Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE CRIAR MECANISMOS DE COMBATE A PIRATARIA FONOGRAFICA.

Autor
Ronaldo Cunha Lima (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ronaldo José da Cunha Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDUSTRIAL. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • NECESSIDADE DE CRIAR MECANISMOS DE COMBATE A PIRATARIA FONOGRAFICA.
Publicação
Publicação no DSF de 09/12/1998 - Página 18121
Assunto
Outros > POLITICA INDUSTRIAL. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • DENUNCIA, AMEAÇA, INDUSTRIA FONOGRAFICA, PAIS, VITIMA, CONCORRENCIA, FALSIFICAÇÃO, CONTRABANDO.
  • APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO PENAL, CRIAÇÃO, INSTRUMENTO, AGILIZAÇÃO, REPRESSÃO, CONTRABANDO, FALSIFICAÇÃO, INDUSTRIA FONOGRAFICA, PROTEÇÃO, ARTISTA, MUSICA BRASILEIRA.

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, falei, faz poucos dias, em defesa da língua portuguesa, principal patrimônio cultural brasileiro. Falei sobre os estrangeirismos e sobre a ameaça que isso representa à "última flor do Lácio, inculta e bela", nos versos imortais de Olavo Bilac.  

Hoje, venho em defesa da música brasileira, dos seus cantores, dos seus compositores, da indústria fonográfica nacional. A minha voz vem em defesa das vozes que cantam a nossa música e da música que conta a nossa História.  

Bilac de novo me socorre, com o seu magistral soneto "Música Brasileira":  

És samba e jongo, xiba e fado, cujos  

Acordes são desejos e orfandades  

De selvagens, cativos e marujos:  

 

E em nostalgias e paixões consistes,  

Lasciva dor, beijo de três saudades,  

Flor amorosa de três raças tristes.  

Era o testemunho, já em sua época, da representatividade dessa manifestação criativa de nosso povo, enraizada nas três grandes raças que nos deram formação (indígenas, africanos e portugueses), e que viria a tornar-se, em nosso atual mundo globalizado, nosso fato cultural mais autêntico, símbolo, a um só tempo, de nossa diferença e de nossa universalidade: o nosso produto mais valorizado no mercado mundial.  

Defender nossos músicos e nossa música não é xenofobismo nem nacionalismo exagerado. É apenas cuidado com o que é nosso. É esse instinto de autodefesa, natural a quem se vê ameaçado.  

A indústria fonográfica brasileira tem apresentado um crescimento invejável, até mesmo se comparada à de países europeus, à dos Estados Unidos ou à do Japão. Apenas no ano de 1997, o crescimento da indústria foi de mais de 8% em relação a 1996, ano que havia apresentado um crescimento recorde de 32%. Esse crescimento contínuo coloca o Brasil, hoje, em sexto lugar na escala mundial de produtos fonográficos, com faturamento de US$1,3 bilhão/ano.  

Pois essa indústria, hoje, está seriamente ameaçada, e ameaçada pela mais desleal das concorrências, que é a concorrência da falsificação. A indústria de falsificação está tão forte que coloca o Brasil em segundo lugar, em âmbito mundial, no índice da pirataria fonográfica! Triste comparação de índices...  

A pirataria surgiu no início da década passada, com o comércio ilegal de fitas cassetes. O índice de falsificação foi tão grande que, hoje, noventa e oito por cento do mercado encontra-se sob o seu controle, o que levou a indústria fonográfica brasileira praticamente a abandonar esse tipo de suporte material.  

É inadmissível que todo um setor da indústria, que, diga-se de passagem, deveria ser o mais forte, tendo em vista a popularidade da fita cassete no interior do País, esteja entregue nas mãos desse segmento criminoso, que em nada contribui para o desenvolvimento da nossa cultura, na criação de empregos ou na arrecadação de impostos.  

Para desgosto de Chitãozinho e Xororó, certamente, as fitas cassetes piratas já devem estar sendo vendidas até no Rancho Fundo.  

Os prejuízos são imensos, como grandes têm que ser nossos esforços diante da ocupação do mercado pelo contrabando, pela pirataria.  

A indústria fonográfica brasileira é responsável por cerca de 10 mil empregos diretos e 60 mil indiretos, nas áreas de espetáculos musicais, radiofusão, comércio varejista, gráficas e editoras.  

A indústria de falsificação não emprega. Ao contrário, ela gera desemprego. Com o preço fácil que pratica e a facilidade com que fabrica, desaquece um setor importante e vital para a indústria que é o comércio, que, não tendo como competir, tende a fechar as portas de seus estabelecimentos. Os prejuízos que causa atingem não só compositores, intérpretes, gravadoras, editoras e comerciantes, mas também e principalmente o próprio Estado, por meio da sonegação de impostos, e o consumidor, que adquire um produto de baixa qualidade e sem garantia.  

Dominado o mercado de fitas cassetes, a ameaça da falsificação, hoje, se volta para o comércio de CDs, o último suporte que restou à indústria fonográfica. Hoje, de cada três CDs que são comercializados no Brasil, um é falsificado. Já são 30 milhões de CDs por ano, o equivalente a 600 MILHÕES DE REAIS de prejuízo, conforme denúncia publicada no Correio Braziliense de 15 de novembro último.  

O crescimento da indústria de falsificação alcança níveis absolutamente intoleráveis, e a união de forças tem que prevalecer, com a ação imediata por parte do Governo Federal, no combate efetivo e permanente contra esse segmento criminoso, que trabalha com produtos contrabandeados, fabricados de forma ilegal, principalmente nos países do Sudeste Asiático, Espanha e até mesmo nos Estados Unidos e Canadá, e que entram em nosso País através das áreas de fronteira, mais notadamente com o Paraguai e através dos nossos principais portos e aeroportos.  

O Governo Federal adotou recentemente medidas limitando as compras por pessoas que viajam ao exterior a 500 dólares, com rigorosa fiscalização, cobrança de impostos e aplicação de multas para quem ultrapassar o valor fixado.  

O mesmo rigor tem de se adotado em relação à pirataria, com a criação de uma política oficial contra a falsificação e o comércio ilegal de produtos falsificados, que se espalha por todos os quadrantes do País, prejudicando diretamente a indústria brasileira e o comércio varejista legalmente constituído, setores que pagam impostos e geram empregos.  

As emissoras de rádio e televisão e as revistas têm divulgado dados alarmantes e estarrecedores sobre a ação avassaladora da pirataria.  

A indústria fonográfica paraguaia já foi tragada e, se não reagirmos, poderemos também sucumbir.  

Os empregos que a indústria fonográfica deveria criar e manter no Brasil são transferidos pela indústria da falsificação para o Sudeste Asiático. Os impostos que deveriam ser recolhidos ao Estado são sonegados, agravando os problemas de nosso País.  

O Brasil é rico, riquíssimo em valores artísticos. A força e a qualidade de nossa música e sua aceitação no mercado interno revelam-se nos dados da Federação Internacional da Indústria Fonográfica: setenta por cento dos CDs vendidos no Brasil são de repertório nacional. Na França e na Itália, seus artistas não conseguem mais de 50% dos mercados locais.  

Nossos cantores e nossos compositores alargam cada vez mais seus espaços internacionalmente. Nossa música está chegando lá fora, mas lá fora estão roubando a nossa música, por meio da falsificação. Parece que eles acreditam na canção de Chico Buarque, segundo a qual " não existe pecado do lado de baixo do Equador ". 

A falsificação é inaceitável. Não concebo uma Elba Ramalho falsificada. Não imagino uma Daniela Mercury falsificada. Não vislumbro uma Ivete Sangalo falsificada. Por que falsificadas? Suas vozes nos CDs piratas não mudaram. Mas ainda que sejam suas vozes, são vozes que já não são suas. Alguém apropriou-se dos frutos de seus talentos.  

É por isso que estão aqui alguns dos nossos melhores e mais talentosos artistas, artistas legítimos, tão legítimos que estão preocupados com a falsificação. Estão falsificando tudo. Até o Padre Marcelo Rossi está sendo vítima de pirataria. Estão fazendo o diabo com as missas do Padre!  

Eles todos estão aqui para pedir proteção. Querem proteger seus direitos e querem o direito de ser protegidos. Não querem ficar na janela , como a Carolina da canção, vendo a banda passar . Querem uma legislação mais eficaz, que possa coibir ou pelo menos inibir a ação nefasta e criminosa da pirataria internacional.  

Há uma lei, até recente, a Lei nº 9.610, de 1998, que dispõe sobre direitos autorais, mas deixou de estabelecer sanções, as mesmas sanções estabelecidas, na mesma data, para a lei de proteção da propriedade intelectual de programas de computador, a chamada Lei do Software.  

Quero dizer aos nossos artistas, aos nossos compositores, produtores, comerciantes e à nossa indústria fonográfica que o Senado Federal, esta Casa do Poder Legislativo, não faz ouvidos de mercador, não é omisso. No alcance de sua competência, ele age.  

Estou apresentando projeto de lei que insere alterações em nossas leis penais substantivas e adjetivas, dando-lhes mais rigor, criando mais mecanismos e permitindo mais agilidade na repressão às práticas delituosas.  

Ouvi as entidades interessadas. Ouvi os artistas. Parodiando o nosso Martinho da Vila, de quem recebi generosa e gentil carta, o combate à indústria da falsificação no Brasil ainda anda meio " devagar, devagarinho". Daí esta iniciativa parlamentar que ora apresento em forma de projeto de lei, e para a qual peço o apoio, o exame e a contribuição dos meus Pares, com vistas a, rapidamente, fornecer ao Poder Executivo meios mais eficazes de combater a pirataria no Brasil.  

Tenho certeza de que, aprovando as alterações sugeridas, iremos aprimorar o combate às atividades ilegais que tanto mal têm causado aos artistas brasileiros, não permitindo a esse segmento que cale a música brasileira, silenciando a alma do nosso próprio povo.  

Diante das dificuldades que se apresentam aos nossos compositores e intérpretes, todos se perguntam: " o que será que será? " Pois é a própria música brasileira que dá a resposta de esperança no futuro, nos versos da canção do mesmo Chico Buarque de Holanda, que se aplicam a esta situação e a este momento:  

"...amanhã há de ser outro dia.

Muito obrigado, Srª Presidente. (Palmas)  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/12/1998 - Página 18121