Discurso no Senado Federal

TRANSCURSO, NO PROXIMO DIA 13, DOS 30 ANOS DO ATO INSTITUCIONAL 5.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO.:
  • TRANSCURSO, NO PROXIMO DIA 13, DOS 30 ANOS DO ATO INSTITUCIONAL 5.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/1998 - Página 18218
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • ANALISE, EPOCA, ATO INSTITUCIONAL, DITADURA, REGIME MILITAR, BRASIL, PREJUIZO, DEMOCRACIA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Parlamentares, venho hoje a esta tribuna, já que, no dia 13, este Congresso não estará funcionando, para falar dos 30 anos do Ato Institucional nº 5. A imprensa do Brasil inteiro vem publicando amplo noticiário sobre a matéria. Numa das revistas semanais, há cerca de 15 páginas publicadas, inclusive com a divulgação de gravações. Na revista Época - talvez, essa seja a primeira grande reportagem dessa nova e brilhante revista -, estão publicadas, inclusive, as gravações dos votos dos membros do Conselho de Ministros que se reuniu para tomar essa decisão.

É claro que, num País como o Brasil, onde não se tem memória - quem hoje tem 40 anos de idade tinha dez anos naquela época; quem hoje tem 50 anos tinha 20 anos naquela época -, a maior parte da sociedade não se recorda do Ato Institucional nº 5.

Sr. Presidente, eu era Deputado Estadual naquela época. Todos nós acompanhávamos o que acontecia naquele ano de 1968, que foi um ano tumultuado no mundo inteiro. Che Guevara tinha sido morto no ano anterior. Nos Estados Unidos, a mocidade fazia uma ampla movimentação contra a participação daquele país na Guerra do Vietnã. Houve um célebre movimento dos jovens estudantes em Paris, o qual levou à renúncia o então todo poderoso Presidente Charles De Gaulle. Também no Brasil os jovens se movimentaram; muito eles se movimentaram.

O dia 28 de junho daquele ano, dia do meu casamento, foi o dia mais trágico da história de Porto Alegre. Os jovens fizeram uma manifestação e as forças de repressão resolveram acabar com essa manifestação de qualquer jeito, com muito sangue, com muita violência, transformando o centro de Porto Alegre numa praça de guerra.

            Estava chegando o final do ano de 1968 sem que houvesse um fato que nos levasse a um acontecimento mais grave. Eis que, no dia 3 de setembro, Márcio Moreira Alves - um brilhante, jovem e extraordinário jornalista, que obteve, pela sua competência e por seu trabalho como jornalista, uma brilhante votação para Deputado Federal no Rio de Janeiro - fez um pronunciamento no chamado pinga-fogo na Câmara dos Deputados. Esse pronunciamento não teve repercussão alguma; pelo que sei, apenas o jornal Folha de S. Paulo fez uma referência, em duas linhas, ao seu pronunciamento. Aliás, naturalmente, os pinga-fogos não têm repercussão alguma, ainda mais se feitos no dia 3 de setembro, às vésperas do feriado de 7 de setembro. Nesse pronunciamento, o jornalista se inspirou na célebre peça Lisistrata, de Aristófanes, que suscita uma guerra de sexo das mulheres gregas, no sentido de que estas se mobilizem contra a guerra. Ele fez um chamamento às jovens, para que estas não namorassem os cadetes. Com todo respeito ao ilustre Parlamentar, repito: esse foi um pronunciamento pinga-fogo, sem nenhuma expressão.

            Passado algum tempo, esse pronunciamento começou a circular nas redações e nos quartéis e a passar pelas mãos das chamadas vivandeiras de quartel, que, quando há uma crise, instigam os militares a se intrometerem na vida política. De repente, não mais que de repente, os militares passaram a exigir uma autorização da Câmara dos Deputados para processar o Deputado Márcio Moreira Alves. E aí começou a se avolumar um debate, uma discussão. As Forças Armadas exigiam que o Deputado fosse processado, e passou a haver uma mobilização.

            Conheci o discurso do Deputado um mês depois. Eu era Deputado Estadual quando chegou uma cópia do discurso às minhas mãos. Passou a haver uma pressão no sentido de que fosse dada autorização para que o Deputado fosse processado. Numa sessão na Câmara dos Deputados, foi feita a votação.

Dirijo-me ao O Globo, que publicou uma excepcional matéria de duas páginas sobre o assunto, e à revista Época, que publicou uma matéria de dez páginas. Com todo respeito, atrevo-me a dizer que faltou algo nessas reportagens: a divulgação do fato de que, antes da votação na Câmara dos Deputados, Daniel Krieger, Senador da República, Presidente e Líder da Arena, dirigiu-se ao então Presidente da República, General Costa e Silva, para que este lhe desse uma orientação de como agir, de como encaminhar a matéria perante a sua Bancada. O General Costa e Silva lhe respondeu - foi Daniel Krieger quem disse isso - o seguinte: “Cumpri a minha parte. Recebi uma manifestação dos chefes militares, pedindo que eu iniciasse um processo de cassação contra o Deputado. Consultei a minha assessoria, que me disse que eu deveria enviar um ofício à Câmara dos Deputados, pedindo que esta autorizasse o processo. A minha parte está feita. A minha participação se encerra com esse ofício. A Câmara está liberada para votar como desejar”.

Tanto isso é exato, que o Senador Daniel Krieger, Presidente da Arena, no dia da votação, não estava aqui em Brasília, mas em Porto Alegre. Vários Parlamentares me contaram que perguntaram a Daniel Krieger qual era o comportamento, a decisão que o Partido deveria seguir, e Daniel Krieger lhes respondeu que cada um deveria votar de acordo com sua consciência. Além disso, transmitia o que o Presidente Costa e Silva lhe havia dito: que os militares achavam que se tratava de uma questão séria e que eles exigiam que Márcio Moreira Alves fosse processado. Disse também, a quem o procurou, que ele havia entrado com um pedido para que fosse processado Márcio Moreira Alves e que assim estava encerrada a parte dele.

Com essa decisão de Daniel Krieger, liberando a Bancada da Arena, muitos e muitos Parlamentares votaram contra a licença para processar Márcio Moreira Alves. Na verdade, foi uma grande festa quando a Câmara dos Deputados rejeitou a autorização para processar o Deputado.

Com toda sinceridade, não me passa pela cabeça que a Câmara dos Deputados pudesse tomar outra decisão. O discurso feito da tribuna era - até diria - impróprio, inoportuno, não era por ali o caminho, mas dali a iniciar todo um processo visando à cassação do Parlamentar... Creio que o Senador Daniel Krieger estava certo ao liberar a Bancada da Arena.

Rejeitado o processo, começou-se a instigar a movimentação. Lembro-me que Carlos Fehlberg, então o grande responsável pelo Zero Hora de Porto Alegre, insistia comigo dizendo que as Forças Armadas tinham um bom pretexto, que o Márcio havia lhes dado a chance, o bote. Ganhou força a tese de que o Congresso, ao se solidarizar com o Parlamentar que havia ofendido as Forças Armadas em sua dignidade, havia tomado uma posição contrária às Forças Armadas.

Sai, então, o golpe; sai o AI-5.

Convém que se saiba que, dentro da chamada Revolução, tivemos três golpes de Estado. Tivemos a queda do Jango - quando foi decretada vaga a Presidência da República, João Goulart estava em Porto Alegre e eu estava com ele, na casa do Comandante do III Exército! Foi decretada vaga a Presidência sob o argumento de que ele não estava no Brasil. Assumiu, então, o Presidente da Câmara dos Deputados. Oito dias depois, no dia 08 de abril, os três Ministros Militares - da Marinha, da Aeronáutica e do Exército -, indicados pelo Presidente da Câmara dos Deputados no exercício da Presidência da República, editaram o Ato nº 01 - que não se chamava Ato nº 01, era um ato institucional sem número, para durar 120 dias.

Passou o ato. Vivíamos em plenitude democrática. No ano seguinte, tivemos eleição para Governador em onze Estados, entre os quais Guanabara e Minas Gerais. Não gostaram do resultado, veio o Ato nº 02, que foi o segundo golpe de Estado, que duraria até o fim do mandato do então Presidente. Entramos novamente em democracia.

E aí veio o Ato nº 05, por prazo indeterminado.

Faço questão de salientar aqui, neste momento, que o dia 13 deveria ser o dia de homenagear a figura extraordinária de Pedro Aleixo - e V. Exª., Senador Bernardo Cabral, o herói da época, que viveu, sentiu e participou dos acontecimentos, já fez seu pronunciamento nesse sentido. Está na hora de se escrever - às vezes demora, mas se escreve - a história dos derrotados. Derrotados, mas com suas consciências tranqüilas; derrotados, mas ficando com a razão, mas ficando com a lei. Pedro Aleixo teve a grandeza de ali, naquela reunião, dizer o que pensava: foi o primeiro e único voto contra o ato institucional.

Li nas publicações da Época e do Globo o discurso que Costa e Silva fez naquele momento - ou eu não me lembrava mais dele ou nunca o havia lido com precisão. Na verdade, esse discurso foi muito importante:

      “Eu convoquei o Conselho de Segurança Nacional (...) para colocá-los em face de um problema que se apresenta com uma gravidade muito grande (...) - ou a Revolução continua ou a Revolução se desagrega.

      Porque como vamos tomar, em que sentido vamos tomar a manifestação do Congresso, da Câmara dos Deputados?”

Continua o Presidente:

      “Porque compreendo que um fato como esse, um ato como esse exige reflexão mas também exige, após a reflexão, uma decisão (ruído de tapa na mesa). A decisão está tomada e é proposta ao Conselho de Segurança Nacional para ampla discussão, para ampla opinião de cada um (...)

      Eu preciso que cada membro diga aquilo que sente, aquilo que pensa e aquilo que está errado nisso (...)

      Dou aos senhores vinte minutos para a leitura do que está escrito. Não vou mandar ler, quero que cada um leia. Muito obrigado (ruído de aplausos).”

Reabre a reunião Costa e Silva:

      “Desejo ouvir a opinião de um a um dos senhores membros do Conselho de Segurança Nacional. Como é natural, a maior autoridade desse Conselho, nesta mesa, é o Vice-Presidente da República, tão interessado quanto eu na solução do problema (...) Senhor Vice-Presidente, desejaria ouvir sua palavra, seu conselho.”

E fala o Vice-Presidente:

      “De outro lado, cumpre ainda ter em vista, e esse é um ponto da maior significação, que outras medidas também poderiam ter sido solicitadas se não tivessem aquele alcance de situar os membros da Câmara dos Deputados no dilema de conceder ou de negar licença. A escolha do processo da representação do Supremo Tribunal Federal, do ponto de vista ainda jurídico, não me parece das mais aconselháveis.”

Continua Pedro Aleixo:

      “Interessa ainda que a repressão às palavras proferidas, ao ato praticado pelo Deputado, que ainda continua em condições de ser manifestada, tinha que guardar e deve guardar realmente proporção com o próprio crime praticado. Isto é, um crime de injúria, de difamação, crime de calúnia, para o qual as sanções estabelecidas não têm nunca o alcance de implicar na própria perda de sua condição de mandatário do povo, e daí decorrer uma deliberação, se ela vier a ser tomada, por uma manifestação da própria Câmara, considerando que se trata de Deputado que procedeu contra o decoro parlamentar.

      (...) Nessa oportunidade, pois, o que me parecia aconselhável seria, antes do exame de um ato institucional, a adoção de uma medida de ordem constitucional que viesse a permitir um melhor exame do caso em todas as suas conseqüências. Essas medidas seriam a suspensão da Constituição por intermédio do recurso de Estado de Sítio. Acrescento, Senhor Presidente, pela leitura que fiz do Ato Institucional, cheguei à sincera conclusão de que o que menos se faz nele é resguardar a Constituição que no Artigo Primeiro se declara preservada. Eu estaria faltando com um dever para comigo mesmo se não emitisse com sinceridade essa opinião, porque da Constituição, que, antes de tudo, é um instrumento de garantia dos direitos da pessoa humana e garantia dos direitos políticos, não sobra, nos artigos posteriores, absolutamente nada que possa ser realmente apreciável como sendo uma credibilização de um regime democrático. Há, desde logo, a possibilidade de se decretar o recesso do Congresso Nacional e também de todas as Assembléias Legislativas, até mesmo as de caráter municipal. Ou fia-se imediatamente ao Poder Executivo a faculdade de legislar.

      De outra parte, as demais garantias constitucionais são de tal ordem suspensas que nem os próprios tribunais poderiam realmente funcionar para preservar a quem quer que seja contra o abuso do mais remoto, e do mais distante - e parar usar mesmo uma linguagem..., do mais ínfimo de todos os agentes de autoridade. Pelo Ato Institucional, o que me parece, adotado esse caminho, o que nós estamos - com aparente ressalva da existência de vestígios de poderes constitucionais existentes na Constituição de 24 de janeiro de 1967 - é instituindo um processo equivalente a uma própria ditadura. Se é necessário fazer, se essa é uma contingência da necessidade, então o problema se apresenta sob um outro aspecto. Mas do ponto de vista jurídico, entendo que realmente o Ato Institucional elimina a própria Constituição.

      Não posso, efetivamente, compreender nenhum ato institucional que não seja um ato de uma nova revolução - e para mim não é a Revolução de 31 de março de 1964, porque essa declarou que se institucionalizava na Constituição de 24 de janeiro de 67.

      Esse, Sr. Presidente, Srs. Conselheiros, é o meu ponto de vista. Eu o enuncio com o maior respeito, mas com aquela certeza de que estou cumprindo um dever para comigo mesmo, um dever para com Vossa Excelência, a quem devo a maior solidariedade, um dever para com o Conselho de Segurança, que deve contas ao País”.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Pedro Simon?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Com o maior prazer.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Senador Pedro Simon, numa dessas minhas leituras sobre uma decisão qualquer que haveria de ser tomada, uma figura principal da reunião dizia mais ou menos isso: “Nesta viagem somos todos tripulantes, e não meros passageiros. E completava dizendo: “Compete-nos zelar pela decisão histórica que venha a ser tomada.” É exatamente o que Pedro Aleixo fez quando proferiu esse voto em derredor do que lhe convocava o Presidente Costa e Silva. A decisão era tão histórica que até nós, passando o tempo, verificamos que o Presidente Costa e Silva teve um instante de reflexão quando disse mais ou menos isso: “Tomara (ou oxalá) que eu esteja amanhã equivocado, e veja que V. Exª, Sr. Vice-Presidente, estava certo.” A História mostrou que Pedro Aleixo, esse Pedro Aleixo que V. Exª homenageia agora, a quem já homenageei antes, esse Pedro Aleixo que votou contra o AI-5, que votou contra a minha cassação e suspensão dos direitos políticos de tantos outros companheiros, teve a virtude de sentir que ele era um tripulante, naquele instante, e não um mero passageiro. De qualquer sorte, quem não toma decisão na ardência do acontecimento é um omisso e tenho dito sempre que nenhuma liderança se afirma pela omissão. É bom que V. Exª venha à Tribuna, Senador Pedro Simon, porque se àquela altura estivesse conosco, na Câmara dos Deputados, V. Exª também teria perdido seu mandato e suspenso os seus direitos políticos. E V. Exª figuraria, como nós figuramos, naquela lista em que muitos eram incluídos mais por inveja, despeito e vingança de concorrentes seus do que quem estava no poder militar. De modo que a História está sendo reescrita e, agora, à distância, com oradores do porte de V. Exª. Só lamento, digo-lhe isso do fundo da minha alma, que um pronunciamento dessa natureza não seja feito com o Senado lotado. É claro que V. Exª tem uma qualidade. Bastaria a presença de uma figura aqui, que seria a figura do nosso mestre Senador Josaphat Marinho, para que V. Exª se sentisse absolutamente satisfeito. S. Exª só valeria por uma assistência. Mas se V. Exª tivesse um plenário repleto seria muito interessante, porque a História verificaria que nem tudo fica no silêncio, apesar, Senador Pedro Simon, de que o silêncio nada mais é senão o clamar de tudo aquilo que não fala. Cumprimentos.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Emociono-me com o pronunciamento de V. Exª, que realmente viveu e participou daqueles acontecimentos.

Penso que V. Exª concordará comigo quando falo de nossos amigos da época, que fizeram uma reportagem espetacular, mas há que ser fazer um adendo, dizendo que o Senador Daniel Krieger orientou a sua Bancada no sentido de que a questão era aberta. V. Exª estava lá e sabe disso.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - A partir da Comissão de Constituição e Justiça.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Que a questão estava aberta e S. Exª não fez isso por fonte sua, havia falado com o Presidente Costa e Silva.

Daniel Krieger, Líder do Governo no Congresso e Presidente da Arena, foi ao Presidente da República e perguntou-lhe: como será o voto? O Presidente da República respondeu: aberto. Fiz a minha parte. Os militares pediram e eu enviei o processo. Encerrou. Os parlamentares votam como querem.

Mas foi o voto do Pedro Aleixo. Tem muita gente de bem que estava naquele Conselho, havia muita gente que respeito, que são meus amigos e há pessoas que, no seu voto, mostraram a ansiedade que tiveram, as dúvidas e interrogações que tiveram.

Não entrarei nessa análise, porque acho que não convém. O que importa é que Pedro Aleixo foi o único que votou contra. Os outros, com as devidas ressalvas, votaram a favor. E aí tem razão V. Exª quando diz “o encerramento de Costa e Silva”.

Eu até quero analisar, Sr. Presidente. Repito muitas vezes isso em minha vida. Quem foi o maior amigo do Presidente Costa e Silva naquela oportunidade? O Pedro Aleixo ou os outros? Se tivesse havido mais pedros aleixo, mais pessoas em condições de falar com o Presidente...Percebe-se que Costa e Silva queria tomar a decisão da maioria, e não influenciou tal decisão, nem deixou ler a nota - cada um que lesse. E depois de todos falarem - e concedeu deliberadamente, em primeiro lugar, a palavra ao Pedro Aleixo, mas poderia ter deixado para o fim usando o mesmo argumento: V. Exª, que é pessoa mais importante aqui, fale primeiro. Ele poderia ter concedido a palavra em último lugar, mas sabia que Pedro Aleixo era contrário e permitiu que S. Exª falasse, que expusesse as suas razões em primeiro lugar. Mas não adiantou. Foi o único voto. E aí, no final de Costa e Silva, o Globo publicou - e disse bem o querido Senador Bernardo Cabral - o encerramento da reunião: devemos, portanto, respeitar o seu voto, Vice-Presidente Pedro Aleixo. S. Exª foi o único contrário à medida que estamos adotando. Embora não seja a da maioria do conselho, prezo muito a sua opinião e peço a Deus que não me venham, amanhã, convencer de que ele, Pedro Aleixo, é quem estava certo.

Confesso que, com verdadeira violência aos meus princípios e idéias, adoto uma medida como esta, mas o faço porque estou convencido de que é o interesse do País.”

E assinou. E o ato saiu.

O Presidente Costa e Silva teve uma doença gravíssima e Pedro Aleixo pagou o resto da conta: foi impedido de assumir a Presidência da República. E, Deus me perdoe, não quero repetir, como dizia o Dr. Ulysses Guimarães, “os três patetas assumiram a Junta Governativa na Presidência da República”.

E vivemos o dia que vivemos. E vivemos a noite que vivemos. E vivemos os dramas que vivemos. E vivemos as tragédias que vivemos. O Ato Institucional nº 5, ao contrário do primeiro - que não era o de nº 1, mas Ato Institucional, sem número - determinava 30 dias para cassar e 60 dias para demitir funcionário. Ao contrário do AI-2, que ia até o término do mandato do Presidente, o AI-5 era por prazo indeterminado, era “durasse o tempo que durasse”.

Eu era Deputado Estadual, estava na tribuna da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul felicitando a Câmara dos Deputados por ter negado o pedido para processar Marcio Moreira Alves, quando recebi um bilhete dizendo que o Ato tinha sido assinado.

Meu discurso se dividiu em duas partes: uma de saudação e a outra de mágoa. Casualmente, naquele dia, às vésperas do final do ano, nossa Assembléia era uma das poucas que estavam reunidas. Aquele foi o primeiro pronunciamento que fiz contra o Ato Institucional nº 5.

Tivemos categoria, embora há tanto tempo, e competência para chegar até aqui, sem violências e sem os graves fatos que poderiam ocorrer.

Por isso, Sr. Presidente, neste momento, creio que deveríamos parar para pensar na importância da nossa democracia. Parar para pensar na responsabilidade que temos em manter a nossa democracia. Parar para pensar na importância dos nossos direitos.

Acredito, com toda a sinceridade, que, durante o Governo do Presidente Sarney, o País viveu uma época de plenitude democrática. No Governo Collor, no Governo Itamar e também hoje, estamos vivendo um momento de amplas garantias dos direitos individuais. Não há como deixar de reconhecer isso. Mas sempre é importante olhar para trás, porque, de repente, quando menos se espera, o menor pretexto pode ocasionar o que menos se imagina.

Vim aqui para saudar Pedro Aleixo.

Ele não foi Presidente. De certa forma, já seria o Presidente. Se Castello Branco pudesse indicar um civil, seria ele o candidato.

Sr. Presidente, tenho feito reflexões e tenho mudado muitos conceitos na minha vida, um deles é sobre Castello Branco. Quando fui Deputado Estadual, um jovem, naquele período de cassações, assumi a presidência e o comando da Oposição e batia - batia duro - no Presidente Castello Branco. Com o tempo, percebi que ele era um estadista, era um homem que realmente sabia o que queria. Ele pensava diferente, tanto que, se dependesse dele, seria um civil o candidato. Costa e Silva foi candidato à sua revelia.

Lembro-me de que, quando era Ministro da Guerra, Costa e Silva saiu numa viagem para o exterior sabendo que o Presidente da República era contra a sua candidatura e disse a célebre frase: “Viajo Ministro e volto Ministro.” Era tal a força dele e a incapacidade de Castello Branco tinha para levar adiante. E como não conseguiu indicar Pedro Aleixo como Presidente, designou-o Vice-Presidente.

Os militares houveram por bem criar a triste e cruel figura da Junta Militar, que ficou no lugar de Pedro Aleixo. Logo depois, fizeram o ato de grande sabedoria: escolheram Médici para Presidente da República e, para que não surgisse um outro Pedro Aleixo da vida, designaram para Vice-Presidente da República também um general de quatro estrelas, Augusto Rademaker.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Ele era Almirante.

           O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Então, a conseqüência foi esta: o Congresso votou para Presidente o Médici, General de quatro estrelas e, para Vice, um Almirante.

           O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - Permite-me V. Exª um aparte?

           O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Com o maior prazer, concedo o aparte a V. Exª.

           O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Eu queria apenas cientificar V.Exª de que o seu tempo está ultrapassado em 11 minutos.

           O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Já estou encerrando, Sr. Presidente.

           O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - O meu aparte, como sempre, Presidente, será rápido. Nobre Senador Pedro Simon, V. Exª faz muito bem em trazer para os Anais o documento que acabou de ler. E ainda melhor faz com os comentários que traçou. Eu queria apenas assinalar que, além do mérito que encerra o discurso nas suas próprias palavras, tem uma outra grande vantagem: a de advertir a todo Governante que o ato de hoje tem o julgamento definitivo amanhã.

           O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Agradeço, profundamente, a V. Exª. o aparte.

           Deliberadamente, fiz com que o meu pronunciamento, em vez de ser de protesto e de lamento, se tornasse um preito de gratidão, de alegria, de emoção a essa figura, a quem o Brasil ainda vai prestar as homenagens que merece, o Vice-Presidente Pedro Aleixo, que optou pela consciência - o que é sempre difícil, imaginem na situação dramática em que ele viveu naquela reunião do Conselho de Segurança, em que todos estavam de um lado e ele do outro.

           A Pedro Aleixo a minha saudação e, tenho certeza, o respeito do Brasil.

           Muito obrigado pela tolerância de V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/1998 - Página 18218