Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE AS COMEMORAÇÕES DO CINQUENTENARIO DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, EM 10 DE DEZEMBRO ULTIMO.

Autor
Emília Fernandes (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • REFLEXÕES SOBRE AS COMEMORAÇÕES DO CINQUENTENARIO DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, EM 10 DE DEZEMBRO ULTIMO.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/1998 - Página 18653
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, CINQUENTENARIO, DECLARAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, DEBATE, MOBILIZAÇÃO, DEFESA, DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, DIREITOS POLITICOS, NECESSIDADE, EXTENSÃO, DIREITOS, TRABALHO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, SOBERANIA NACIONAL, POVO, MUNDO.
  • REGISTRO, DOCUMENTO, APROVAÇÃO, PARLAMENTO LATINO AMERICANO, ENCAMINHAMENTO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), SOLICITAÇÃO, ALTERAÇÃO, REDAÇÃO, ACORDO INTERNACIONAL, DIREITOS HUMANOS, OPOSIÇÃO, ORDEM ECONOMICA, MUNDO, EXCLUSÃO, PAIS, TERCEIRO MUNDO.
  • COMENTARIO, LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, JANIO DE FREITAS, JORNALISTA, OPOSIÇÃO, REFORMA CONSTITUCIONAL, DENUNCIA, PREJUIZO, MAIORIA, POPULAÇÃO, BRASIL.

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos nesta tribuna para abordar um tema que, certamente, em todo o mundo, no dia 10 de dezembro foi lembrado: a passagem dos cinqüenta anos de vigência da Declaração Universal dos Direitos Humanos, nascida no pós-guerra, com a assinatura de apenas cerca de cinqüenta países, mas significando, naquele momento, um avanço fundamental para as relações humanas e nacionais.  

Desde então, a existência da Declaração dos Direitos Humanos impulsionou a mobilização de milhares de pessoas em todo o planeta, que afirmaram valores voltados aos direitos políticos e às liberdades individuais, especialmente na América Latina, derrotando a violência das ditaduras.  

No entanto, é fato que, se o documento contribui para a democracia formal, é também verdadeiro que seu texto original não fazia referência a situações como o colonialismo, por exemplo, e a outras realidades sociais e econômicas negativas, mantidas pela maioria dos países signatários da Declaração.  

Em seus trinta artigos, a Declaração consagra direitos individuais, enquanto a palavra "povo" aparece apenas uma vez no art. 21, o que restringiu o alcance do texto em relação aos interesses coletivos, sociais e econômicos dos países, especialmente os periféricos e pobres.  

Apesar disso, esse documento é um dos mais importantes produzidos pela humanidade neste século, que serviu para desenvolver a consciência das nações e dos povos sobre o tema direitos humanos, e, por isso, é fundamental que saudemos o seu cinqüentenário.  

Ao longo desses 50 anos, o clima de liberdades políticas e individuais sem a correspondência dos direitos sociais e econômicos marcou a vigência da declaração que defende a igualdades entre as pessoas e entre homens e mulheres em todos os campos da atividade humana.  

No ano passado, neste mesmo plenário, na passagem do quadragésimo nono aniversário da Declaração, defendi que a plena vigência dos direitos humanos, no Brasil e no mundo, significava, atualmente, o direito ao trabalho, ao emprego e a uma vida digna.  

Naquele momento, afirmei que, a cada dia que passa, fica mais claro que o direito ao trabalho deve ser elevado a um patamar superior de discussão nas sociedades, superando o atual estágio de resignação diante de seu crescimento vertiginoso, como ocorre atualmente no Brasil.  

Diante disso, insisto em reafirmar que é fundamental que Governos, autoridades e Lideranças tratem o direito ao trabalho como um direito fundamental de cidadania, de desenvolvimento do ser humano e até mesmo de exercício da liberdade individual.  

Agora, no cinqüentenário da Declaração dos Direitos Humanos, gostaria de avançar nesta linha de questionamento, indagando se podemos falar em direitos humanos sem que nações e povos tenham realmente o direito ao desenvolvimento econômico, ao progresso social e à soberania nacional. É forçoso reconhecer que a vigência dos direitos humanos é incompatível com as graves questões sociais por que passam a maioria dos países e, mais ainda, com as dramáticas diferenças sociais e econômicas que separam as nações e os povos do Planeta.  

Nesse sentido, é fundamental questionar, neste momento, as relações econômicas impostas aos países periféricos ou pobres que levam as respectivas economias à recessão, à desnacionalização de seus parques industriais, à falência da agricultura e ao desemprego generalizado.  

Como se pode falar em vigência dos direitos humanos se a sociedade, os países, os povos são cerceados da autodeterminação de construir o seu próprio projeto de desenvolvimento econômico e social, a partir de suas experiências históricas e características nacionais?  

Como se pode falar em vigência dos direitos humanos quando os países são transformados em reféns de uma política de especulação financeira que faz com que os governos, inclusive o do Brasil, tenham que comprometer mais da metade do seu orçamento anual para pagar juros?  

Onde estão os direitos humanos quando decisões externas às Nações levam os parques industriais à destruição, inclusive, reafirmo, aqui no Brasil, gerando o maior desemprego da história, e excluindo milhares de trabalhadores e de famílias do mercado de trabalho e retirando-lhes as mínimas condições de sobrevivência?  

Como falar em vigência de direitos humanos quando Organismos Internacionais, como o FMI, impõem acordos que impedem a proteção aos produtores rurais nacionais, por exemplo, em benefício dos produtos e produtores dos países centrais?  

E ainda, onde estão os direitos humanos quando, em nome dessa política chamada neoliberal, busca-se reduzir salários, confiscar pensões, eliminar direito a aposentadoria, dificultar o acesso das famílias à habitação e impedir o acesso de jovens às universidades e de um trabalhador a um pedaço de terra.  

Questionamos também como se pode falar em direitos humanos, quando somos obrigados a conviver com níveis vergonhosos de concentração de renda, de exclusão social, de fome crônica, de violência contra crianças e adolescentes, de abandono de idosos e pessoas portadoras de deficiência, de agressões às mulheres, de seqüestros, de mutilação e de estupros.  

O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) - V. Exª me concede um aparte?  

A SR.ª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS) - Concedo o aparte com prazer a V. Exª.  

O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) - O discurso de V. Ex.ª nos põe a pensar com muita profundidade. Na economia, temos dois tipos de variáveis: as endógenas e as exógenas. Essas todas da globalização são exógenas, mas as nossas variáveis endógenas, dessas nós podíamos estar cuidando, como V. Ex.ª está lembrando. Já podíamos ter lutado para que houvesse mais emprego, porque o desemprego é a violência maior que o homem pode receber. Podíamos estar construindo casas populares, aumentando a agricultura, enfim tantas medidas podem ser tomadas. O discurso de V. Ex.ª nos põe exatamente a pensar sobre o porquê dessa incompetência nossa de não conseguirmos resolver aqui, nas nossas fronteiras, problemas que, com certeza, amenizariam esta violência contra o homem. Eu aplaudo o discurso de V. Ex.ª e me solidarizo com ele.  

A SR.ª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS) - Agradeço o aparte, Senador Ney Suassuna. Parece-nos que todo documento, todo ato político que a humanidade tem para analisar e a Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma peça fundamental nesse processo precisa ser avaliada e refletida com base na realidade, pois não teria sentido analisarmos uma peça que foi elaborada, um documento brilhante que serviu para despertar na humanidade a atenção aos direitos das pessoas.  

Temos, todavia, constantemente, que fazer essa análise dentro da ótica do mundo em que vivemos. Cinqüenta anos de uma caminhada importante se passaram, mas também de um longo percurso para que possamos dizer que estamos vivendo em sua plenitude os direitos das pessoas, onde todos são iguais, todos têm as mesmas oportunidade e todos têm no mínimo uma casa, uma escola, saúde e, principalmente, um trabalho para ter dignidade.  

Na linha de nosso raciocínio, ainda continuo fazendo as seguintes considerações:  

A vigência plena dos direitos humanos precisa enfrentar e derrotar diversos obstáculos, que impedem a consagração definitiva dos preceitos assinalados na Declaração Universal dos Direitos Humanos que comemora seus cinqüenta anos. Entre eles, podemos destacar a ausência da participação democrática, a falta de credibilidade nas instituições políticas, a corrupção, a impunidade, as diversas formas de intolerância, a violência generalizada, o terrorismo e até mesmo o narcotráfico, que é um assunto muito nosso que agride e violenta as pessoas e, principalmente, as crises resultantes da política de transferência de recursos por meio das dívidas externas, da imposição de acordos comerciais lesivos aos interesses dos países, a ingerência de outros nas economias dos países em desenvolvimento.  

É preciso, portanto, rever as bases da atual política de direitos humanos, indo além das questões civis ou políticas, para afirmar uma visão mais ampla, que contemple os direitos coletivos, econômicos e sociais da sociedade, essenciais para a afirmação da cidadania plena e das garantias individuais.  

É contraditório, com a vigência de direitos humanos, a continuidade da atual ordem econômica mundial, manipulada pelo capital especulativo, pelas grandes multinacionais e por algumas centenas de famílias privilegiadas, milionárias, que ignoram as Nações, os povos e as vidas das pessoas.  

A Humanidade precisa encontrar um novo caminho, que respeite os Estados nacionais, que promova o desenvolvimento, respeite o direito de preservação do meio ambiente, o direito de proteção ao patrimônio cultural, os direitos das minorias e a paz e assegure, sem dúvida, o acesso ao emprego, à educação e à saúde.  

Nesse sentido, documento aprovado, inclusive, na última reunião da Comissão de Direitos Humanos do Parlamento Latino-Americano, realizada em São Paulo, decidiu pedir que a direção do Parlatino envie a todos os Parlamentos dos países-membros solicitação para que os governos se pronunciem, junto às Nações Unidas, sobre a necessidade de promover a redação de uma nova Carta Internacional dos Direitos Humanos.  

Diante disso, gostaria de destacar aqui alguns trechos do artigo do jornalista Jânio de Freitas, que, na Folha de S.Paulo , de 10 de dezembro, atenta para os prejuízos sociais, econômicos e políticos das medidas que vêm sendo aprovadas, inclusive no Congresso Nacional.  

Diz o jornalista:  

"Quando se fizer o exame do sentido presente nas reformas e novas leis aprovadas pelo Congresso Nacional nos últimos anos, por certo vai sobressair um traço comum: nenhuma foi a favor, ainda que em medida mínima, à grande massa que soma 80% ou mais da população brasileira, e todas amputaram ou extinguiram direitos penosa e demoradamente alcançados pelo povo."  

Diz mais o jornalista Jânio de Freitas em seu artigo:

 

"São aprovações parlamentares necessárias à correção das distorções do Estado brasileiro. Isso, no entanto, é uma explicação técnica. Não é uma justificativa, por exemplo, para a evidência de que tais correções do Estado, como propostas ao Congresso e aí aceitas, são distorções terríveis na vida de quase toda a população."  

Continua ele:  

"O mecanismo tem sido o mais simplista. Com o apoio irrestrito dos meios de comunicação e da maioria do Congresso, os formuladores das soluções governamentais para os problemas do Estado não precisam fazer mais do que qualquer quitandeiro, em seu lugar, faria: cortam deveres do Estado com a população e tomam mais dinheiro da população. Sangram duas vezes o povo."  

Concluindo, o jornalista Jânio de Freitas afirma:  

"Dizer que tais medidas assim são necessárias não é próprio da gente respeitável. Se não há esforços na busca de soluções humanas, dispensadas pelos apoios que a tudo permitem impor ao povo, não é decente dizer que tais medidas desumanas são necessárias. São, apenas, medidas provenientes dos direitos desumanos de que governantes e parlamentares se dotam."  

É uma chamada que nos leva à reflexão. Trata-se de um jornal respeitado, de um jornalista que também merece o nosso respeito. Portanto, é importante que façamos essa análise do ponto de vista do que ele apresenta.  

Reafirmamos, Sr. Presidente, Srs. Senadores, que é necessário romper com a omissão, com a conivência, com o silêncio, com o medo e, principalmente, com a hipocrisia de governos e autoridades frente aos direitos humanos, para que os cidadãos do Brasil e do mundo conquistem um novo tempo de respeito, de criatividade e de sonho, fundamentais para o desenvolvimento de homens e mulheres.  

Esse é o grande desafio que os brasileiros e todos os cidadãos do mundo têm em suas mãos nesta virada de século, do qual depende, por um lado, a conquista de melhores condições de convivência entre os povos, a valorização dos seres humanos e, por outro, a derrota do atraso, do novo-colonialismo e da barbárie.  

Era a reflexão que gostaria de fazer, Sr. Presidente, relembrando a importância da Declaração dos Direitos Humanos nesta virada de século.  

Muito obrigada.  

 

ò ¿


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/1998 - Página 18653