÃO, OBRA PUBLICA.
  • CRITICA, FORMA, ATUAÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES).
  • ANALISE, CRITICA, DEFLAÇÃO, EXCESSO, TAXAS, JUROS, PAIS, IMPOSSIBILIDADE, VIABILIDADE, INCENTIVO, CRESCIMENTO ECONOMICO, BRASIL.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AMEAÇA, CORTE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, RESULTADO, REJEIÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, MEDIDA PROVISORIA (MPV), AUMENTO, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, SERVIDOR PUBLICO CIVIL, CRIAÇÃO, COBRANÇA, APOSENTADO.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, às sextas-feiras costumo comparecer, com uma certa ansiedade, a este plenário, ansiedade que tinha quando aluno dos cursos que fiz, certo de que nesses dias recuperaria muito da minha humildade perdida - infelizmente perdida - e voltaria a fazer a coisa de que mais gosto na vida: aprender. E aqui, hoje, mais uma vez, recebi uma série de lições que vieram mudar alguns pontos de vista, estimular algumas reflexões e ensinar a respeitar, ainda mais do que faço, muitos de meus colegas e a totalidade dos meus interlocutores.  

O Senador Epitacio Cafeteira nos trouxe uma recordação - e a palavra recordação tem, como uma de suas raízes, o cor, cordis , de coração -; foi com o coração que ele recordou aqui, para nós, muitos dos momentos importantes de sua vida, muitas de suas experiências, que marcaram a sua já longa vida política.  

Aprendi muito com o discurso do Senador Epitacio Cafeteira. Recordei algumas coisas, como um sistema de previdência que, de início, sobejava em seus recursos, que sobravam para todo e qualquer tipo de desmando em obras, e que apenas aguardavam o envelhecimento da população, o aumento do número dos aposentados, o aumento das despesas decorrentes do sistema de aposentadoria e pensões para resultar nessa crise que, há muitos anos, vem cercando o sistema de pensões e aposentadorias no Brasil e transformando a sua natureza. Se foi idealizada como um sistema de aposentadoria com um conteúdo social, em que também o Estado seria um contribuinte, ao invés de ter a sua estrutura e a sua organização dirigidas apenas por princípios técnicos atuariais, lucrativos, a nossa Previdência Social foi assaltada ao longo de sua existência.  

Sabemos - e desde a primeira semana em que exerço meu mandato eu acuso isso - da existência, no Brasil, de alguns órgãos, de alguns organismos que, realmente, estes sim, são jurássicos, medievais e arcaicos no sentido crítico da palavra. O BNDES é um desses órgãos a que sempre me referi, desde a minha posse, desde os meus primeiros discursos. Estou convencido de que se trata de um organismo altamente pernicioso ao País.  

Fundado em 1952, o BNDES se alimentava, de início, de um adicional ao Imposto de Renda. E sua vocação inicial, que seria a de canalizar recursos para a infra-estrutura, principalmente para a construção de estradas e para o setor de transportes e de eletricidade, foi desviada, ab initio , desde o seu batismo, para fornecer recursos obtidos, cada vez mais, das relações com as classes trabalhadoras do País - esse banco obtém, por exemplo, recursos do FAT, do FGTS, além de empréstimos externos, que entram no País com taxas de juros muito reduzidas -, ao empresariado nacional. Muitos desses empresários se mostraram incompetentes e estavam às vésperas da falência, que foi evitada devido à injeção de recursos.  

O BNDES foi transformado, em grande parte, num hospital, numa UTI dessas empresas privadas, que haviam sido condenadas pelo mercado, que, agora, se transformou no juiz, no julgador supremo de toda a atividade econômica, da eficiência e da inteligência da sociedade e, portanto, no instrumento que penaliza alguns e leva ao pódio da glória outros, que se mostraram, de acordo com esses critérios desumanos, eficientes.  

Realmente, nesta manhã, apreciei as manifestações feitas por outros Senadores e, inclusive, uma atitude muito digna do Senador Casildo Maldaner, que fez aqui uma espécie de mea-culpa do discurso proferido ontem, já ao entardecer.  

Hoje vim aqui também para fazer algumas reflexões a respeito de alguns elementos que se vão acrescentando à política do Governo, à atitude do Executivo, na medida em que a conjuntura nacional vai dando mostras de que o caminho percorrido até agora não é um caminho que possua volta e que nos leve a altitudes mais elevadas, a um futuro mais humano, mais digno de ser vivido. O que verificamos, pelo contrário, é a insistência em relação a certas políticas que, um dia, serão examinadas com a distância e com a imparcialidade que o tempo fornece aos olhos humanos.  

Em nome do combate à inflação, esse Governo se excedeu. Se a histórica econômica mostra que a inflação é realmente um instrumento perverso de corrosão de salários, de estímulo ao processo de acumulação de capital e de fornecimento de recursos ao Poder Executivo, que se hipertrofia através de seu poder emissor e de seu poder tributário, que a inflação é realmente um dos mais perversos instrumentos de controle e de atuação sobre a sociedade moderna, milhares, talvez, de economistas já haviam dito que, se a inflação é esse dragão perverso, a deflação é muito pior do que a inflação.  

E esse combate político à inflação foi profundo e exagerado, porque não há nada de técnico nele. O conteúdo técnico é mínimo nesses programas de combate à inflação, desde aquele que o ex-Ministro Roberto Campos pôs em ação ainda nos anos 60.  

Parece-me, portanto, que agora a inflação se transforma em deflação, em queda de preço e em redução das receitas dos capitalistas. E a taxa de juros se eleva, como acontece em todas as crises, essa taxa de juros que é o objeto da principal preocupação dos mestres da economia e das finanças e que deve ser reduzida a qualquer preço para que os investimentos possam ser realizados e para que o volume de empregos possa se manter. Agora, o Governo eleva a taxa de juros a 49%, inviabilizando qualquer atividade econômica, colocando mais um elemento de desertificação da atividade econômica, da vida econômica e social, ao lado daquela forma de destruição a que se referiu o Presidente Fernando Henrique Cardoso quando disse que o Banco Central havia exagerado na taxa de câmbio ao valorizar demais o real e, assim, fazer com que vários setores da atividade produtiva no Brasil fossem destruídos. Ele tratava então de inverter esse processo por meio do programa Brasil em Ação - que tinha por objetivo político obter, obviamente, uma recuperação do volume de emprego, da atividade econômica -, sucedâneo do "Brasil em Inação" que caracterizou o Plano Real e a sua vitória.  

Neste ano, o Brasil vem conhecendo um processo de deflação, acompanhado de fenômenos que devem ser analisados. Por exemplo, como é possível que o sistema bancário vá entrar num outro processo de quebradeira, após a injeção, após a transferência de R$20 bilhões para esse mesmo sistema bancário para evitar o primeiro processo de quebradeira? Esses recursos foram transferidos do Governo, do Banco Central, via Proer, para os bancos falidos - R$20 bilhões foram doados aos bancos.  

Agora o Governo vem cobrar de aposentados, pensionistas e de funcionários alguns poucos bilhões de reais que, realmente, não significam nada diante da antiga euforia e da pletora de recursos que pareciam inesgotáveis neste País - num certo momento, eu disse que parecia que a unidade monetária no Brasil era o bilhão de reais. Cheguei a pensar isso depois de ver serem empregados R$60 bilhões para salvar o Estado de São Paulo, R$30 bilhões só para o Banespa, R$20 bilhões para o Proer, e assim por diante.  

Depois vimos, de uma hora para outra - e aí o Governo não teve pressa em lutar contra o processo -, R$40 bilhões das nossas reservas de R$82 bilhões se escoarem pelo ralo da especulação internacional. E para alimentar esse outro dragão, para alimentar a especulação internacional, a taxa de juros foi elevada ao himalaia de 49% ao ano. Com essa taxa de juros fantástica não pode haver investimento e, portanto, não pode haver tomador de recursos, tomador de empréstimos dos bancos. Os bancos estão abarrotados de dinheiro parado.  

Para obter esses R$40 bilhões junto ao FMI, foi-nos imposto que R$28 bilhões devem ser arrecadados, mesmo nessa situação esquálida em que se encontra a sociedade brasileira - R$28 bilhões! Para quê? Para fazer grandes investimentos? Para estradas? Para a saúde? Para que esse dinheiro nos é cobrado, por meio dessa reforma tributária sob a forma de medidas que foram repudiadas pela Câmara dos Deputados, há dois dias atrás? Não é para investimento.  

Esse dinheiro destina-se a repor reservas, a ficar dormindo, esperando um novo ataque especulativo. É um alimento de reserva para que, quando os vampiros internacionais, voláteis, ameacem novamente se retirar, seja-lhes fornecido esse alimento, retirado agora da sociedade brasileira e colocado em reserva. Não é dinheiro para investimento, não é dinheiro para o social, é dinheiro, única e exclusivamente, para repor as reservas, que caíram de R$82 bilhões para cerca de R$39 bilhões.  

Portanto, são recursos para a despensa do vampiro, são recursos retirados da vida de Eros, da atividade humana que precisa deles, para a esfera sombria de Thanatos, da especulação, da destruição e da morte.  

Agora, como demonstração de uma atitude que sempre considerei autoritária, despótica - como diz um dos amigos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos seus colegas -, tangenciando muitas vezes o fascismo, o que vemos é, de novo, um ataque contra o orçamento. Trata-se de um ataque contra o que foi considerado, emblematicamente, uma das conquistas da democracia moderna, o orçamento, que retirou o poder dos soberanos, do despotismo dito esclarecido, o poder de gastar, o poder de determinar as suas despesas autoritariamente.  

As revoluções burguesas, a começar pela da Inglaterra, conquistam o direito de organizar o orçamento da Nação, de determinar os gastos prioritários da Nação, de retirar do poder real, imperial, esse direito. E o que vemos é que o nosso orçamento é, cada vez, mais um orçamento elaborado, determinado pelos tecnocratas deste País.  

Os militares tinham proibido ao Legislativo votar qualquer lei que implicasse aumento de gastos. Agora, além disso, o que vemos é que o orçamento é usado como uma palmatória: se os senhores deputados não votarem de acordo com aquilo que o seu mestre mandar, receberão a palmatória. As pequenas e marginais alterações propostas pelo Poder Legislativo ao Orçamento serão transformadas em tábula rasa, tornar-se-ão completamente inoperantes e não se transformarão jamais em gastos nos setores que os membros do Legislativo determinaram, com o poder residual que lhes restava.

 

Em relação ao Orçamento do ano passado, os setores de saúde e educação - os setores mais necessitados desta sociedade tão castigada - foram ainda mais reduzidos - novamente reduzidos - e agora estão ameaçados de novas reduções, tendo em vista a perda de receita representada pela rejeição da proposta de mudança na Previdência Social, nesta semana, no Congresso.  

Para compensar aquelas perdas de receita, ou seja, o fato de não terem conseguido aumentar de 11% para 20% a contribuição social dos que ganham mais de R$1,2 mil, e outras ninharias que a proposta do Governo ensejava obter para o empobrecimento da sociedade, verificamos que o Governo, agora, ameaça com a tal palmatória de reduzir ainda mais os já minimizados recursos para as áreas sociais do Brasil.  

De modo que não tenho o menor constrangimento de dizer que não ofereci, nem este ano nem nos anos anteriores, nenhuma proposta para obter recursos a que temos ou tínhamos direito no Orçamento federal. Penso que deveríamos deixar ao despotismo do Executivo o direito pleno e completo de determinar esse Orçamento perverso. E a nossa posição deveria ser a de crítica a essa proposta orçamentária e às suas modificações, mostrando à sociedade que grande parte das mazelas que passamos e dos problemas que se agigantam para o futuro não podem ser atribuídos ao Poder Legislativo, mas que têm origem e sede no Poder Executivo, que foi dominado pelo círculo vicioso da pobreza, da miséria e da injustiça.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/1998 - Página 17930