Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE O DESEJO NACIONAL DE INTEGRAÇÃO MUNDIAL, O ACORDO COM O FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL E A ATRAÇÃO DE CAPITAIS ESTRANGEIROS.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • REFLEXÕES SOBRE O DESEJO NACIONAL DE INTEGRAÇÃO MUNDIAL, O ACORDO COM O FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL E A ATRAÇÃO DE CAPITAIS ESTRANGEIROS.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/1998 - Página 18619
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, APROVAÇÃO, SENADO, ACORDO, EMPRESTIMO EXTERNO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), NECESSIDADE, ATRAÇÃO, CAPITAL ESTRANGEIRO, PROMOÇÃO, INTEGRAÇÃO, PAIS, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, CAPACIDADE, INVESTIMENTO, ESTADO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos vivendo um momento de grandes decisões no Brasil, decisões que são cruciais, são verdadeiras encruzilhadas, são grandes opções nacionais, são grandes linhas e diretrizes de futuro que estamos fincando e estabelecendo em nosso território.  

Ontem, ao votarmos e aprovarmos com grande maioria o acordo com o Fundo Monetário Internacional, consagramos uma opção nacional, adotamos uma linha e uma diretriz de futuro que é clara, que é inequívoca, que é uma escolha simples, objetiva e indiscutível que o Brasil está fazendo.  

Antes de mais nada, talvez seja necessário fixar quais são as premissas dessa decisão, dessa escolha, para que se possa, a partir daí entender melhor e até, de certa maneira, responder melhor às críticas, às objeções, aos apoios e aos estímulos que são suscitados por essa decisão.  

Não se trata de saber se o País deve se integrar internacionalmente, de forma soberana, porque essa é uma decisão que já colocamos na nossa Constituição - a Constituição brasileira, no seu frontispício, num de seus primeiros capítulos, num de seus primeiros artigos diz, claramente, que o Brasil se propõe a fazer parte de uma comunidade latino-americana de nações.  

Esse desejo de integração, esse ato volitivo, essa manifestação de vontade, essa declaração firme, irretorquível do Brasil significa claramente que a comunidade nacional, na sua globalidade, na sua inteireza, adota esse princípio, sustenta esse princípio.  

Queremos nos integrar ao mundo, queremos fazer parte deste mundo, não queremos o isolacionismo, não queremos viver de forma autárquica, não queremos repudiar as relações internacionais. Ao contrário, queremos incrementá-las.  

Mas há uma opção de ordem não-política e, sim, de ordem econômica, que está, necessária e diretamente, associada a essa primeira decisão, a essa premissa. O desejo de integração, o desejo de participação coletiva em nível mundial suscita, necessária e inevitavelmente, também uma integração econômica. Ou seja, pronunciamo-nos volitivamente no sentido de fazer parte desse universo, dessa esfera global de comércio, de troca de mercadorias, de incremento das relações financeiras.  

Mas cabe também uma indagação: ao fazer uma opção pela entrada maciça de capitais estrangeiros no País, ao adotarmos essa linha, ao fincarmos essa diretriz como marco para o nosso futuro, o que nós estamos fazendo? Essa pergunta inicial responde a muitas outras que, subseqüentemente, surgem no debate.  

Ocorreu-me essa pergunta ontem, quando debatíamos aqui a nossa visão, o nosso apoio e a nossa objeção ao acordo com o Fundo Monetário Internacional. No debate, no decurso das exposições de idéias, ocorreu-me que, possivelmente, muitas das questões levantadas teriam uma outra conotação ou outra direção de análise se antes tivéssemos respondido esta pergunta: por que o Brasil opta pela atração de capitais externos? Por que fazemos isso? Por que não, por exemplo, prescindir dos capitais estrangeiros? Por que não eliminar essa entrada maciça de recursos que vêm de fora na forma de capital de risco para apoiar a produção interna no País ou como capital financeiro, a título de empréstimo, a título de alavancagem para a nossa indústria, para o nosso setor produtivo?  

Essas são perguntas que devem preceder a discussão, porque ao respondê-las podemos fazer uma outra análise, uma outra reflexão e chegar à conclusão de que não queremos o capital externo, de que não precisamos do capital externo, que é possível, sim, viver autonomamente, autarquicamente, viver de forma mais independente e muito menos integrada à comunidade global.  

Creio que esteja na memória dos brasileiros décadas anteriores, períodos em que o País foi muito mais autárquico e muito mais auto-suficiente, foi muito mais independente. E é bom lembrar que nesses períodos havia um potencial de investimento do Estado muito grande. A formação de capital fixo, a formação de patrimônio interno, via investimentos do Estado, investimentos governamentais, era crescente no Brasil dos anos 50, 60 e até dos anos 70. Em um País que investia 21% do seu Produto Interno Bruto, ao ano, o Estado representava 8% nesse todo, uma parte altamente significativa e muito importante.  

Ocorre que, nos anos 80, e mormente a partir dos anos 90, essa participação do Estado nos investimentos e, portanto, na capacidade de fazer reciclar a economia e de expandir as frentes de produção no País, foi sendo reduzida até quase desaparecer.  

Hoje, segundo os analistas mais criteriosos e mais insuspeitos, o Estado não só não tem capacidade para participar das forças básicas de investimentos, como o Estado brasileiro produz uma coisa chamada despoupança, ou seja, se o Brasil, hoje, por intermédio de seu setor privado, tem um potencial da ordem de 20% do Produto Interno Bruto para investir - o que significa a poupança com que o País conta para fazer os investimentos serem retomados, a economia se expandir, a economia crescer, abrir novas frentes, gerar novas oportunidades - e, desses 20%, hoje, o Estado contribui com menos 4%, ou seja, o Estado retira do setor privado 4% da capacidade de investimento na formação do nosso capital fixo. Isso significa dizer claramente que o Estado hoje produz despoupança. Perdeu inteiramente a sua capacidade de ser matriz investidora.  

É possível que alguns cheguem à conclusão de que a razão de ter perdido a capacidade de investir é porque o Estado arrecada pouco. Se olharmos a história do Brasil daqui para o início do século, daqui para trás, vamos ver que este é o momento da história do País em que o nível de arrecadação da máquina estatal é o maior, indiscutivelmente, desde as primeiras décadas do século, quando tínhamos um Estado que representava em torno de 6 ou 7% do Produto Interno Bruto. Hoje, o Estado arrecada mais de 30%, em torno de 31% do Produto Interno Bruto.  

Ora, dizer que perdeu a capacidade de investir por deficiência de arrecadação não me parece ser uma explicação plausível. Não tem sustentação razoável essa tese, porque a arrecadação cresceu, e cresceu muito. Dizer que o Estado perdeu também esse potencial investidor porque gasta muito pode parecer sustentável, uma explicação razoável; mas não é o que se vê na realidade do dia-a-dia. Não é o que se experimenta em relação a essa coisa visível, concreta e indiscutível que são as crescentes demandas em relação ao Estado. Há necessidade de mais recursos para as áreas de saúde, educação e segurança do País.  

Não há como defender, sem receber uma contestação óbvia imediatamente, a idéia de que o Estado gasta muito, porque os níveis de gastos são estabelecidos pelos níveis de demanda. Se há uma demanda crescente, se há uma grande insatisfação com os níveis de alocação de recursos governamentais, então, não há como dizer que o Estado gasta muito.  

Se não posso dizer que o Estado arrecada pouco e não posso dizer que o Estado gasta muito, também não poso deixar de chegar à conclusão de que o Estado gasta mal, o Estado gasta muito mal.  

Daí por que, quando se fala em ajuste fiscal, estamos falando em gastar bem. E gastar bem significa que o Estado precisa ter, tem que ter uma margem de recursos, um excedente de recursos, além do seu custeio, além da manutenção da máquina, além do pagamento dos seus funcionários, enfim, da sua capacidade operativa, o Estado tem que ter um potencial de expansão, de abertura de frentes econômicas. Vamos conseguir isso? Não sei. A resposta é política, não é econômica, a resposta quem dá é o País. Eu não apostaria, de maneira enfática, credulamente, Sr. Presidente, que o Brasil esteja disposto a mudar esta estrutura de gastos que hoje comporta.  

É politicamente doloroso, é economicamente complexo e é socialmente, sem dúvida alguma, muito injusto, porque não tem como não produzir injustiças, não produzir situações críticas, amargas, dolorosas, que, no imediatismo dos fatos, se tornam questões muito agudas, muito marcantes para a vida individual dos cidadãos e para a vida coletiva que administramos a partir do Congresso Nacional.  

Ora, por que estou analisando desta forma? Porque estou chegando, ou querendo chegar, à conclusão de que, se não contamos com a capacidade investidora do Estado, se temos uma formação de capital internamente que é insuficiente para as necessidades de crescimento econômico, torna-se, na minha opinião, inevitável atrair capitais externos para formar, junto com os capitais internos, a base de poupança que consiga ser a alavancagem dos investimentos econômicos no Brasil.  

Portanto, quero aqui registrar, marcar com firmeza o entendimento que tenho de que o Brasil deseja, o Brasil quer, o Brasil opta pela atração de capitais externos. Quem quer é o Brasil todo, o Brasil nordestino, o Brasil sulista, o Brasil do sudoeste, o Brasil do centro-oeste, o Brasil do norte, o Brasil das matas amazônicas, o Brasil dos seringais, o Brasil dos pampas, o Brasil dos funcionários públicos, o Brasil dos metalúrgicos de São Paulo, o Brasil dos agricultores do Rio Grande do Sul, o Brasil dos petroleiros do Rio Grande do Norte. O Brasil quer isso, Sr. Presidente, porque o Brasil não deseja, na minha opinião, modificar as estruturas de gasto do Estado. Haveria uma forma de mandarmos para o outro lado do mundo, para a Ásia, para as montanhas caucasianas, seja para onde for, os capitais externos que têm vindo para o Brasil. Poderíamos expeli-los, se quiséssemos; bastaria que tivéssemos um Estado investidor. O estado investidor é aquele que tem excedente de recursos para investir sem ter que fabricar dinheiro. Dinheiro fabricado, moeda pintada, moeda impressa não é capacidade de investimento. Fabricar dinheiro significa fazer inflação, desvalorizar a moeda, reduzir o poder de compra dos assalariados, empobrecer o povo que já é o povo mais pobre. De modo que excedente para investimento se faz com recursos não inflacionários, recursos que não vêm da impressão de moeda na Casa da Moeda, mas de partes sobrantes do orçamento, partes excedentes que não contemplam nem o custeio nem a parte que representa a dívida financeira.

 

Há quem diga também, Sr. Presidente, que seria possível o Brasil expulsar o capital estrangeiro, livrar-se dele ou pelo menos tornar-se-lhe independente ou indiferente. Não precisaria aumentar a taxa de juros para atrair capitais. Bastaria que o Brasil, por exemplo, formasse poupança interna sem mexer na estrutura do Estado. Bastaria gerar poupança interna através de um sistema de previdência capitalizado, o qual V. Exª, Senador Geraldo Melo, que preside a sessão neste momento, para a nossa honra, desta tribuna acabou de abordar com muita inteligência. Mas isso que V. Exª defendeu e que tem muita lógica, uma racionalidade indiscutível, é visto por alguns como privatizar a Previdência, entregar nas mãos de grupos privados um sistema público; significa, na visão de alguns, a tragédia das tragédias de todas as tragédias. Há poderosos opositores políticos à idéia lúcida que V. Exª trouxe à tribuna: usar o sistema de previdência como fonte de formação de capital, como grande potencial investidor, como grande base de poupança interna. Não se faz isso com um sistema de repartição como é o sistema do INSS, um sistema de não-capitalização. Não há uma base de capital que sustente um fundo que, por sua vez, financie o sistema previdenciário e, por outro lado, também financie a economia e a sua capacidade de expansão. Não temos isso no Brasil. As nossas linhas de previdência privada existem mas são, digamos, muito frágeis e estão muito aquém, muito abaixo daquilo que seria desejável.  

Não tenho, Sr. Presidente, conhecimento de um fundo de pensão, de uma poupança, a partir de um sistema previdenciário que não seja forte e sólido, a não ser a partir das grandes empresas estatais ou das ex-empresas estatais, como Telesp, Banco do Brasil, que ainda é e ainda será, no entender do Presidente da República. Mas esses são os grandes fundos de pensão do Brasil, é o único capital originário da previdência que conseguimos produzir no Brasil, a única poupança interna que temos. É insuficiente, rigorosamente insuficiente. Precisaríamos de um sistema muito mais amplo, tão amplo que deveria ser universal para todos, trabalhadores do setores privado e público.  

O Chile adota esse sistema. Como um não-especialista, eu não me sinto autorizado a entrar nesse debate com a mesma autoridade que V. Exª entrou. O Chile, como tem um sistema de previdência que é formador de poupança, alavancador de investimentos, não se abalou com nenhuma das crises externas. O único lado da crise que abalou o Chile foi o fato de que os países asiáticos - Coréia, Japão -, que são grandes importadores de produtos chilenos, reduziram em muito as suas compras. Essa redução de compras por parte do cinturão asiático, evidentemente, doeu na balança comercial do Chile. Todavia, isso foi outro dado e não a fuga de capitais, pois o Chile não tem esse problema, a dependência da fuga de capitais. Não precisou elevar de maneira radical a sua taxa de juros. Mas explique-se porque é preciso que se saiba que não se pode usar esse argumento apenas para combater a atual política econômica, assim como um bólido que vem do espaço. O Chile só não depende porque tem um sistema de previdência inteiramente privado, que abrange desde funcionários públicos até trabalhadores das empresas particulares. Cada cidadão chileno pega o seu dinheiro do salário, escolhe um instituto de previdência privado e paga aquilo que quer receber no final da sua atividade laborial. Se ele quiser tanto, pagará 10% do seu salário; se quiser tanto mais, vai ter que pagar 20% do seu salário. País assim não precisa de capital externo, ou melhor, não depende de capitais externos; quer os capitais, mas eles não são decisivos ou cruciais, não são imprescindíveis. Veja o custo que existe do outro lado.  

Queremos isso que o Chile tem em sistema de previdência? Não queremos, Sr. Presidente! Não vamos ter isso nos próximos 50 anos. É a minha opinião, perdoe-me V. Exª. Não vamos ter! Portanto, o Brasil continua do outro lado da muralha. Não somos o Chile. Não queremos ser. Vamos ser sempre o Brasil, evidentemente, e o Brasil não quer ter um sistema novo de previdência, capaz de formação interna de poupança.  

Adotamos o sistema da repartição que significa o seguinte: uma geração financia a outra. Pronto! Não importa que situação econômica viva esta geração em relação à anterior, porque esta sempre terá que financiar a outra no momento em que ela tem, dignamente, o direito adquirido à sua aposentadoria. Essa é uma decisão brasileira e não a discuto, mas ela nos empurra a buscar poupança, porque aqui não a fazemos.  

Há uma outra maneira de formar poupança interna: produzir extraordinários excedentes na balança comercial. Um país que exporta muito mais do que importa, sem dúvida alguma, acaba formando uma base de poupança, uma capacidade de investimento extraordinária, mas é preciso salientar que esse padrão tem enormes custos sociais. O país que exporta muito e importa pouco faz o seu povo mais pobre sofrer muito, também. Não há lugar no mundo onde essa relação não seja duramente paga pelo trabalhador mais pobre.  

Analisemos os países de maior eqüidade social, como a Dinamarca, por exemplo - não há exemplo mais perfeito de ordem, de eqüidade, de equilíbrio social do que a Dinamarca -, e vamos ver qual é o estágio da sua balança comercial. Trata-se de um país onde não existe pobreza alguma, o índice de pobreza é zero, o de analfabetismo é zero, o de insatisfação é zero, e a balança comercial é rigorosamente equilibrada: o país exporta exatamente aquilo que importa, com diferença muito pequena, quase imperceptível entre uma e outra operação. Esse é um país feliz.  

Portanto, quem conhece esses mecanismos e como se traduzem na vida social sabe que o ideal de felicidade para um povo é balança comercial equilibrada, exportar-se tanto quanto se importa. No momento em que os níveis de exportação começam a crescer demais em relação aos de importação, podem ter certeza de que temos dois efeitos imediatos: uma enorme carência interna, uma enorme ausência de oferta, um enorme aumento de preços para os que podem pagar pouco e, sem dúvida alguma, uma enorme restrição de vida para os baixos salários.  

Um país que importa tanto quanto exporta é um lugar onde a população vive num estado de justiça social e econômica razoavelmente aceitáveis.  

Também não é o melhor dos mundos o país que importa mais do que exporta, porque, evidentemente, está comprando mais do que vende, está gastando mais do que produz, como é o caso do Brasil hoje. Portanto, esse também não é o melhor dos mundos.  

O Ministro Bresser Pereira escreveu, creio que há mais de uma década, um livro interessante sobre o Estado no Brasil, no qual faz um levantamento muito criterioso do que seria necessário para o País não depender de capitais externos. Eu o li há muito tempo, mas me recordo perfeitamente da demonstração que S. Exª faz de que para termos um capital privado interno com capacidade de alavancagem na economia tem que haver uma grande depressão dos salários e um grande aumento de preços, porque só deprimindo o salário e aumentando o preço é que se formam excedentes de capital no setor produtivo. E isso nos levaria a expelir o capital externo, mandar para casa o capital estrangeiro, ficarmos somente com o nosso capital. Mas, vejam bem, no capitalismo, capital se forma assim: baixos salários e altos preços; grandes excedentes, grandes lucros das empresas que lhes permitem ter o excedente capaz de reinvestir, expandir, fazer crescer as suas fábricas e os seus parques produtivos. Enfim, creio que essa não é, nem deve ser - nem a queremos -, a opção política e econômica do Brasil.  

Arrocho de salários e aumento de preços, isso forma poupança interna e uma grande capacidade de crescimento econômico. Queremos? Eu não quero. O Brasil não quer isso. Então, antes de discutirmos se somos contra ou a favor do apoio do Fundo Monetário Internacional, deveríamos discutir quais as opções que adotaremos para prescindir desse apoio e dos capitais externos. Pela análise que se fez, parece que o Brasil não quer nenhuma das outras opções.  

As Oposições têm recomendado muito a mudança da taxa de câmbio. Acham que talvez uma maxidesvalorização do câmbio, ou uma mudança mais acelerada da taxa cambial, desvalorizando o real, poderia incrementar as nossas exportações. Sem dúvida, incrementaria, mas vamos nos lembrar de que isso já foi vivido no Brasil e nós, que éramos Oposição, combatemos com ferocidade essa política.  

Por volta de dezembro de 1979, o então Ministro da Economia, Dr. Antônio Delfim Netto, que havia substituído recentemente o Dr. Mário Henrique Simonsen, fez uma maxidesvalorização da nossa moeda em relação ao dólar. Porém, não resolveu o problema: aumentamos as nossas exportações, mas passamos a ser um País exportador de capitais. Formamos poupança para exportá-la, para mandá-la embora, com custos enormes para o Brasil, mas isso não resolveu, porque depois, em 1982, tivemos que repetir o processo, porque uma maxi chama outra. Foi assim na Indonésia, no México, e tem sido assim na Tailândia e na Malásia. Onde não foi assim?  

Em 1982, fez-se mais uma maxidesvalorização da moeda e o Brasil, que, durante toda a década de 70, tinha sido uma economia estável, com baixos níveis de inflação, entrou na década de 80 como um País altamente inflacionário, um País que tinha uma moeda em franca e real desvalorização. Fizemos isso e, ali, iniciamos o nosso calvário, o nosso sofrimento monetário.  

No final da década de 80, em 1989, já tínhamos ultrapassado os mil por cento de inflação, e, sem dúvida alguma, a inflação causada pela desvalorização da moeda brasileira acabou sendo a matriz da mais profunda, da mais dramática injustiça social jamais conhecida em nossa história. Não houve nenhuma outra decisão econômica neste País que tenha causado tanto empobrecimento, tanta redução de poder aquisitivo, tanta concentração de renda e riqueza entre os mais ricos e tanta concentração de pobreza entre os mais pobres.

 

Esse é o efeito moral, social, econômico, político, da inflação, que nos torna campeões mundiais de injustiça.  

Portanto, Sr. Presidente, desculpe-me por utilizar da palavra por longo tempo. Concluo dizendo que, se não discutirmos essas questões antes, se não estabelecermos esses primados, essas premissas, ficaremos a dizer coisas sem sentido a respeito do Fundo Monetário Internacional, como se ele fosse, digamos assim, uma entre dezenas de opções, entre milhares de possibilidades maravilhosas que temos pela frente. Não! Essas maravilhosas não queremos; queremos uma muito ruim, que é a do FMI. Não é assim, Sr. Presidente! Todas as demais, ou são ruins demais para o Brasil, ou, se não ruins, não as queremos. Como não queremos um modelo de Previdência como o do Chile.  

Essa opção pelo Fundo Monetário Internacional é uma decisão que o País toma consciente de que faz isso porque não quer fazer "a", porque não quer fazer "b", porque não quer fazer "c", porque não quer fazer "d" e porque condena todas as outras opções.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/1998 - Página 18619