Pronunciamento de Odacir Soares em 09/12/1998
Discurso no Senado Federal
ANALISE DA ATUAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS - ONG.
- Autor
- Odacir Soares (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RO)
- Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA INTERNACIONAL.:
- ANALISE DA ATUAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS - ONG.
- Publicação
- Publicação no DSF de 10/12/1998 - Página 18279
- Assunto
- Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
- Indexação
-
- CRITICA, AMPLIAÇÃO, INFLUENCIA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), MUNDO, BRASIL, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL.
- ANALISE, HISTORIA, EDUCAÇÃO, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), BRASIL, MUNDO.
O SR. ODACIR SOARES
(PTB-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no meu discurso do dia 02 de dezembro discorri sobre o ecossistema dos cerrados brasileiros, fazendo um destaque especial do quanto a sua utilização promoveu o aumento da produção de grãos, de carnes e da fruticultura. Deste crescimento da produção agropecuária resultou o desenvolvimento de extensas áreas antes desocupadas e sem cumprir a função social de alimentar populações carentes, gerar emprego e renda, aumentar o volume das exportações e em termos geopolíticos promover a ocupação de extensas áreas geográficas do Brasil.
Trouxe à discussão e me solidarizei com a denúncia do engenheiro agrônomo Ady Raul da Silva, PhD e membro titular da Academia Brasileira de Ciências, em referência a "Campanha Contra o Uso dos Cerrados" , que é feita de forma sistematica por ambientalistas, na maior parte, membros de Organizações Não Governamentais.
No meu discurso de hoje, Sr. Presidente, trago à discussão o tema do chamado terceiro setor na América Latina, ou mais especificamente as Organizações Não Governamentais.
Ao Norte e ao Sul da linha do equador, homens e mulheres, nos últimos anos, têm criado e ampliado seus espaços de liberdade e de participação. São iniciativas privadas que não visam ao lucro; iniciativas na esfera do poder público que não são feitas pelo Estado. Nem empresa nem governo, mas sim cidadãos participando, de modo espontâneo e voluntário, em um sem número de ações que visam o interesse comum.
Em contraponto à lógica do poder que prevalece nas relações entre Estados e à lógica do lucro que orienta a ação das empresas no mercado, trata-se de iniciativas empreendidas por cidadãos que afirmam o valor da solidariedade. Um terceiro setor - não-lucrativo e não-governamental - que hoje coexiste no âmago de cada sociedade, com o setor público estatal e com o setor privado empresarial.
Na idealização das lideranças do chamado terceiro setor, entende-se que se as empresas acostumaram-se com escalas multinacionais, se os governos criam mecanismos de negociação e sanção globais, é urgente internacionalizar os instrumentos de participação cidadã, pois sem a cidadania, nos tempos hodiernos não haverá limites para o arbítrio.
Sr. Presidente, pesquisas realizadas nas mais diversas regiões do planeta Terra coincidem quanto a constatação de que a atividade associativa ganhou impulso a partir dos anos 70 e 80 para cá. É notório para alguns movimentos, como os das mulheres, de indígenas, de minorias étnicas, de consumidores, de ecologia. Uma nova forma institucional ganha corpo no período dos anos 70-80 e introduz um neologismo reconhecido nas mais diversas línguas nacionais - "Organizações Não Governamentais", as ONG’s - cujo trabalho beneficiaria, segundo uma estimativa do PNUD, cerca de 250 milhões de pobres nos países em desenvolvimento.
Uma pesquisa realizada nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, em 1986, revelou que, de todas as associações civis existentes então, mais de 65% haviam sido criadas a partir de 1970. Tendências análogas foram registradas em países tão diversos como o Chile, Argentina, Quênia, África do Sul, Filipinas e Etiópia.
A definição tomada, tão sucinta, é portadora de uma ambiciosa mensagem: surge no mundo um terceiro personagem. Além do Estado e do mercado, há um "terceiro setor". Um terceiro setor "não-governamental" e "não-lucrativo", que é no entanto organizado, independente, e mobiliza particularmente a dimensão voluntária do comportamento das pessoas.
Ao pensar num "terceiro setor", Sr. Presidente, a necessidade da ênfase é sentida. Importa ressaltar a diferença porque há entre ele, terceiro setor, e o governo alguma coisa em comum: ambos devem cumprir uma função eminentemente coletiva. É como se a retórica sugerisse que "...não apenas o governo, mas também nós, organizações e iniciativas privadas, temos função pública". Da mesma forma, ao se dizerem "não lucrativas" , parecem sublinhar que, apesar de não gerarem lucro, também são independentes e autogeridas assim como as empresas no mercado.
A dupla negação transmite um inegável contraste normativo: no "terceiro setor" , o poder ou o lucro não constituem razões suficientes para a ação. Ao dizer "não-governamentais" implica designar iniciativas e organizações que não fazem parte do governo e não se confundem com o poder do Estado. Não estão no governo agora e não levam ao governo no futuro.
Diferem essencialmente, dos partidos políticos, cuja função consiste justamente em estabelecer vínculos institucionais de passagem da sociedade para o governo e do governo para a sociedade. No terceiro setor, presume-se que as organizações devam prestar serviços coletivos que não passam pelo exercício do poder de Estado.
Isto significa dizer que tais organizações não-governamentais não dispõem do uso legítimo da violência para obter concessões às suas iniciativas. Suas políticas não são compulsórias. Sua influência depende da persuasão, do convencimento pelo exemplo e pelo ensinamento.
Claramente, e com grande poder de convencimento se pode relembrar a figura de um ecologista amarrado à árvore, a um mogno, por exemplo, tentando evitar que ela seja cortada por uma moto-serra na imensidão da floresta Amazônica; das mães argentinas expostas à violência policial na Praça de Maio; do estudante chinês, solitário e absolutamente indefeso, que interrompe o pesado rolar dos tanques na Praça da Paz Celestial em Pequim; da fragilidade de uma madre Teresa de Calcutá a dar tanta ajuda aos necessitados, do milionário que estipula uma enorme doação em seu testamento. Todas estas ações, Sr. Presidente, são emblemáticas do espírito da coisa, do espírito das Organizações Não Governamentais-ONG’s.
Sr. Presidente, por outro lado, abre-se espaço na iniciativa particular para outras razões que não as do lucro. A segunda negação - "sem fins lucrativos" - faz referência a uma série de organizações e de ações cujos investimentos são maiores que os eventuais retornos financeiros. O que elas fazem é simplesmente caro demais para os mercados disponíveis. Museus, criação artística, devoção religiosa, pesquisa, serviços de saúde, de educação, de organização comunitária, de apoio aos carentes, etc., requerem recursos humanos e materiais que ultrapassam com freqüência a capacidade de pagamento dos mais interessados.
Imaginando que o Estado não dê conta de subsidiar toda esta atividade, ou não se disponha a fazê-lo, resulta que ela só pode subsistir se contar com doações feitas por terceiros. Volta-se a distinção já referida: enquanto que os serviços oferecidos pelo Estado são financiados por impostos compulsórios, os serviços oferecidos pelo terceiro setor , dependem em grande parte de doações voluntárias.
A preocupação de apropriarmos informações consistentes sobre a abrangência e disseminação das Organizações Não Governamentais, levou-nos a consultatr o livro " Privado porém Público, o Terceiro Setor na América Latina", de autoria de Rubem Cesar Fernandes, antropólogo, mestre pela Universidade de Varsóvia, PhD pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque, Secretário Executivo do Instituto de Estudos da Religião-ISER e presidente do "VIVA RIO".
O ANEXO Nº 01 ONG’s por País na América Latina , informa a existência de 4.327 ONG’s. A listagem nomina 23 países. O Brasil figura com 1.010 ONG’s, aparecendo em segundo lugar a Colombia com 594, em terceiro o Peru com 401, em quarto a Bolívia com 365 e em quinto lugar o Chile com 345 ONG’s.
Sr. Presidente, é importante assinalar a importância que organismos internacionais oficiais dedicam ao estudo, reconhecimento, e apoio às Organizações Não Governamentais. Um documento do Banco Mundial-BIRD, produzido na década de 80 analisou o papel das ONG’s no contexto de desenvolvimento. Ao examinar a baixa performance da maioria dos países do denominado "Terceiro Mundo", realizada com recursos financeiros neles investidos, este documento propõe uma comparação.
Por que a ajuda para a reconstrução após a Segunda Grande Guerra, dirigida aos países da Europa e ao Japão, efetivamente alavancou o desenvolvimento destes países e por que o mesmo não ocorre com os países do "Terceiro Mundo" ? Como uma hipótese de trabalho, o texto relembra que a ajuda pós-guerra foi para nações que estavam fisicamente destruídas, mas que tinham uma sociedade civil viva, organizada e ativa.
No caso dos países do chamado "Terceiro Mundo", Sr. Presidente, a sociedade civil é fracamente organizada e a iniciativa está, sem exceção, nas mãos de uma elite centralizadora e corrupta, que desvia os recursos alocados de acordo com o seu próprio interesse venal.
O texto, que foi preparado por consultores externos ao Banco Mundial, finaliza recomendando que o BIRD, para o cumprimento de sua missão institucional, deve procurar catalisar a participação das ONG’s nos projetos por eles apoiados. Dentro desta lógica, explica-se porque, durante a RIO 92, as ONG’s assumiram uma importância nova e estratégica, no mundo e particularmente no Brasil.
Analisando a situação do Brasil, à luz desta hipótese, inferimos que o Brasil não é um país fisicamente destruído, mas um país rico, oitavo Produto Interno Bruto-PIB mundial, industrializado, com uma farta produção agropecuária, apesar do desastre recessivo com o qual se defronta, com as altas taxas de desemprego e com o o que se vem chamando de apartheid social.
Mas, Sr. Presidente, as iniciativas da sociedade civil independente do Estado, ainda estão em estágio muito incipiente, com uma agravante de que a cada ano se aprofunda em nosso país o fosso em as classes privilegiadas e as classes desprovidas, as classes mais pobres. O Brasil é um bom exemplo da construção de um triste apartheid social.
Até bem pouco tempo, era quase unanimidade que um governo democrático era condição necessária e suficiente para regular a vida humana associada, incluindo as atividades de mercado. Na atualidade, depois de mais de uma década do retorno aos princípios democráticos, e da promulgação da
Constituição Cidadã , de 1988, temos o convencimento de que se o governo é necessário, não é suficiente, por mais democrático que seja.
A sociedade civil deve ter papel ativo no processo de decisão e de implementação das políticas, planos e projetos. Não se trata de apenas regulamentar e controlar as atividades de mercado. Questões as mais diversas e complexas surgem a cada dia e criam impasses e barreiras que a democracia das massas, por mais exercitada que esteja sendo, por mais lubrificada que seja, não está dando conta.
Exemplificando, Sr. Presidente, as drogas, as gangues, a devastação e recomposição ambiental, os direitos humanos, o direito das minorias, o controle social da teleinformática, a AIDS, a desagregação familiar, a corrupção, os "grampos" e a escuta telefônica, entre outras questões mais pontuais e paroquiais, colocanm a necessidade de novas respostas, de novas formatações e de novas concepções, sobretudo na forma de políticas públicas.
As ONG’s crescem, se multiplicam e tornam-se mais complexas; especializam-se e ganham em sofisticação. Formam redes locais, regionais e transnacionais. Estão a exigir novos talentos para equacionar suas necessidades específicas de financiamentos, de recursos humanos, de planejamento estratégico, marketing social, administração, legislação, etc.
Para os desafios novos e complexos de liderar e comandar estas organizações no contexto de mundo em crise - mundo este que governos e iniciativa privada exclusivamente voltados para a realidade de mercado não conseguem equacionar - um novo tipo de liderança está se confihurando: o empresário social.
Sr. Presidente, estes novos empresários sociais, compartilham uma certeza: a integração de governos democráticos com a iniciativa privada e com uma sociedade civil altamente organizada em ativas, poderosas e influentes Organizações Não Governamentais-ONG’s, é que poderá viabilizar o verdadeiro desenvolvimento economicamente viável, socialmente justo, ambientalmente sustentável, culturalmente adequado, democrático e pluralista.
Entendo que nem todos os estudiosos e técnicos envolvidos no processo de desenvolvimento agropecuário bem como outras pessoas vinculadas aos sindicatos e centrais de trabalhadores tenham aceitação às Organizações Não Governamentais e às ações por elas desenvolvidas.
Uma das críticas feitas às ONG’s é a origem dos seus recursos, a origem de seus financiamentos. O jornal O Correio , da União Européia, em edição de julho/agosto de 1995 aponta fontes de financiamento que seriam, majoritariamente, governamentais. Aquela imagem de voluntarismo franciscano é falsa e não devemos nos iludir com os apelos publicitários para doações visando apoiar projetos.
Segundo artigo publicado na Gazeta Mercantil , edição de 20 de janeiro de 1998, o Diretor Executivo do SINSEP/DF e ex-vice-presidente da CUT/DF, Cláudio Santana, "... as ONG’s sugam, do orçamento governamental da Grá-Bretanha, mais de 40%,Na Itália, Grécia e Noruega, este índice pode chegar a 80%".
Segundo o mesmo artigo a Cúpula Social de Copenhagen constatou: "Uma parte crescente da ajuda pública foi encaminhada aos países em desenvolvimento através das ONG’s. O Banco Mundial avalia que as ONG’s registradas na Índia administram US$520 milhões por ano".
O novo lugar que vem sendo gradativamente ocupado pelas ONG’s, está sendo concedido pelos governos e instituições a partir de alguns princípios básicos. O primeiro é o do descomprometimento dos estados nacionais com os serviços sociais: saúde, educação, saneamento básico. O descomprometimento dos governos com as reivindicações dos trabalhadores é paralelo ao comprometimento dos orçamentos públicos para aumentar os lucros do setor privado, tais como pagamento da dívida externa, privatizações e liquidações do patrimônio público.
"No Brasil", segundo o Diretor Executivo do SINDSEP/DF Cláudio Santana, "vivenciamos há bastante tempo sucessivos planos desta natureza nos serviços públicos e estatais. Basta ver a ação de Fernando Henrique Cardoso. Continuando a política de Collor, extinguiu o Ministério do Bem Estar Social, a Legião Brasileira de Assistência-LBA, Centrais de Medicamentos-CEME, o INAN e a SUNAB, e anuncia o fechamento dos Ministérios das Minas e Energia, das Comunicações e dos Transportes, órgãos reconhecidos pelas vultosas somas de recursos oriundos do Orçamento da União.
Sr. Presidente, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, afirma em seu livro "Mãos à Obra, Brasil": "...muitas ONG’s voltadas para a prestação inovadora de serviços públicos já substituíram ou podem vir a substituir, com maior eficiência, a atuação estatal insuficiente ou, às vezes inexistente".
Esta política, se vier a ser implementada pretende criar agências executivas, trocar o Regime Jurídico Único-RJU pelo contrato de gestão, abrindo e pavimentando o caminho para as ONG’s nos serviços públicos.
Quem poderá assegurar a qualidade dos serviços e a execução de projetos por entidades fora do alcance das normas do serviço público, das fiscalizações e auditorias dos tribunais? O que poderá resultar, Sr. Presidente, é um rastro de destruição, comprometendo a soberania das nações aprisionadas na teia das Organizações Não Governamentais-ONG’s.
Muito obrigado.
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