Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A EDIÇÃO DO ATO INSTITUCIONAL 5, NO DIA 13 DE DEZEMBRO DE 1968.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO. PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A EDIÇÃO DO ATO INSTITUCIONAL 5, NO DIA 13 DE DEZEMBRO DE 1968.
Publicação
Publicação no DSF de 08/12/1998 - Página 18000
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO. PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, EFEITO, ATO INSTITUCIONAL, EPOCA, DITADURA, REGIME MILITAR, PREJUIZO, DEMOCRACIA.
  • DISCORDANCIA, GOVERNO, IMPOSIÇÃO, APOSENTADO, PENSIONISTA, COBRANÇA, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, ALEGAÇÕES, COMBATE, DEFICIT, PREVIDENCIA SOCIAL.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nada na existência humana é tão importante quanto à reposição de fatos históricos, sobretudo quando esses fatos têm uma íntima conexão com a dignidade de cada homem público.  

Quero hoje, ainda que em breves palavras, aproveitando o noticiário histórico que se faz em derredor do famigerado Ato Institucional nº 05, editado no dia 13 de dezembro de 1968, fazer considerações de quem foi protagonista da matéria. Em 12 de dezembro de 1968, a Câmara votava o pedido de licença feito pelo governo militar para processar o Deputado Márcio Moreira Alves. A maioria dos que conviviam com Direito Constitucional – incluía-me entre eles – fomos à tribuna para mostrar que, embora não concordássemos com o discurso do Deputado Márcio Moreira Alves – inclusive ele próprio declarava que era um discurso sem importância –, ainda assim, entendíamos que ele estava respaldado pelo texto constitucional, que diz que o parlamentar é inviolável por suas palavras, opiniões e votos. E, apesar de o Governo Militar ter feito uma pressão enorme – àquela altura havia dois Partidos: Arena e MDB – nós, que fazíamos parte do MDB, colhíamos as confidências dos nossos companheiros, Deputados da Arena, dizendo da pressão intensa que lhes era feita. Ainda assim, o Governo viu o resultado contrário: 216 votos contra apenas 141 a favor.  

Não quero, Sr. Presidente, relembrar os fatos e acusar os que possam ter assinado o Ato Institucional nº 5. Isso já ficou no tempo. Como Winston Churchill dizia: "Deixai o passado enterrado com seus mortos". O que quero, Sr. Presidente, é lembrar que naquela data, 12 de dezembro, no gabinete do então Deputado Martins Rodrigues, um punhado de Deputados ouvíamos, entre 22h e 23h, a leitura do Ato Institucional nº 5, que não teve o pejo, o pudor que teve o Ato Institucional nº 1 de resguardar o Congresso para que este permanecesse aberto. O Ato Institucional nº 5 fechava o Congresso e punha em recesso todos os seus membros. As atividades foram paralisadas, as prerrogativas do Judiciário foram por terra e cometeu-se a maior das violências contra o Direito Constitucional: nenhuma atitude com base no Ato Institucional nº 5 era suscetível de apreciação pelo Poder Judiciário.  

Ora, todos sabemos que lesão de direito não escapa a essa apreciação. O que me traz à tribuna, volto a dizer, é que, naquela noite, fizemos uma reflexão sobre como era possível que todos os integrantes do Governo, vinte e três ministros e mais o vice-presidente da República, pudessem não ter alertado o Presidente Costa e Silva para a violência do ato que era cometido.  

O que se sabe hoje – o que eu soube meses depois – é que havia um voto discordante: o do Vice-Presidente da República, Pedro Aleixo. E há cerca de alguns anos, conversando com o seu filho, Padre Aleixo, eu lhe relatava a conversa que tive com uma das pessoas que estavam presentes a esta reunião, um militar de patente, que não era a de general, e que me dissera que Costa e Silva havia ouvido o conselho de Pedro Aleixo para que se valesse do estado de sítio, para que ficasse no âmbito da Constituição e não a rasgasse.  

Transmiti isso ao seu filho, que estava, então, terminando um trabalho sobre o seu pai. E vejo hoje, Sr. Presidente, nas leituras dos jornais e revistas, que Costa e Silva teve uma atitude, para o momento, de reflexão, porque, ao cabo e ao fim da reunião, o único voto discordante, de Pedro Aleixo, chamando a atenção do Senhor Presidente, ele, que era contra a edição do AI 5, reporta-se a Pedro Aleixo dizendo: "Deus queira que, ao final de tudo isso, o Vice-Presidente da República tenha razão!" Trinta anos depois, essa é a grande realidade.  

Não importa analisar, apreciar os atos daqueles que assinaram a medida porque só na ardência daquele convívio, daquele instante é que se poderia avaliar.  

Quero, no entanto, deixar registrado em alto e bom som o que uma atitude digna pode fazer para resgatar a história. Pedro Aleixo - quando não apenas seus familiares lhe fizerem toda a pesquisa histórica despontar neste instante, como não apenas o jurista, o político, mas o cidadão que previu que o caminho certo para quem quer governar o País é não se afastar jamais dos trilhos da democracia.  

Veja, Sr. Presidente, que Costa e Silva, ao que conta este mesmo fato histórico, queria no mês de setembro promulgar uma nova constituição para terminar com o Ato Institucional nº 5. Nós sabemos que ele teve um acidente vascular cerebral que paralisou todo o seu lado direito. Por isso, foi afastado da Presidência da República exatamente no final do mês de agosto de 1969. Aqui, comete-se o segundo grande equívoco do Ato Institucional nº 5. Ao invés de o Vice-Presidente da República ter assumido o controle do Poder Executivo, uma Junta Militar impediu-o e, inapelavelmente, cometeu mais outros equívocos, tisnando aquilo que, no começo de 1964, era indicado como bom para o Brasil, Sr. Presidente. Os militares mais jovens, atualmente no posto de generais e coronéis, queixam-se de que isso não poderia ter acontecido.  

A história serve de paralelo. Esse brutal equívoco do Ato Institucional nº 5 levou 1.607 cidadãos brasileiros a serem cassados, a perderem seus direitos políticos – eu mesmo, Sr. Presidente, perdi o mandato de Deputado Federal, dez anos de direitos políticos e a cadeira na Faculdade de Direito. Todavia, nem por isso me queixo. Mas o exemplo ficou, porque, no impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello, nenhum militar imaginava, apesar das dificuldades daquele instante, que uma junta pudesse assumir o governo. Normalmente, o poder passou para a Vice-Presidência da República.  

A atitude de um homem, 30 anos atrás, hoje faz com que o resgate da dignidade pessoal de alguém, quando não tem medo de tomar atitudes, quando não fica na omissão que sempre defino como o subproduto do nada e do não, quando não se omite – nenhuma liderança se afirma pela omissão –, repetindo o que Pedro Aleixo fez sem que fosse possível imitá-lo, lembra o gesto de um jovem Deputado Estadual em 1964. Dos 30 Deputados que formavam a Assembléia Legislativa do seu Estado, apenas um votou contra o Ato Adicional que rompia a estrutura constitucional do seu Estado. Sem falsa modéstia, devo dizer-lhe, meu caro Senador Lúcio Alcântara, que esse Deputado Estadual hoje ocupa esta tribuna como Senador, sem ter medo de olhar para trás e de sentir vergonha daquela atitude, continuando para frente, com os bons exemplos que Pedro Aleixo deixa para essa mocidade. Esses exemplos devem ser repetidos.  

Lamentavelmente, Sr. Presidente, quando alguém tenta ser agradável aos poderosos de plantão, um dia encontrará, sem dúvida nenhuma, a resposta pela frente.  

Há um tempo, desta tribuna, Sr. Presidente, fazendo um exame da paridade entre os funcionários em atividade e os aposentados, quando se anunciava, palidamente, a tentativa de retirar destes os seus direitos, eu fazia a previsão: "infeliz o País que não respeita aqueles que se encaminham para a velhice."  

Hoje, Sr. Presidente, a ardência e a ebulição que se faz contra os direitos dos aposentados lembra os que não têm coragem de tomar atitudes. Por isso, a dupla de Senadores que compõe a Bancada do Estado do Amazonas – não falo pelo terceiro, pois se encontra ausente –, tanto Jefferson Péres como eu já sinalizamos a nossa posição quanto ao problema dos aposentados. O Governo deveria estar satisfeito, vendo que é possível discordar quando se tem argumentos, no sentido da análise construtiva. Não se dá apoio apenas abaixando a cabeça, como se isso fosse possível na condução de um Governo às suas finalidades.  

Sr. Presidente, trouxe o exemplo de Costa e Silva quando Presidente da República. Nesse período, apenas um homem lhe mostrava o equívoco em que incorria. Lamentavelmente, ele não pôde sobreviver para, 30 anos depois, verificar que a razão estava com Pedro Aleixo, que lhe traçava o caminho e lhe apontava a solução.  

Sr. Presidente, que essa história sirva de exemplo - não a nós outros, que já estamos caminhando para o final dos nossos tempos - àqueles que começam e que pensam que servir ao poder, de forma irresistível - para não utilizar outros nomes - não é o melhor dos caminhos. O melhor dos caminhos é a consulta da consciência, é estar em paz com ela. Não tenho medo de olhar a figura refletida no espelho, por não me causar nenhuma vergonha.  

Se o céu existe – e existe –, lá deve estar Pedro Aleixo. Os seus familiares e aqueles que conviveram com ele - como eu próprio tive essa honra em muitos instantes em que estivemos juntos e em que recebi seus vários ensinamentos -, todos estamos satisfeitos. De um lado, os familiares; de outro, o Parlamento.  

Por isso, Sr. Presidente, a minha presença na tribuna é uma homenagem a quem praticou a dignidade com o gesto que o fez merecedor de entrar na história deste Parlamento.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/12/1998 - Página 18000