Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO, DIA 6 DE DEZEMBRO ULTIMO, DO BISPO EMERITO DA DIOCESE DO CRATO/CE, DOM VICENTE PAULO ARAUJO MATOS. RELATORIO APRESENTADO PELA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIENCIA E A CULTURA, UNESCO, COM BASE EM PESQUISA MUNDIAL REALIZADA NO BIENIO 1996/97, SOBRE A INFLUENCIA NAS CRIANÇAS DA VEICULAÇÃO DA VIOLENCIA NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. TELECOMUNICAÇÃO.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO, DIA 6 DE DEZEMBRO ULTIMO, DO BISPO EMERITO DA DIOCESE DO CRATO/CE, DOM VICENTE PAULO ARAUJO MATOS. RELATORIO APRESENTADO PELA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIENCIA E A CULTURA, UNESCO, COM BASE EM PESQUISA MUNDIAL REALIZADA NO BIENIO 1996/97, SOBRE A INFLUENCIA NAS CRIANÇAS DA VEICULAÇÃO DA VIOLENCIA NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/1998 - Página 18997
Assunto
Outros > HOMENAGEM. TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, VICENTE PAULO ARAUJO MATOS, SACERDOTE, BISPO, IGREJA CATOLICA, ESTADO DO CEARA (CE).
  • ANALISE, IMPORTANCIA, RELATORIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), ESTUDO, INFLUENCIA, VIOLENCIA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, TELEVISÃO, CRIANÇA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desejo abordar dois assuntos. O primeiro diz respeito à cidade do Crato, no Estado do Ceará, que prestou, dia 06 de dezembro próximo passado, sua última homenagem a um dos seus maiores benfeitores: o bispo emérito da Diocese, Dom Vicente Paulo Araújo Matos, 80 anos, que faleceu em São Paulo, onde estava hospitalizado, vítima de câncer no estômago.  

Dom Vicente Paulo foi sepultado na Igreja da Sé do Crato, ao lado do altar de Nossa Senhora das Graças.  

A morte de Dom Vicente consternou a região do Cariri e a Diocese do Crato.  

A comunidade católica daquela região lamenta a morte do grande pastor diocesano que chegou ao Crato, procedente de Fortaleza, no dia 18 de agosto de 1955, como bispo auxiliar de Dom Francisco de Assis Pires. Em 1966, com a morte de Dom Francisco, foi eleito bispo diocesano.  

Em 1992, acometido por diabetes, Dom Vicente renuncia à Diocese, sendo substituído por seu auxiliar, Dom Newton Holanda Gurgel.  

Foram 37 anos de trabalho e dedicação no comando da Diocese de Crato. Criou 18 paróquias, ordenou 37 sacerdotes, fundou o Instituto de Ensino Superior do Cariri, entidade mantenedora da Faculdade de Filosofia do Crato, que foi o embrião para o surgimento da Universidade Regional do Cariri. Fundou a Rádio Sociedade Educadora do Cariri. No setor educacional, fundou o Colégio Madre Ana Couto, Escola de Líderes Rurais, Sindicatos Rurais e a Fundação Padre Ibiapina, entidade socioeducacional que desenvolve um amplo trabalho de evangelização, ação comunitária, cursos de treinamentos, pastoral de saúde e pastoral de crianças.  

Dom Vicente Paulo pautou sua ação pastoral num amplo trabalho de assistência social, abrindo espaço principalmente para os mais humildes. Um homem inteligente e austero, ao mesmo tempo, prudente, firme e de grande sensibilidade.  

Dom Vicente nasceu no Ceará, na cidade de Itapagé, aos 11 de junho de 1918. Em 29 de novembro de 1942, ordena-se padre. Foi vigário da paróquia de Nossa Senhora de Nazaré, em Capistrano de Abreu, Diretor do Colégio Castelo, em Fortaleza, e sagrado bispo aos 37 anos de idade.  

Da tribuna do Senado Federal, gostaria de registrar sinceras homenagens a este homem ilustre, que com tanta dedicação serviu ao povo de minha terra, o Ceará.  

Como segundo assunto, Sr. Presidente, vivemos, neste final de século, a era da comunicação de massa, fruto da vulgarização tecnológica da informática, da disseminação da televisão e das redes mundiais de comunicação, como a Internet.  

Ora, tal massificação dos meios instantâneos de comunicação coloca questões éticas e comportamentais que são do maior interesse para as sociedades, como um todo, e para suas lideranças, em particular.  

Dentro do Congresso Nacional, por definição a Casa dos debates das grandes questões nacionais, não podemos deixar de dar eco ao questionamento que os meios de comunicação nos colocam.  

Sr. Presidente, quero me referir, em especial e enfaticamente, à veiculação da violência na mídia, e sua influência sobre as crianças, principalmente aquelas na faixa etária anterior à adolescência, as de menos de 12 anos de idade.  

Todos os que lidam com a psicologia infantil sabem que as características básicas da personalidade do adulto que nos tornamos se moldam no período da primeira infância, ou seja, de zero a sete anos de idade. Isso não exclui, todavia, que os padrões sociais de comportamento das pessoas sejam, ainda, extremamente influenciáveis até idades bem posteriores. Em alguns casos, até a idade adulta. Assim, a repercussão das mensagens captadas por nossas crianças nos meios de comunicação de massa são da maior importância para compor seu comportamento de adultos.  

Não sou eu quem o diz, Srªs e Srs. Senadores. É um importante, abrangente e recentíssimo estudo desenvolvido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, a UNESCO, com base em pesquisa mundial realizada nos anos de 1996 e 1997. E é a partir dessa pesquisa que quero levar à apreciação desta Casa este tema tão candente.  

Antes, porém, de entrar na análise do tema propriamente dito, julgo extremamente importante colocar as premissas do estudo da UNESCO e a metodologia utilizada, para que possamos melhor discutir a matéria. O trabalho foi desenvolvido em colaboração com a Organização Mundial de Escotismo e a Universidade de Utrecht, sob a supervisão do Professor Doutor JO GROEBEL. Trata-se do mais amplo estudo intercultural já realizado a respeito da influência exercida, sobre as crianças, pela violência disseminada nos meios de comunicação de massa. A pesquisa contou com a participação de 5.000 estudantes de 23 países de todas as regiões do mundo.  

Sr. Presidente, a abrangência espacial não é o único aspecto relevante desse estudo. Pela primeira vez, regiões abaladas por crises internacionais ou por guerras e áreas de alta incidência de criminalidade foram incluídas na amostra da pesquisa. Diversos países, de alto desenvolvimento tecnológico, e que nunca haviam participado de um estudo empírico de ciências sociais sobre atuação da mídia, também foram incluídos.  

Os países que fizeram parte do núcleo central do estudo foram: Angola, Argentina, Armênia, o nosso Brasil, Canadá, Costa Rica, Croácia, Egito, Ilhas Fidji, Alemanha, Índia, Japão, Ilhas Maurício, Países Baixos, Peru, Filipinas, Qatar, África do Sul, Espanha, Tadjiquistão, Togo, Trinidad e Tobago e Ucrânia. Tais países representam um amplo espectro de desenvolvimento humano e tecnológico, além de culturas relevantes em âmbito mundial. Refletem, assim, a gama de países incluídos no Relatório 1997 do PNUD sobre Desenvolvimento Humano. Observo que o projeto prevê a inclusão, na próxima etapa, de outros países, como os Estados Unidos, a Rússia, a Finlândia e a Polônia.  

Em cada país pesquisado foram coletados dados nas áreas metropolitanas e rurais, em ambientes onde se verificam altos e baixos índices de violência social, com meninos e meninas, e em diferentes tipos de escolas. Os únicos grupos de crianças não abrangidos pelo estudo foram aqueles que não freqüentam qualquer tipo de escola ou vivem em áreas extremamente remotas. Por outro lado, foram incluídas crianças que já viveram em campos de refugiados. A logística e a distribuição dos questionários entre as crianças participantes foi organizada pelos membros do Movimento Escoteiro, sob a supervisão científica da Universidade de Utrecht, que procedeu, também, à análise dos dados colhidos.  

Foram abordadas cinco questões básicas nesse estudo:  

que papel desempenha a mídia e, em particular, a televisão, nas vidas de crianças, em nível mundial?

por que as crianças ficam fascinadas com a violência na mídia?

qual é a relação entre a violência na mídia e o comportamento agressivo entre as crianças?

existem diferenças culturais e de gênero no impacto exercido pela mídia sobre a agressividade?

de que forma os ambientes violentos, com guerras e criminalidade, por um lado, e o nível de desenvolvimento tecnológico, por outro, influenciam a forma como é encarado o conteúdo de agressividade da mídia?

Nobres Senadores, os resultados obtidos demonstram cabalmente o alcance da televisão no mundo moderno. Assim é que se constatou que 93% das crianças incluídas na pesquisa têm acesso a um aparelho de televisão: 99% no Hemisfério Norte e 83% na África, sendo que Ásia e América Latina situam-se no intervalo. Essas crianças passam, em média, 3 horas diárias diante da televisão, o que significa que passam 50% mais tempo ligadas a esse meio de comunicação que a qualquer outra atividade não-escolar, incluindo a elaboração de deveres de casa, o convívio com a família e os amigos ou a leitura. Assim, a televisão tornou-se fator primordial de socialização e domina a vida das crianças nas regiões urbanas e áreas rurais eletrificadas em todo o mundo.  

Os meninos são, em particular, fascinados pelos heróis agressivos disseminados pela mídia. Alguns deles, como O Exterminador , de Arnold Schwarzenegger, tornaram-se ídolos conhecidos por 88% das crianças em todo o mundo. Dessas, 51% vivem em ambientes altamente violentos, com guerras ou criminalidade, e gostariam de ser como ele, enquanto que 37% das crianças de vizinhanças onde é baixo o índice de violência, também desejam copiar o personagem de Schwarzenegger. Torna-se claro que as crianças necessitam de e utilizam os heróis da mídia como modelos que os auxiliam a lidar com situações difíceis. E esse fato é inteiramente válido para todas as regiões do mundo.  

Embora a maioria das crianças seja ou se declare relativamente feliz, um número considerável delas vive, permanentemente, em estado emocional abalado. Aproximadamente metade das crianças entrevistadas, sem diferença entre meninos e meninas, relata que se encontra ansiosa com muita freqüência ou, até mesmo, durante a maior parte do tempo: 9% delas tiveram que fugir de casa pelo menos uma vez em suas vidas; 47% relatam que gostariam de viver em outros países, seja por espírito de aventura, seja por escapismo. Nas áreas altamente violentas, 16% das crianças relatam que a maior parte das pessoas que vive em sua vizinhança morre assassinada.  

Sr. Presidente, vivendo em ambientes tão dissemelhantes, seria possível encontrar pontos em comum entre essas crianças? Quais seriam, por exemplo, os valores dessas crianças? A pesquisa apontou que um total de 40% responde que seu principal desejo é ter uma família, seja por viverem em algum tipo de relação funcional saudável entre pai, mãe e criança, seja por carecerem dessa relação e gostariam de tê-la. Para 10% das crianças ter comida constitui seu principal desejo, o que significa estar esse grupo regularmente exposto a privações de alimentos. Para 25% dos meninos, o desejo mais importante é ser sempre o vencedor, enquanto que 19% das meninas fazem tal afirmação.  

Em tal situação, os heróis da mídia são usados pelas crianças como escapismo e compensação por seus problemas. Para os meninos, trata-se de modelos essencialmente agressivos – 30% deles nomeiam um herói de ação. As meninas elegem os

pop star e os músicos. Mais uma vez pode haver uma correlação dos resultados com a distribuição dos meios de comunicação de massa: quanto maior o número de televisões, mais altos os índices de preferência pelas personalidades ligadas à mídia e mais baixos aqueles relacionados a modelos tradicionais de liderança, como políticos e líderes religiosos. No grupo Europa/Canadá, os jornalistas alcançam dez vezes mais indicações do que os políticos.  

Meus nobres Pares, as visões de mundo das crianças são, obviamente, influenciadas pelas experiências reais, tanto quanto pelos meios de comunicação. Muitas crianças estão cercadas por um ambiente no qual tanto suas experiências da vida real quanto o que é disseminado pela mídia sustentam a visão de que a violência é natural. Assim, quase um terço das crianças que vivem em ambientes agressivos acredita que a maioria das pessoas do mundo são más, contra apenas um quinto das crianças inseridas em ambientes de baixo índice de agressividade que pensam da mesma forma.  

Assim, de modo geral, os padrões e percepções de comportamento agressivo das crianças refletem o que elas experimentam em seu ambiente real: frustração, agressividade e circunstâncias problemáticas.  

Sr. Presidente, estou convencido, e a pesquisa na qual me baseio vem confirmar, que o impacto da violência na mídia pode ser basicamente explicado pelo fato de ser o comportamento agressivo recompensado. Um total de 47% das crianças que preferem os conteúdos agressivos da mídia gostariam de se envolverem em situações de risco, enquanto que apenas 19% das que preferem outro tipo de transmissão na mídia têm o mesmo desejo. Tal preferência se aplica a meninos, em particular.  

Assim, explica-se porque nas nações com alto nível de desenvolvimento tecnológico, reafirma-se a tendência de busca de situações de risco. O amplo espectro de meios de comunicação audiovisual disponíveis aumenta o desejo de satisfazer permanentemente as necessidades de estímulo psicológico, que são disparadas pelos conteúdos agressivos da mídia.  

Todavia, diferentes formas de agressão são percebidas e diferentemente avaliadas nas culturas das diversas partes do mundo. Se tomado como referência o que as crianças consideram como mais grave, um ataque físico ou um insulto verbal, as respostas confirmam as diferenças culturais. Na Europa e Canadá 55,5% das crianças consideram mais grave uma agressão física, enquanto que 44% indicam o insulto por palavras como mais grave. Na Ásia, dá-se o oposto, com 70% das crianças indicando a agressão verbal como mais grave, contra 29% que apontam a agressão física. Na África, a situação é semelhante à da Ásia, enquanto que na América Latina as opiniões se equilibram em 50% para cada uma das formas de agressão.  

Assim, Srªs e Srs. Senadores, de modo geral pode-se concluir que:  

a violência na mídia é universal e apresentada essencialmente num contexto compensador;

dependendo das características da personalidade das crianças e de suas experiências no dia-a-dia, a violência na mídia satisfaz necessidades diversas: ela "compensa" as frustrações e as carências em áreas problemáticas, enquanto oferece "emoções" para as crianças que vivem em ambientes menos problemáticos. Para os meninos, ela cria um quadro de referência em relação a "modelos atraentes de papéis";

existem muitas diferenças culturais e, no entanto, os modelos básicos das implicações da violência na mídia são semelhantes em todas as partes do mundo;

os filmes, individualmente, não constituem problema. No entanto, o alcance e a onipresença da violência nos meios de comunicação de massa (com média de cinco a dez ações agressivas por hora de programação de TV em muitos países) contribui para o desenvolvimento de uma cultura agressiva global;

a "normalidade" e o "caráter de recompensa" da agressividade são mais sistematicamente incentivados do que as formas não-agressivas de lidar com a vida. Conseqüentemente, o risco da violência na mídia prevalece em nível global.

Cabe, então, a pergunta: o que pode ser feito em tal situação, por nós, aqui e agora?  

É fato que a violência tem sido um elemento recorrente da ficção e do noticiário, não podendo ser excluída de qualquer cobertura da mídia. No entanto, o seu alcance, limite e caráter compensatório é que constituem o problema. Violência pode e deve ser distinguida da agressividade inata em todo ser animal, instinto básico ligado a sua sobrevivência.  

O estudo da UNESCO sugere, e eu endosso, que três estratégias importantes devem ser consideradas, em nível internacional:  

o debate público e as conversações "em comum" entre os chamados cinco "P"s: Políticos, Produtores, Pedagogos, Pais e os futuros Prosumers, os consumidores ativos;

o desenvolvimento de códigos de conduta e autocontrole entre os profissionais da mídia;

o estabelecimento de processo de educação sobre a mídia, para criar usuários competentes e com capacidade de crítica em relação aos meios de comunicação.

Sr. Presidente, com a existência de meios de comunicação como a Internet, a mídia tende a ser cada vez mais onipresente, embora contendo riscos. Ao mesmo tempo ela oferece, também, muitas novas possibilidades sociais. Como conseqüência, este novo ambiente digital, que se estrutura ao nosso redor, demanda atenção, como a cultura e a educação, o fazem no mundo tradicional, já que qualquer conteúdo transmitido pela mídia moderna torna-se potencialmente global.  

É verdade que crianças e adolescentes estão sempre interessadas em provocações, envolvendo-se, freqüentemente, com estórias violentas e contos de fadas. Na medida em que a violência real vem crescendo, especialmente entre a juventude, parece plausível estabelecer uma correlação entre a violência na mídia e o comportamento agressivo. Com os recursos mais recentes desenvolvidos pelos meios de comunicação, como o surgimento de videocassetes, jogos de computador e a Internet, pode-se verificar crescente aumento na quantidade de imagens violentas exibidas que atraem, naturalmente, muita atenção. Os vídeos apresentam cenas realistas de torturas ou assassinatos; os jogos de computador permitem ao usuário estimular, de forma ativa, a mutilação de "inimigos"; e a Internet – não obstante a possibilidade de sua utilização de forma positiva pela e para a sociedade, torna-se uma plataforma para a pornografia infantil, o culto da violência e orientações terroristas. No entanto, mesmo à vista desses fenômenos, é essencial compreender que as causas primárias do comportamento agressivo são ainda encontradas no interior do ambiente familiar, nos grupos de amizade e, em particular, nas condições socioeconômicas em que as crianças são criadas.  

Todos nós sabemos que, desde a mais remota antigüidade, o homem é fascinado pela agressão. Na escultura, na pintura, na literatura e, mais recentemente, nas histórias em quadrinhos e filmes, as manifestações da agressividade humana são uma constante. O que não quer necessariamente dizer que a existência de um comportamento destrutivo seja inato. Chama a atenção, contudo, por ser um dos fenômenos da vida humana que não podem ser prontamente explicados.  

Nesse sentido, pode-se admitir que, no âmbito de um conjunto de predisposições biológicas e socializações do papel de gênero, os homens experimentam, com mais freqüência, a agressividade vinculada à recompensa. Ela se adequa ao papel masculino na sociedade, mas pode ter, também, servido de motivação para a busca de aventura, como a exploração de um novo território ou a proteção da família e do grupo. Sem contar com algum tipo de mecanismo de recompensa interior (busca fisiológica de sensações emocionantes) ou exterior ( status e acasalamento), o homem teria provavelmente fugido, deixando seus familiares desprotegidos. Desafortunadamente, porém, paralelamente à agressão funcional, ligada à sobrevivência, a espécie humana desenvolveu uma forma de agressão "destrutiva", representada por assassinatos em massa, tortura hedonística e humilhações, que não pode ser explicada em termos de autopreservação. São esses os tipos de agressão distribuídos e exibidos, em larga escala, pela mídia.  

É evidente que devemos evitar as generalizações fáceis e maniqueístas. Por isso, há que se fazer uma distinção entre as formas problemáticas e as não-problemáticas de violência na mídia. Um noticiário ou documentário de TV, que apresente a crueldade da guerra e o sofrimento de suas vítimas, numa visão sem voyeurismo, faz parte de uma análise objetiva ou pode até servir para a redução do conflito. Campanhas de ódio, por outro lado, ou a glorificação da violência acentuam as características de "recompensa" da agressão extrema. Assim, difusões "voyeurísticas", censura, propaganda artificial e perversa, violência recompensada podem ser consideradas modos problemáticos de veiculação da violência na mídia. Por sua vez, jornalismo investigativo clássico, campanhas anti-violência, estórias de impacto emocional, desempenham o papel inverso na mídia.  

Note-se que muitos incidentes em todo o mundo envolvendo crianças indicam que elas não têm geralmente capacidade de distinguir entre realidade e ficção, aceitando, sem questionamento, aquilo que vêem em filmes de entretenimento e que estimulam sua agressividade. Se as crianças se encontram permanentemente expostas a mensagens que promovem a violência como um divertimento ou como uma atitude adequada para resolver problemas ou adquirir status, torna-se muito alto o risco de que elas venham a incorporar, como suas, essas atitudes e padrões de comportamento. Exemplos recentes são o assassinato do índio Pataxó, aqui em Brasília, e o de um jovem homossexual nos EUA.  

À medida que o mundo comercial e político confia fortemente na influência das imagens e mensagens midiáticas – como se vê pelo movimento de bilhões de dólares da indústria da publicidade ou no importante papel desempenhado pela mídia na política, e nossa recente campanha eleitoral está aí para prová-lo – parece ingênuo excluir a violência nos meios de comunicação de massa da probabilidade de exercer efeitos nas pessoas, principalmente nas crianças.

 

Se quisermos pesquisar os fundamentos teóricos para a avaliação da influência da veiculação da violência na mídia sobre o comportamento humano, em especial o infantil, encontraremos numerosos estudos e propostas de sistematização das causas e conseqüências desse fenômeno. Entre essas, uma das que maior influência exerce sobre os que estudam a questão, é a teoria da Abordagem do Aprendizado Social, de Albert Bandura e seus associados, segundo a qual muito do que as pessoas aprendem resulta da observação de seu meio imediato, o que leva a admitir que processo semelhante se verifica pela mídia. Muitos estudos têm demonstrado que as crianças, em especial, tanto imitam o que vêem na tela, como integram os padrões de comportamento observados ao seu próprio repertório.  

Contrapondo-se a essa corrente existe a Teoria da Catarse, à qual se seguiu a Teoria da Inibição, propostas por Seymour Feshbach. Embora ambas as abordagens possam ser válidas em determinadas circunstâncias, elas não foram confirmadas na maior parte dos estudos realizados. Seu autor, Feshbach, também aceita, atualmente, a existência de efeitos de risco negativos.  

A realidade que se cria é que a fascinação pela violência está quase sempre relacionada a personalidades fortes, que têm o controle da situação, são recompensadas no final por sua agressividade e podem lidar com quase todos os tipos de problemas. A mensagem tem pelo menos três desdobramentos: a agressão é um meio eficaz de resolver conflitos; a agressão oferece status; e a agressão poder ser divertida. No caso brasileiro, poderíamos acrescentar um quarto aspecto: o agressor fica quase sempre impune.  

As características de recompensa, ou compensatórias, da agressividade são mais sistematicamente incentivadas do que as formas não-agressivas de lidar com a própria vida, fazendo prevalecer, dessa forma, o risco da violência na mídia. No Brasil fica patente tal percepção heróica e hedonista da violência quando nos remetemos a expressões do tipo "macho latino americano", "malandro agulha", "cabra macho", "mulher macho", e tantos outros termos de nossa linguagem popular.  

Fica óbvio, para qualquer observador mais atento, que as crianças querem viver em um ambiente familiar sadio e funcional do ponto de vista social e, na medida em que tais aspectos pareçam estar ausentes, elas procuram modelos que ofereçam a compensação por meio de poder e da agressividade. Assim, quando o conteúdo de violência se torna um fenômeno tão comum que se chega à existência de um ambiente de modo geral agressivo na mídia, aumenta consideravelmente a probabilidade de que as crianças desenvolvam um novo quadro referencial, sendo as predisposições problemáticas canalizadas para atitudes e comportamentos destrutivos.  

Quais seriam, então, as soluções possíveis para o mundo e, em especial, para este nosso Brasil?  

Inegavelmente mais importante do que a mídia, são as condições econômicas e sociais nas quais crescem as crianças. E nesse terreno, o Brasil está secularmente atrasado. No entanto, a mídia como componente de culturas, credos e orientações também merece muita atenção, sobretudo se atentarmos para o fato de que sua repercussão qualitativa não difere muito se as crianças são européias ou africanas, asiáticas ou latino-americanas.  

Controle centralizado e censura estão, liminarmente excluídos. Resta-nos, então, o respeito do ser humano e de sua natureza intrinsecamente boa e voltada para a paz social. Assim, o debate permanente dos valores sociais, a prevalência de código de ética no comportamento da mídia e a educação dos usuários para examinarem a mídia com espírito crítico e competência são postulados e formas objetivas de ação. Se estamos falando de crianças, essa tarefa se torna ainda mais ingente, já que é no seio das famílias e nas escolas que tal formação se dará.  

Mais uma vez, retornamos à questão central do desenvolvimento de qualquer sociedade: a educação de suas crianças e o resgate de seus adultos para a cidadania responsável.  

O Brasil, com a enorme dívida social que ainda tem para resgatar e com a avassaladora invasão do processo de globalização em nossa sociedade, não pode postergar a discussão que seu poderoso sistema de comunicação de massa tem sobre sua enorme população infantil.  

Estamos construindo a cidadania brasileira do século XXI. Devemos começar pelas nossas crianças. E para isso, temos de enfrentar de peito aberto a discussão sobre os efeitos da violência na mídia nacional e mundial.  

Era o que eu tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/1998 - Página 18997