Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIVRO 'A PALAVRA EM AÇÃO - MOMENTOS DE ORATORIA', DE SUA AUTORIA, EM QUE DEFENDE A AUTONOMIA E O FORTALECIMENTO DO PODER LEGISLATIVO.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIVRO 'A PALAVRA EM AÇÃO - MOMENTOS DE ORATORIA', DE SUA AUTORIA, EM QUE DEFENDE A AUTONOMIA E O FORTALECIMENTO DO PODER LEGISLATIVO.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/1998 - Página 18897
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • COMENTARIO, ANALISE, LIVRO, AUTORIA, ORADOR, ELABORAÇÃO, EPOCA, DITADURA, REGIME MILITAR, CONTEUDO, NECESSIDADE, REFORÇO, LEGISLATIVO, BRASIL.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho sido uma espécie de combatente pelo fortalecimento do Poder Legislativo. Já desta tribuna, algumas vezes, procurei apontar caminhos, indicar soluções, mostrando que o comportamento político atualmente está cada vez mais deteriorado. Quando me refiro ao comportamento político, é o lado analítico que se faz do Poder Legislativo.  

Quis, hoje, documentar essa circunstância. Aqui está um livro, Sr. Presidente, intitulado A Palavra em Ação - Momentos de Oratória , que é de minha autoria. Observe, V. Exª, um discurso feito na Câmara dos Deputados, no dia 11 de outubro de 1968, há trinta anos. Naquela altura, o Líder da Oposição era o hoje o Governador Mário Covas e eu, o Vice-Líder, que algumas vezes o substituía no exercício pleno da Liderança, como o foi nesta data.  

Ali pronunciei um discurso no dia 11 de outubro de 1968, há mais de 30 anos, com o título "O Fortalecimento do Poder Legislativo". Foi um discurso de improviso, onde vários colegas Deputados Federais me honraram com seu aparte, tiraram a pobreza que continha na peça para enriquecê-lo, e quero hoje pinçar alguns trechos para servir de debate a este meu pronunciamento. Tenho a certeza de que uma das pessoas que vai contribuir para esse diálogo será o meu eminente amigo e colega Senador Lauro Campos.  

Observem que eu começava dizendo: "Sr. Presidente, Srªs e Srs. Deputados, nos últimos tempos vem o Congresso sofrendo uma ofensiva a fim de desprestigiá-lo." Ofensiva a fim de desprestigiá-lo, 30 anos decorridos, e continuava: "Ainda recentemente, os comentários em derredor dos Congressistas, dos Srs. Parlamentares, eram todos eles forrados de reprovação. E isso se vem avolumando de algum ponto para cá a ponto de se notar que a política, hoje em dia, dificilmente consegue atrair aqueles que poderiam estar a enriquecê-la, a exemplo de tantos homens excelentes que compõem a Câmara dos Deputados.  

E continuando: "Há, inclusive, quando se fala a uma pessoa com quem se tem maior ligação, a resposta imediata: "Não quero saber de política". Até parece que a política, neste País, dizia eu, adquiriu a sinonímia de tudo que é vergonhoso, adquiriu um ponto onde tudo é vulnerável, como se estivesse toda ela a sofrer de uma moléstia contagiosa.  

Mais adiante, após alguns apartes, retomo a palavra, refiro-me à redemocratização de 1946 e digo: "Essa redemocratização, que foi feita a partir de 46, hoje, neste País, é apenas um bruxuleante resquício do imenso fogo que acenderam os homens que lutaram por ela." A redemocratização de 1946, eu dizia em 1968, estava sendo apenas um resquício bruxuleante, até parece que estávamos prevendo o que aconteceria em 1998.  

E mais adiante, o discurso é longo, digo: "Quando disse que o Poder Legislativo resvalava no declive da opinião pública, era pelo desacerto de uns, pela acomodação de outros e pela fuga de tantos. Não quero me referir ao que cada parlamentar possa representar no seu Estado ou na reprovação de seus representantes. Falo, em tese, que muitos entendem ser este Poder Legislativo um Poder que não produz, quando em verdade, se há alguém que tem caráter representativo e técnico dentre os Poderes é exatamente o Poder Legislativo." É aí que quero chegar.  

E logo a seguir eu dizia: "Desejo fazer uma remissão à obra de Montesquieu, O Espírito das Leis , quando ele descrevia a paisagem política da vida constitucional inglesa. E cito: "Em todo Estado, há três espécies de poderes: o Poder Legislativo, o Poder Executivo das coisas, que depende dos direitos das gentes, e o Poder Executivo dos que dependem do Direito Civil."  

Continuo eu. Explicava Montesquieu que pelo primeiro, O Príncipe ou Magistrado fazia as leis; pelo segundo, a paz ou a guerra; e, pelo terceiro, a punição dos crimes e o julgamento dos dissídios particulares.  

Ora, logo a seguir, em socorro da citação de Montesquieu, eu citava o nosso Professor Laski, no seu O Estado Moderno , onde ele esclarece que o Poder Legislativo é o que estabelece as normas gerais da sociedade, é aquele que afirma os princípios com respeito aos quais o indivíduo ajusta a sua conduta, ou seja, enquanto o Legislativo faz tudo isso, o seu enfraquecimento ante o Executivo é o que mais se nota neste País.  

Trinta anos decorridos, título do discurso "Fortalecimento do Poder Legislativo. Querendo brigar, espécie de cruzado em favor do Legislativo, o que é que eu notava? Notava que cada vez mais o Legislativo enfraquecia a sua atuação perante o Executivo. E digo: "Se realmente defendo o Poder Legislativo é porque entendo que ele não pode ficar à mercê do Poder Executivo, sob pena de ser reduzido a um mero ajuntamento de pessoas que passam a prestar serviços ao Executivo, ao Presidente da República. Vejam V. Exªs - dizia eu - que essa subordinação é um caminho, é um passo para a ditadura. Se, neste instante, aqui estamos lutando por esse fortalecimento é porque ninguém desconhece - e os constitucionalistas estão aí defendendo isso - que as mais recentes tendências do constitucionalismo moderno são exatamente neste sentido: equilíbrio programático entre os poderes Executivo e Legislativo, apesar de objetivar-se a estruturação de um Executivo forte. Mas isto dentro de um sistema legalizado, plenamente legalizado, porque, se não ocorrer dentro dessa circunstância, tudo isso será feito ao arrepio da lei e se frustrarão os anseios de todo o povo de que o País se reencarrilhe nos trilhos da democracia.  

Quando se cogita do fortalecimento do Poder Legislativo - acrescentava eu - não se pode deixar de citar o grande Pontes de Miranda, meu velho mestre: "No Brasil, ocorreu o desmedido crescimento dos poderes que eram dados ao Poder Executivo. Dá-los, ainda maiores, não seria corrigir, mas agravar o mal".  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Observem - já darei o aparte a V. Exª, nobre Senador Lauro Campos - o que é uma previsão de quem, 30 anos atrás, jovem, recém-saído da casa dos 30, estudante de Direito que tinha feito todo o seu curso nas malhas do Direito Constitucional, prevendo, portanto, a relação entre os poderes, disse que, mais cedo ou mais tarde, se não tivéssemos cuidado, eis que aqui ressoam, que têm eco, todos os clamores populares, haveria de ocorrer o que está se passando. De quem é a culpa? Por que há este desprestígio do Poder Legislativo? Será por que uns desertam, outros fogem e tantos se acocoram com medo de assumir suas posições e mostrar que vale a pena, que é uma honradez pessoal fazer parte do Legislativo? Por que não se combatem as críticas? Que receio é esse de se dizer em alta e viva voz que aqui também se professa uma das coisas mais notáveis que o mundo político pode produzir, que é, sem dúvida nenhuma, a democracia? E, ainda assim, àquela altura, eu já dizia, Sr. Presidente, parece-me que como um presságio, que cada um dos parlamentares deveria assumir a responsabilidade que lhe é inerente. E frisava: "Não se trata de Governo ou de Oposição. Não quero dizer que o deputado governista peca porque apóia o Governo, ou que o deputado oposicionista falha porque se excede nas críticas. Não é isso. O que está em jogo é o Poder Legislativo. Acima do interesse pessoal de cada deputado, como homem de partido, muito mais alto está o dever de honrar o Poder do qual ele é um dos representantes. Fala muito mais alto a dignidade desta Casa - e, agora, transfiro-a para o Senado Federal -, que tem de ser sempre defendida por aqueles que receberam o mandato exatamente para isso.  

O que está faltando, Srs. Parlamentares, é que cada um cumpra com o dever que lhe é peculiar. Como se há de cumprir o dever, quero ter, agora, o dever junto com o direito, o dever de ouvir o Senador Lauro Campos e o direito de aprender com S. Exª. Concedo-lhe o aparte.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Agradeço, nobre Senador Bernardo Cabral, os termos gentis com que V. Exª acaba de ceder-me a palavra, mas gostaria apenas de declarar a V. Exª que, ao contrário dos meus colegas de plenário, que aqui tiveram apenas alguns minutos de prazer, de engrandecimento intelectual ao ouvir o seu pronunciamento, no trecho do seu livro Palavras em Ação , pude-me deleitar por muito mais tempo, porque li esse livro, de sua autoria, da primeira à última página.  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Muito obrigado.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Os primeiros discursos que aí estão registrados são discursos de sua fase quase universitária, se não me falha a memória, discurso de orador da turma, e outros discursos como Presidente da Ordem dos Advogados. Acompanhei todos esses pronunciamentos e, neste livro, nesta leitura, nesta meditação, pude aprofundar ainda mais a admiração que nutro por V. Exª. Neste momento, V. Exª faz uma reminiscência, levanta a recordação daqueles momentos que precederam a cassação de seu mandato. Esse é um dos pronunciamentos que, realmente, devem ter incomodado aos príncipes, aqueles que se preparavam para fazer baixar a cortina da noite sobre a sociedade brasileira. Esse discurso foi feito muito próximo do dia 5 de outubro, de modo que V. Exª mostra aí o denodo, uma certa indiferença em relação ao poder pelo poder, ao poder discricionário, que tentava amordaçar o Legislativo e fazer calar vozes, com a de V. Exª. O que nós temos aí é uma lição não apenas de um espírito que se nutre dos ideais de Montesquieu e nos ideais das boas relações entre os Poderes, mas, principalmente, daquele que está percebendo um processo em que o Poder Executivo, cada vez mais, se sobrepõe aos demais Poderes. Um processo de autoritarismo e de centralização do poder que, neste momento, acaba culminando com o poder autoritário do Executivo absoluto e militar que atingiu a todos nós, principalmente àqueles que tiveram o mérito de ser cassados. Depois de 1968, quando eu chegava em minha casa, todos os dias, repetia uma frase para que meus filhos e a minha mulher ouvissem: "Se o Governo soubesse o que vou pensar amanhã, faria muito bem em me cassar hoje." E, um dia, sentei-me à máquina para requerer a minha cassação. Ameaçado de morte, pensei que talvez fosse melhor uma aposentadoria, um

otium cum dignitate, do que ver executar aquela vontade dos sicários, desconhecidos por mim e que, a qualquer momento, poderia se concretizar. É com uma certa inveja que faço este aparte, porque V. Exª brilhou tanto que o seu brilho incomodou aqueles que queriam ser os detentores exclusivos do poder autoritário. Congratulo-me com o brilho de V. Exª, que, naquela ocasião, se manifestava através do caráter intemerato, do caráter valente de suas palavras e que, hoje, continua a se manifestar através das luzes de sua maturidade intelectual e de sua retidão ética. Muito obrigado.  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Senador Lauro Campos, quem conhece V. Exª e convive com V. Exª nesta Casa sabe que não é homem de elogios; ao contrário: V. Exª é muito parco. De modo que, ao ouvi-lo, quero destacar dois pontos do aparte de V. Exª ao meu discurso: primeiro, sensibilizado, agradeço a referência elogiosa, por ter lido esse livro e por ter tido a acuidade de revelar, há pouco, que esse pronunciamento foi feito às vésperas da edição do Ato Institucional nº 5. É verdade. Foi exatamente no dia 11 de outubro.  

E a acuidade de V. Exª é tão oportuna e o fecho desse discurso está de tal forma entrosado com o que acaba de registrar V. Exª que vou me permitir lê-lo, para ver como as inteligências humanas, no caso, a de V. Exª e a do autor do que vou ler —o que vou ler não é meu, portanto, apoio-me em palavras de outra pessoa—, como a inteligência de ambos está a afirmar que o erudito, como V. Exª, quando abre a boca é para dizer o que precisa ser dito, sabendo dizer.  

Veja V. Exª que eu não poderia deixar de ler —e foi a única parte lida do discurso—, como fecho do meu pronunciamento, porque serve para dar-lhe brilho, as palavras do Presidente da Câmara, Deputado José Bonifácio, em entrevista coletiva à imprensa, publicada em todos os jornais do dia 9 de outubro, dois dias antes do meu discurso: "Metam na cabeça: no dia em que o Congresso afundar, todos estarão de cabeça para baixo. Nesse dia, o cidadão pode dormir almirante, brigadeiro ou marechal, e acabar simples tenente por decreto do ditador".  

Um mês e meio depois, já em dezembro, o Ato Institucional nº 5 confirmava exatamente isto: "...no dia em que o Congresso afundar..." E essa é a razão por que, trinta anos depois, continuo batalhando. Devo dizer que, àquela altura, como Deputado Federal, tive um companheiro que era uma das cabeças pensantes brilhantes, que hoje ainda está aqui: é o meu velho e querido amigo, hoje Senador, Djalma Bessa, que aqui se encontra. Vivemos juntos o dramático instante do desprestígio do Legislativo. Não digo que, hoje, ele possa ser mais desprestigiado, mas verifico que estamos nos encaminhando para o sistema parlamentarista de governo, porque já se chamam partidos diferentes que não apoiavam o Governo, que não são da coalizão governista, para conversar com o Presidente da República - coisa que só se faz no sistema parlamentarista de Governo, como tivemos, ainda há pouco, a notícia da conversa com o PT e com o PV.  

Portanto, quem sabe se, nessas minhas profecias de que é preciso lutar pelo sistema parlamentarista de governo, não acabemos fortalecendo a instituição do Parlamento, quando já não haverá esta doença que diariamente se lê pelos jornais de quem será esse ou aquele ministro a ser nomeado, porque essas escolhas passarão pelo crivo do Parlamento, pela composição entre os partidos, e aqui se terá um programa de governo previamente conhecido pela Nação.  

Por tudo isso, Sr. Presidente, voltei à tribuna lendo o que foi dito 30 anos atrás, e verifico que, se não tivesse tido nenhum mérito pelas palavras que disse, a intervenção do eminente Senador Lauro Campos não só completou como forrou o meu discurso com o ânimo que vai servir para os que vierem: de que ainda há pessoas preocupadas em ler modestos livros que, se têm muita coisa de mau, algo de bom lhes fica; e o bom que fica é a minha presença, nesta tribuna, dizendo que o que fiz no passado não tenho medo de seguir para o presente.  

Encerro, Sr. Presidente, neste instante. Eu que comecei por um homem do Rio Grande do Norte, termino pela Bahia, com a presença de V. Exª.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/1998 - Página 18897