Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AOS CINQUENTA ANOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AOS CINQUENTA ANOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/1998 - Página 18317
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, DECLARAÇÃO, DIREITOS HUMANOS.
  • ANALISE, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), REDUÇÃO, MUNDO, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 10 de dezembro de 1948 a Assembléia Geral das Nações Unidas reuniu-se para aprovar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, marco decisivo na conquista da cidadania por todos os povos, com o estabelecimento da liberdade, da justiça e da eqüidade para garantir a paz mundial.  

Terminada a Segunda Guerra Mundial, o mundo inteiro tomou conhecimento das bárbaras violências cometidas contra os direitos da pessoa humana, especialmente o genocídio dos judeus, praticado pelos nazistas. Fazia-se urgente a adoção de medidas que contivessem a fúria de ditadores e chefes de Estado contra a humanidade. A Declaração Universal enunciou os direitos fundamentais - civis, políticos, econômicos, sociais e culturais garantidos a todos os homens. Composta de um preâmbulo e 30 artigos, constituiu, na ocasião, um avanço na conquista da cidadania, visando à igualdade entre todos os seres humanos.  

A Declaração Universal salienta o direito à vida e à liberdade; condena a escravidão, a tortura, a perseguição política; garante o direito de propriedade, o direito de reunião e associação, o direito ao trabalho e à educação, dentre outros.  

Foi, inegavelmente, Sr. Presidente, uma grande conquista para os povos que, oprimidos pelas barbaridades da guerra, procuravam soluções pacíficas para os seus problemas. A sua importância foi tão grande que hoje o seu conteúdo é reconhecido como direito costumeiro de todos os povos. Ela passou a ser uma norma comum de aplicação no que se refere à dignidade inerente e aos direitos inalienáveis da pessoa humana.  

Passaram-se 50 anos. Apesar do sucesso em alguns pontos, ainda não vivemos no mundo prometido pela Declaração Universal. Um mundo de igualdades, sem crueldades ou injustiças. Muitas são as violações dos direitos humanos, as atrocidades cometidas pelos governos, as torturas, as mortes, as perseguições políticas e até mesmo o genocídio, como os praticados em Ruanda e no Zaire.  

Não vamos, Sr. Presidente, nos aprofundar nessas questões, pois longo e cansativo tornar-se-ia este pronunciamento. Vamos sugerir que os compromissos da Declaração Universal sejam sempre mais fortalecidos pela comunidade internacional, mostrando o que tem sido feito e procurando trabalhar em cima do que ainda há por fazer. Mais do que nunca, nesta época de globalização, é premente garantir a realização e a universalidade dos direitos humanos para todas as pessoas, e especialmente, para as mulheres.  

A Organização das Nações Unidas - ONU pediu aos governos, às organizações não-governamentais, às entidades de classe, aos especialistas em direitos humanos e a todos os interessados que enviassem sugestões para a comemoração do cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Inúmeras foram as propostas recebidas neste último ano e, entre elas, podemos citar a elaborada pelo Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher - CLADEM, com representação em 17 países, o qual, no Brasil, contou com a participação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher - CNDM, uma entidade fruto da interface entre governo e sociedade. A campanha desencadeada pelo CLADEM para comemorar a data propõe a adoção de um instrumento internacional que incorpore os direitos surgidos nessa matéria nas últimas décadas sob as perspectivas de gênero e etnia no discurso dos direitos humanos.  

O CLADEM, na introdução do documento que apresentou à ONU, considera que "assim como a Declaração de 1948 constituiu um código ético para a segunda metade do século XX, nós consideramos necessário que hoje, no limiar do novo milênio, os Estados aprovem outro documento de proteção internacional dos direitos humanos que integre os avanços realizados na teoria e na prática dos direitos humanos desde 1948, sem invalidar, de forma alguma, as conquistas da Declaração Universal".  

O projeto pede aos Estados membros da ONU que levem em consideração, na elaboração de uma Declaração para o século XXI, os direitos de identidade e cidadania; o direito à paz e a uma vida livre de violência; os direitos sexuais e reprodutivos; o direito ao desenvolvimento e os direitos ambientais. A nova declaração procura mitigar, principalmente, as desigualdades de gênero e etnia, que ainda persistem no mundo moderno.  

É preciso que as promessas feitas na Declaração Universal saiam do papel e passem a existir no mundo real. A reafirmação dos propósitos de então, mais adaptada ao mundo moderno, poderá ser a forma mais pragmática de se alcançar tal finalidade. Muitos governos, por motivos políticos, desrespeitam os direitos dos cidadãos e mantêm privilégios para uma minoria. Mais de um bilhão e meio de pessoas lutam para sobreviver à fome e à miséria. São milhares os presos políticos e incontáveis as vítimas de tortura.  

A ONU vem desempenhando um papel importante no que se refere às injustiças mundiais, por meio de denúncias e advertências às Nações que desrespeitam os direitos de seus povos. Atuou em questões cruciais como a descolonização nas décadas de 60 e 70 e o fim do apartheid na África do Sul. Mas é vital que sua agenda para o próximo milênio venha a beneficiar os marginalizados, as minorias; que sua luta seja sempre pela prevalência dos direitos humanos.  

São complexas as relações de gênero, discutidas em âmbito nacional e internacional. Há inúmeras pessoas, mulheres e crianças em particular, numa situação vulnerável, sujeitas à tensão e às privações. Em alguns países, a violência física, psicológica e sexual contra a mulher virou praticamente rotina. E em outros junta-se a mesma violência à etnia. Do México, por exemplo, temos notícias freqüentes sobre abusos cometidos contra mulheres na vida privada ou pública. A Anistia Internacional verificou que as principais vítimas são as de origem humilde ou habitantes de comunidades indígenas. A política de terror e intimidação, a violação e a tortura de mulheres e adolescentes são fatos comprovados com dezenas de exemplos recolhidos pela Anistia Internacional. E a impunidade continua. Dificilmente é identificado ou preso o autor ou autores de tais atrocidades.  

Mais mulheres que homens vivem em pobreza absoluta e o desequilíbrio continua crescendo com graves conseqüências para a mulher e seus filhos. Podemos falar em feminização da pobreza, pois a mulher acaba sendo, em última instância, a reprodutora da miséria. A mulher que vive na pobreza sofre de maneira diversa do homem, pela diferença de direitos e responsabilidades. E sofre pela falta de políticas públicas elaboradas sob a ótica do gênero, que poderiam lhes minorar o sofrimento.  

Devemos lembrar que a miséria aumenta a violência de gênero, em que as mulheres são sempre as maiores vítimas. Apesar de todos os avanços do mundo moderno, a diferença entre homem e mulher ainda é uma realidade, num contexto de exclusão social e de subordinação das mulheres. Na perspectiva de gênero para o desenvolvimento, a mulher precisa lutar pela cidadania, integrar-se no espaço político, a fim de que possa, definitivamente, eliminar as desigualdades de gênero geradas pelos processos patriarcal e racista.  

A perspectiva de gênero procura alcançar a igualdade entre homens e mulheres e aumentar a participação da mulher na vida política, civil, econômica, social e cultural. Procura, também, estabelecer a eqüidade entre as mulheres das zonas rurais e urbanas. Tenta acabar com todas as discriminações que ainda pairam sobre o sexo feminino, evitando a formulação de reservas e luta para aumentar o poder decisório da mulher.  

Quanto à perspectiva de etnia, é preciso garantir que grupos desfavorecidos e vulneráveis sejam incluídos no desenvolvimento social, que todos, independentemente de raça, sejam participantes ativos das sociedades às quais pertençam. A paz, a justiça e o desenvolvimento social devem contribuir para que as diferenças de etnia e gênero terminem, para que todos possam participar em igualdade de direitos da vida social e política de seus países de origem.  

É imperioso enfrentar o problema de gênero e etnia, para aprimoramento da humanidade. As políticas públicas modernas sob a ótica do gênero e da etnia devem visar à melhoria. das condições de vida de todas as mulheres e das minorias raciais. O art. 20 da Declaração Universal reza: "Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição.  

O projeto do CLADEM, é mais incisivo: "Todos os seres humanos têm direito a desfrutar todos os direitos humanos, sem distinção alguma baseada em raça, etnia, sexo, orientação sexual, deficiência física ou mental, idioma, religião, opinião política, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição. "  

Esperamos que neste qüinquagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os países membros da ONU sejam mais incisivos e procurem adotar novas medidas para acabar com as injustiças que ainda assolam a humanidade. E cumprimentamos, aqui, o CLADEM pela iniciativa de apresentar um projeto que pode vir a melhorar a condição de muitas pessoas, pois foi elaborado sob a perspectiva de gênero e etnia.  

Era o que eu tinha a dizer.  

Muito obrigada.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/1998 - Página 18317