Discurso no Senado Federal

ESCLARECIMENTOS SOBRE O PRONUNCIAMENTO DE S.EXA. NA SESSÃO DA ULTIMA SEXTA-FEIRA, APRESENTANDO ALTERNATIVAS AS MEDIDAS DE AJUSTE FISCAL PROPOSTAS PELO GOVERNO FEDERAL. DISTORÇÕES DA PREVIDENCIA SOCIAL. QUESTIONAMENTOS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE O ESTADO E O CIDADÃO.

Autor
Geraldo Melo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RN)
Nome completo: Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • ESCLARECIMENTOS SOBRE O PRONUNCIAMENTO DE S.EXA. NA SESSÃO DA ULTIMA SEXTA-FEIRA, APRESENTANDO ALTERNATIVAS AS MEDIDAS DE AJUSTE FISCAL PROPOSTAS PELO GOVERNO FEDERAL. DISTORÇÕES DA PREVIDENCIA SOCIAL. QUESTIONAMENTOS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE O ESTADO E O CIDADÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/1998 - Página 18710
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PROPOSTA, ORADOR, CUSTEIO, DEFICIT, PREVIDENCIA SOCIAL, RECURSOS, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, OPOSIÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, APOSENTADO, OBJETIVO, JUSTIÇA SOCIAL.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, BRASIL, PROXIMIDADE, VOTAÇÃO, REFORMA CONSTITUCIONAL, NECESSIDADE, PRIORIDADE, DEBATE, ATENDIMENTO, SEGURADO.
  • ANALISE, CARACTERISTICA, ATRASO, AUTORITARISMO, BUROCRACIA, SERVIÇO PUBLICO, BRASIL, NECESSIDADE, ETICA, MORAL, SOLUÇÃO, PROBLEMA, PREVIDENCIA SOCIAL.

O SR. GERALDO MELO (PSDB-RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, confesso que estava querendo desistir da minha presença na tribuna hoje, porque é muito difícil, para qualquer orador, substituir o Senador Artur da Távola, ainda mais quando S. Exª permite incorporar ao seu discurso um aparte em versos que V. Exª acaba de fazer. De maneira que vou perdoar aos dois pelo ambiente que me criaram, mas espero que essa desigualdade seja perdoada por quem eventualmente tenha de me ouvir.  

Ocupei esta tribuna, na sexta-feira, totalmente fora dos meus hábitos. Entendi que deveria voltar. Digo fora dos meus hábitos porque a Casa sabe que passo muito tempo sem ocupar a tribuna, a fim de que os meus Pares possam trazer as preocupações, as suas sugestões, as suas palavras com mais competência e brilho do que eu.  

Acontece que aqui estive no propósito de provocar um debate. E como ocorre com todos nós que temos correligionários e adversários, ao provocar um debate, imediatamente os meus adversários no Rio Grande do Norte passaram a divulgar a formulação que eu fizera como sendo uma tentativa de restabelecer o confisco às poupanças dos brasileiros, reeditando a experiência do ex-Presidente Fernando Collor.  

Na verdade - isso vou dizer rapidamente, porque o propósito principal é o de deixar claras determinadas idéias a respeito dessa questão que está envolvendo a todos nós -, o que eu quis foi apenas registrar uma posição e suscitar uma discussão que, felizmente, começa.  

Vimos, recentemente, o Congresso Nacional apreciar uma proposta do Poder Executivo, entre as muitas que vieram no bojo do ajuste fiscal, que contemplava a possibilidade de serem onerados os aposentados com contribuições para a Previdência Social a que, hoje, eles não são obrigados. Embora o assunto já tenha sido decidido pelo Congresso Nacional e, portanto, não havia motivo para preocupações extraordinárias em relação a isso, comenta-se que há possibilidade de ser reiterada a proposta brevemente. Eu digo aqui o que disse pessoalmente ao Ministro Waldeck Ornelas. Acho que existem alternativas que poderiam ser estudadas.  

Uma das hipóteses por mim aventada foi a de buscar recursos no sistema bancário e em seus investidores, poupando-se todos os pequenos depositores e investidores. Tenho a impressão de que, para o Brasil, isso seria melhor, mais justo e mais fácil e permitiria uma arrecadação maior. Dessa maneira, deixar-se-ia os que têm ativos financeiramente importantes, além dos bancos e instituições financeiras que os administram, fornecerem recursos para o custeio do déficit da Previdência, algo que não se cogitou até agora.  

Continuo convencido de que deveríamos ter mais disposição para pedir uma contribuição maior dos banqueiros que dos aposentados.  

Comecei com essas palavras, sabendo que elas contrariarão determinadas pessoas, sobretudo no Rio Grande do Norte, que gostariam de poder dizer aqui que estou querendo lançar mão da poupança alheia, omitindo o detalhe crucial de toda a discussão que pretendi propor, que é a de se estabelecer, de se criar uma alternativa.  

Se é indispensável ao País a mobilização desses recursos adicionais, penso que eles deveriam ser mobilizados de quem pode contribuir mais. Isso tem a ver com a necessidade que sinto de reiterar uma discussão que, de forma muito aligeirada, fiz, desta tribuna, em torno dessa questão da Previdência, cuja reforma será promulgada amanhã. A Presidência acaba de convocar sessão extraordinária do Congresso para este fim.  

A questão da Previdência, na minha maneira de ver, precisava ser discutida em alguns extratos bastante claros. Em relação ao primeiro deles, tenho a impressão de que a Previdência, como funciona hoje no Brasil, não é boa nem para o Governo, que se queixa do déficit, da inviabilidade financeira de mantê-la, nem para os segurados, que se queixam da ineficácia, das limitações no atendimento e de todos os outros problemas que a sociedade brasileira conhece. Em outras palavras, temos uma Previdência que nem atende bem aos segurados, nem ao dono da Previdência — o Estado brasileiro —, que considera ter nas mãos uma estrutura inviável. Se assim é, acredito que seria fácil chegarmos a um acordo quanto ao primeiro ponto.  

Não há dúvida de que a Previdência não pode ser mantida e de que há necessidade de se fazer um esforço para superação desse déficit. Isso é o que está sendo feito, e provavelmente é nisso que consiste a Reforma da Previdência que será promulgada amanhã.  

No entanto, quando penso em Reforma da Previdência, especialmente quando temos um Governo social-democrata no País, imagino que ela precisa ser alguma coisa muito mais voltada para o destinatário da Previdência, que é o segurado, do que para o Estado. Afinal de contas, por que um país quer ter previdência social? Para ter uma estrutura burocrática, uma máquina, um conjunto de imóveis, uma quantidade fabulosa de recursos investidos, toda uma legislação complexa para gerenciar, ou para dispor de um mecanismo que ofereça ao cidadão determinado tipo de serviço? Se reconhecemos que o serviço que está sendo prestado ao cidadão é inadequado, precisávamos dar à Reforma da Previdência um conteúdo que ela não teve ainda e que tenho esperança de que venha a ter proximamente, pois o que fizemos, até agora, foi verificar que temos nas mãos uma máquina que funciona mal.  

Comparativamente, se nosso carro estivesse gastando gasolina demais, o que faríamos? Arrancaríamos o tanque de gasolina e colocaríamos um tanque maior? Segundo esse pensamento, se gastamos gasolina demais e o carro vai parar a uma distância considerada pequena, precisamos de um tanque maior, para que ele possa fazer uma viagem mais longa; no entanto, não corrigimos o defeito, não melhoramos o serviço que ele presta.  

Necessária, a meu ver, é a concepção da Previdência no sentido de que, tendo em vista o que há, é preciso impor à sociedade um sacrifício — que é justo e indiscutivelmente tem de ser feito —, mas também criar algo novo que supra a sociedade de um serviço cuja deficiência atual é reconhecida por todos.  

Imagino que tudo deveria começar por romper com todos os preconceitos e compromissos intelectuais que possa haver com a Previdência, a fim de que, a partir daí, com absoluta liberdade intelectual e sem nenhuma influência da máquina, dos chamados "entendidos" em Previdência Social, algo novo se criasse.  

Na atual circunstância, tudo começa impróprio, inadequado, a partir da postura de que, se o assunto prejudica o Estado, a máquina, a burocracia, podemos prejudicar o cidadão para corrigir isso. Esse conceito não aceito. O cidadão é mais importante que o Estado. Não entendo, por exemplo, Senador José Eduardo Dutra, que o cidadão passe 10, 15, 20 ou 30 anos contribuindo para a Previdência, comprando, portanto, ao poder público um serviço que pagou adiantadamente e, na hora de receber, tenha de requerer sua aposentadoria.  

Chamo a atenção para a palavra requerer, porque ela significa pedir a alguém que pode negar. Quando se requer, termina-se pedindo deferimento, o que quer dizer que aquilo que estou requerendo pode ser indeferido. Entendo que isso pode acontecer, na medida em que eu poderia requerer aquilo que não é de meu direito. No entanto, deveria ser bastante claro que, se é do meu direito, ninguém pode indeferir.  

Suponhamos o caso de um contribuinte que, há 20 anos, tenha trabalhado no consultório de um médico que já morreu e que era seu empregador, ou em um escritório de advocacia que já fechou. Esse cidadão que tinha tal emprego não sabia, naquele tempo, que lhe seriam exigidos, 20 anos depois, os comprovantes de recolhimento, para que requeresse sua aposentadoria. E a estrutura que controla a Previdência, que não se organizou, sente-se no direito de dizer: traga os comprovantes dos dois anos trabalhados no escritório de fulano de tal, para mostrar que ele pagou por você, ou não o aposento. Se o cidadão estivesse pedindo algo indevido, seria muito justo que o Estado indeferisse.  

No entanto, suponhamos que seja o caso de alguém que não tem nenhum papel e cuja contribuição tenha sido efetivamente paga. Esse cidadão pagou o serviço que comprou ao Estado, mas não sabia que o exercício da sua cidadania passava pela obrigação de guardar papel por 10, 15 ou 20 anos. Se não guardou o papel, seu direito será questionado, e será uma via crucis até que possa encontrar a forma de garantir o que de fato lhe pertence.  

Na minha opinião, com as possibilidades de controle e organização criadas no mundo hoje, ninguém deveria requerer aposentadoria alguma. Um computador da Previdência deveria aposentar automaticamente as pessoas, independentemente de requerimento, pelo simples fato de que a obrigação se completou, e chegou o dia de se aposentar.  

Senador Ronaldo Cunha Lima, o cidadão deveria requerer não se aposentar. Alguém que não quisesse parar de trabalhar, que se sentisse bem trabalhando, que tivesse saúde e disposição, deveria solicitar para continuar no serviço ativo.  

Estou citando esse caso porque ele exemplifica o tipo de relação entre o Estado, a burocracia e o cidadão, que é uma relação que rejeito.  

Lembro-me, Senador Artur da Távola, quando vim a esta tribuna pela primeira vez. Senador em início de mandato, em meu primeiro discurso, contei uma história que vou repetir aqui. Uma história que sintetiza toda essa relação inaceitável entre o Estado e o cidadão. Alguém a contou a mim.  

No interior do Rio Grande do Norte, um velhinho que dizia ter sido aposentado pelo Funrural, no seu início, recebia pela aposentadoria uma fração do salário mínimo - não era nem o salário mínimo. Isso aconteceu na cidade onde nasceu minha família e Câmara Cascudo, sobre quem V. Exª falou com tanto brilho; numa cidade que se chamava, então, Augusto Severo, e que recuperou seu nome original: Campo Grande. E foi lá que essa história me foi contada.  

Ele recebeu aquela miséria, aquela migalha. E seus filhos, lavradores, ignorantes, humildes, pobres, vendo o que o pai recebia, depois de uma vida de trabalho, resolveram pagar uma contribuição em nome dele à Previdência. E fizeram isso durante oito, dez, doze anos – não me lembro exatamente quantos. Ao cabo desses anos todos de contribuição, o velho, instruído pelos filhos, orientados sei lá por quem, requereu uma aposentadoria na esperança de passar a receber uma quantia condigna, e recebeu do Poder Público a seguinte resposta: "O senhor não pode se aposentar, porque já é aposentado." Em outras palavras, o Governo estava vendendo um serviço ao cidadão que sabia que não podia entregar.

 

Se em vez de ser o Governo, Senador Artur da Távola, fosse, digamos, o dono de um consórcio de automóvel que estivesse recebendo o seu dinheiro sabendo que não tinha automóvel para lhe entregar, ele seria o quê? Estelionatário, caloteiro? Seria o quê? Mas como era o Estado, então, tudo bem. Não entregam a aposentadoria ao cidadão porque ele não tem direito.  

Na realidade, o que era de se esperar se tivéssemos um Estado, uma máquina pública enquadrável num tipo de relação com as pessoas que representasse o respeito àquela cidadania de que tanto se fala? Como o cidadão não poderia ter o direito de se aposentar por já ser aposentado, o Estado, tendo concordado em receber o seu dinheiro, deveria aposentá-lo e deveria apurar a responsabilidade por essa falha dentro do serviço público. E, então, deveria cobrar a indenização e a reparação pelo benefício indevido, que o cidadão foi obrigado a pagar, de quem cometeu essa irresponsabilidade, que o Governo assumiu e, por isso, teve que honrar.  

O SR. PRESIDENTE (Ronaldo Cunha Lima. Fazendo soar a campainha.) - Senador Geraldo Melo, lamento interromper V. Exª.  

Tendo transcorrido o tempo normal da sessão, eu me permito prorrogá-la pelo tempo necessário a fim de que V. Exª conclua sua bela oração.  

O SR. GERALDO MELO (PSDB-RN) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Retomando a exposição, gostaria de pedir a atenção da Casa para este aspecto, que considero crucial, de toda a construção da sociedade moderna de que tanto falamos. Creio que está faltando esta reforma. A reforma da relação entre o Estado e o cidadão. Ainda quero ilustrar essa idéia com uma outra história.  

Acredito que a Casa se recorda de que, há um ano, numa crise internacional semelhante a esta que vivemos, foram tomadas 51 medidas, e uma delas era o recadastramento de idosos que recebem um pagamento mensal do Governo. Esse recadastramento foi realizado com tal imperfeição que os idosos foram chamados a um novo cadastramento.  

Minha atenção foi chamada para isso porque, lá no meu Estado, na década de 20, foi Governador um homem brilhante chamado Juvenal Lamartine. O filho mais jovem de Juvenal Lamartine está vivo, com mais de 80 anos, e se chama Osvaldo Lamartine, que é um desses velhos. Ele já tinha sido cadastrado. Osvaldo Lamartine é um homem intelectual, um poeta, um estudioso que morava em São Paulo e que, compreendendo que a sua vida estava perto de terminar, resolveu voltar ao lugar das suas origens, ao chão da sua infância, e foi viver numa pequena propriedade no interior de Rio Grande do Norte.  

Para ele, sair daquele chão para ir até Natal ou Recife fazer um recadastramento era como se alguém lhe pedisse para atravessar o Oceano Atlântico a nado. Esse homem achou aquela situação tão grave que apelou a todo mundo, inclusive a mim, para encontrar uma maneira de resolver o seu recadastramento sem necessidade de todo aquele sacrifício.  

Bem, a punição pela ineficiência do serviço caiu sobre a cabeça dele, que não fez o cadastro, que não o fez de forma errônea e que nem era responsável pelo pagamento indevido de ninguém. Daqui da tribuna, perguntei e volto a perguntar: e o serviço, e a repartição, e os burocratas que fizeram esse cadastro errado, que levou o Estado brasileiro a pagar indevidamente a alguém, esses foram incomodados por alguém? Os velhos foram. E os burocratas foram? Não, ninguém foi. Ninguém sabe nem quem fez isso.  

Na realidade, isso tudo é fruto - penso eu - de uma situação que vem das características que tem a burocracia brasileira. Ela amadureceu reunindo duas circunstâncias - e penso que bastava uma das duas para que ela não fosse grande coisa. Uma é o atraso, o nosso atraso, esse que estimula, que inspira nosso amor pelos carimbos, pelas autorizações, aquela postura de que todo cidadão que se aproxima de uma repartição deve vir para enganar, para mentir. Ninguém vem falar a verdade. O cidadão que entra na repartição não é honesto. Provavelmente ele vai nos enganar, então, preciso de mil carimbos, certidões, provas, comprovantes, comprovações.  

Lembro-me de um homem que entrou numa repartição para receber seu dinheiro e pediram a ele aquele famoso atestado de vida. Ele disse: "Eu estou vivo. Estou parecendo com algum defunto?" E o outro respondeu: "Sei que o senhor está vivo, mas preciso do atestado". E ele: "Mas qual é o atestado maior que minha presença aqui?" E o outro: "Não, é que preciso deixar no processo que vai ser formado um papel dizendo que o senhor estava vivo no dia de hoje".  

Esse é o grito do nosso atraso, que se cruzou com o autoritarismo. E o autoritarismo é o dono, ao lado do carimbo, da arrogância, da prepotência, dessa posição intocável do burocrata que sabe que mandando parar, temos que parar, mesmo que não tenhamos feito absolutamente nada de errado. Temos que parar por quê? Porque ele mandou e é preciso ficar claro que quem manda é ele.  

Por conta disso tudo, creio que mesmo que não se reforme, conceitualmente, a Previdência é preciso mudar a postura, a relação do Estado com o cidadão.  

Penso também que o conceito de Previdência precisa liberar-se de algumas coisas trágicas. Por exemplo, a melhor notícia que podíamos ter é a de que o povo brasileiro está vivendo mais. A esperança média de vida, ao nascer, de um brasileiro, é hoje muito maior do que há 20 anos. É uma má notícia? Não. O fato de que alguém, ao nascer, tem o direito de viver mais é uma grande notícia. No entanto, é uma péssima notícia para a Previdência. Uma pessoa que vá viver mais, irá passar mais tempo como aposentado.  

Estou citando esse aspecto apenas para destacar que não basta resolver problemas financeiros. Existem limites, inclusive morais. Se a questão fosse aritmética bastaria mandar executar as pessoas que passassem muito tempo aposentadas. Estabelecer-se-ia um limite e a pessoa que passasse mais de cinco anos aposentada teria que morrer. Então, isso melhorava a situação financeira da Previdência. Não pode ser isso!  

Imagino, portanto, Senador Artur da Távola, que precisamos criar um mecanismo totalmente novo. Esse sistema previdenciário do Brasil está falido porque é inviável em si mesmo. Está falido aqui como está falido em todos os países do mundo onde tem o mesmo formato.  

Esse é um sistema que, a meu ver, pertence ao passado; Estava na hora de se criar uma sistemática que, na minha opinião, seria de capitalização, em que cada um escolheria um plano que lhe conviesse, decidia que no final de 20, 30, 40, 50 anos de contribuição, ou quantos ele vivesse ou tivesse disposição para viver, receberia um cheque do Governo brasileiro e a sua relação com o Estado estaria encerrada.  

Isso permitiria que ao longo do período de contribuição, havendo uma dificuldade, uma doença séria, um problema grave, um imóvel para comprar, ou coisa desse tipo, que se pudesse sacar como adiantamento ou empréstimo, e que dali saíssem os recursos para prestar uma assistência à saúde, que é alguma coisa compatível e inerente ao sistema de seguro social. Sei que muitos dirão que isso é muito parecido com o que se acontece no Chile. Pouco me importa saber com o que se parece.  

A única coisa que penso é que se esse sistema, que comportaria um seguro social proporcionado por instituições privadas, não poderia ser um sistema de previdência privada inteiramente.  

Para mim, o País não poderia impedir que organizações privadas que quisessem oferecer um seguro social o fizessem. Mas seria essencial a existência do sistema do seguro social estatal, para que ele fosse o paradigma e a referência, porque, se amanhã, por razões de ordem financeira, comercial ou de qualquer tipo de interesse, o segurador privado quiser reduzir ou limitar os benefícios de seus segurados, haveria o paradigma da previdência pública, que seria o grande patrimônio a ser preservado.  

Isso permitiria que se fizesse algo que é o ponto com o qual quero encerrar as minhas palavras. Se se quer fazer algo, isso poderia ser feito hoje, independentemente da reforma, da "reconcepção" da sistemática. O que seria isso? Uma mudança radical na contribuição do empregador.  

Hoje, o empregador tem de ter uma estrutura complexa, cara e difícil somente para controlar a sua contribuição. Não me refiro aqui ao sonegador, e sim ao contribuinte sério que precisa controlar a sua contribuição.  

E por que isso é tão difícil? Porque ele recolhe uma percentagem fixa sobre o salário de cada um de seus empregados.  

Então, a relação do segurado com a Previdência não é só dele, e sim dele em conjunto com o seu empregador.  

Ocorre que o empregador muda na vida de todos os trabalhadores. É a grande exceção das exceções o trabalhador que começou a trabalhar com 15, 16 ou 18 anos de idade e que vai se aposentar com o mesmo empregador.  

Na realidade, a contribuição do empregador tem de ser, primeiro, uma obrigação de todo empregador. Para funcionar neste País, todos têm de ter a obrigação de pagar uma determinada quantia para que o País possa ter sua previdência. Mas isso não tem nada a ver com a relação de Joaquim, de Manoel ou de Antônio com a Previdência. Cada segurado teria a sua relação. Mas o empregador pagaria pelo seu faturamento.  

Pagando pelo faturamento, em primeiro lugar, o empregador com faturamento sazonal, no mês em que o tiver, deverá à Previdência. No mês em que não o tiver, não deverá.  

Segundo, o empregador não precisa mais da estrutura complexa que tem de ter hoje para controlar suas contribuições à Previdência.  

Terceiro, rompe-se uma tendência que aí está, que é universal: a modernização que está em marcha no mundo inteiro. A automatização decorrente da implantação violenta em grande velocidade da informatização na atividade produtiva está fazendo com que as empresas, por um lado, cresçam e, por outro lado, que diminua a quantidade de empregos que oferece. Enquanto aumenta seu faturamento, diminui sua contribuição para a Previdência. Ao passo que, contribuindo com base no faturamento, as empresas vão poder, mesmo que a sua folha de pagamento e o número de trabalhadores diminuam, a medida em que elas crescem, a sua contribuição para a Previdência cresce também.

 

Em outras palavras, Sr. Presidente, para encerrar o que eu quis dizer vindo aqui hoje: reconheço a necessidade de ser dotada a Previdência vigente de recursos para que não entre em colapso a curto prazo.  

Reconheço que precisamos arejar financeiramente a estrutura que aí existe. Para tanto, o Governo tem contado com esta Casa e com cada um de nós. Mas creio que está na hora de nos debruçarmos sobre o problema, pensando no destinatário da Previdência, no cidadão, no segurado. Para isso, que se faça a verdadeira reforma da Previdência Social, passando o conceito de previdência no Brasil por uma total reconcepção, e não apenas por maior obtenção de maiores recursos para permitir que uma máquina que está funcionando mal continue assim.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/1998 - Página 18710