Discurso no Senado Federal

DEFESA DA REFORMA TRIBUTARIA ENCAMINHADA AO CONGRESSO NACIONAL NO ULTIMO DIA PRIMEIRO DE DEZEMBRO.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • DEFESA DA REFORMA TRIBUTARIA ENCAMINHADA AO CONGRESSO NACIONAL NO ULTIMO DIA PRIMEIRO DE DEZEMBRO.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/1998 - Página 19003
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • DEFESA, PROPOSTA, REFORMA TRIBUTARIA, ENCAMINHAMENTO, GOVERNO, APRECIAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, ALTERAÇÃO, SISTEMA TRIBUTARIO NACIONAL, REDUÇÃO, CUSTO, BRASIL, SUBSTITUIÇÃO, TRIBUTOS, IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (IPI), PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL (PIS), CONTRIBUIÇÃO PARA FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS), SALARIO EDUCAÇÃO.
  • CRITICA, EXCESSO, PERIODO, TEMPO, CONTEUDO, PROPOSTA, REFORMA TRIBUTARIA, GOVERNO, IMPLANTAÇÃO, CONSOLIDAÇÃO, REFORMULAÇÃO, SISTEMA TRIBUTARIO NACIONAL.
  • CRITICA, MANUTENÇÃO, COBRANÇA, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), PROPOSTA, REFORMA TRIBUTARIA, GOVERNO.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi com grande satisfação que o Congresso Nacional recebeu a Proposta de Emenda Constitucional do Governo referente à reforma tributária , na semana passada. Desde 1995 que o Governo vem apresentando propostas para a reforma de nosso sistema tributário. Primeiro, foi a PEC nº 175-A/95. Depois, foi a proposta apresentada em linhas gerais, e nunca formalizada, pelo Secretário-Executivo do Ministério da Fazenda, o Sr. Pedro Parente. Isso se deu em setembro de 1997. Agora, ao que tudo indica, temos em mãos a proposta definitiva do Poder Executivo, aquela que deverá ser apreciada e modificada pelo Poder Legislativo, nos pontos em que se julgar pertinente, passando, então, a fazer parte de nossa ordem constitucional.  

A mais complexa e a mais abrangente das reformas constitucionais, a reforma tributária certamente implicará um processo árduo de busca do consenso entre as Unidades da Federação, entre os partidos políticos, entre as organizações da sociedade civil e mesmo entre os parlamentares tomados individualmente, pois cada um parece ter um pensamento particular sobre como seria a reforma tributária ideal. Não há problema quanto a isso: pois o debate e o embate parlamentar, ainda mais em assunto de tal monta, fazem parte do processo democrático de tomada de decisões.  

O único consenso, desde já assegurado, é o da necessidade urgente de se promover uma reforma tributária no País. Com isso todos concordam. Pois todos sabemos que hoje vivemos sob um regime de quase anarquia tributária, que muitos prejuízos traz à produção e ao emprego. Os tributos atuais são demasiadamente complexos, distorcem a alocação dos fatores de produção, favorecem a sonegação e desfavorecem a competitividade da produção nacional. Urge, portanto, reformar o sistema.  

Segundo tributaristas e especialistas em economia e finanças públicas, a reforma deveria atender, pelo menos, a quatro objetivos: simplificar o sistema tributário; reduzir a sonegação; ampliar a base tributária; e melhorar a competitividade dos bens e serviços brasileiros.  

Quanto à capacidade da produção nacional de competir com a produção estrangeira, a estrutura de impostos e de contribuições existentes inscreve-se como um fator importante do chamado Custo Brasil. Talvez seja mesmo o segundo fator em importância na composição do Custo Brasil. O primeiro, não resta dúvida, é o custo financeiro dos empréstimos bancários, proibitivos em razão das altas taxas de juro, as quais, por sua vez, são resultado, em grande parte, do desequilíbrio financeiro do Estado, que gasta mais do que arrecada, aliás, gasta muito mais do que arrecada.  

Em relação a essa questão, os juros altos, abro um parêntese, porque há muita confusão. Os juros altos, são ao mesmo tempo, efeito e causa do desequilíbrio financeiro do Estado. Como efeito que são, não podem ser eliminados antes que o Estado alcance maior equilíbrio em seu orçamento. Mas também são causa, e causa cada vez mais importante porque a dívida, ou seja, o estoque, tem aumentado. Mas alguns só conseguem enxergar os juros como causa. Então, concluem erradamente que eles, os juros, podem ser baixados por um ato de mágica, por decreto, ou seja lá pelo que for. E dizem que o que falta para baixar os juros no Brasil é, – se me recordo bem e salvo engano, – um negócio chamado "vontade política".  

Mas, voltando ao cerne da questão, é da influência do atual sistema tributário no Custo Brasil que decorre a ansiedade com que o setor empresarial aguarda a aprovação de uma reforma nesse campo. Pois o Brasil encontra-se no meio de um processo vertiginoso de mudança estrutural em sua economia, que passa a ser mais integrada e, portanto, mais dependente em relação à economia mundial; uma mudança que acredito ser para melhor, embora haja muita incompreensão a respeito. E, no entanto, o País ainda mantém um sistema tributário obsoleto, em completa falta de sintonia com os sistemas de nossos parceiros comerciais, o que muito tem castigado nossa produção.  

Cumpre dizer, porém, que o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso não ficou inerte no período em que a reforma tributária não avançou. Foram significativas as mudanças na legislação tributária infraconstitucional ocorridas no primeiro mandato do Presidente.  

Entre essas mudanças, cito apenas as três mais relevantes. A primeira delas em importância foi, sem dúvida, a chamada Lei Kandir, que, ao reformular o ICMS, permitiu a desoneração dos investimentos e das exportações. A Lei Kandir isentou do ICMS as exportações de produtos primários e semi-elaborados, bem como a aquisição de bens de capital e a energia consumida pelas empresas. Isso diminuiu os custos de produção e atuou no sentido de suspender uma prática suicida em tempos de globalização: a taxação das exportações ou, em termos correlatos, a exportação de impostos. Apenas devemos lastimar que tais incentivos – oportunos, repitamos – tenham sido concedidos às expensas dos Estados e Municípios. Deveriam, isto sim, constituir-se estímulos da União Federal.  

Ainda com o objetivo de desonerar exportações, estabeleceu-se mecanismo de compensação fiscal em relação ao PIS e à COFINS incidentes sobre aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem utilizados na fabricação de produtos industrializados exportados.  

Em último lugar, mas não menos importante, foi a criação do SIMPLES, que, como sabemos, tem sido fundamental para a simplificação das obrigações fiscais devidas pelas micro e pequenas empresas. O SIMPLES permite a substituição do IRPJ, da CSLL, da COFINS, do IPI e do PIS e, eventualmente, do ICMS e do ISS pela aplicação de um percentual fixo sobre a receita bruta da empresa contribuinte. Particularmente, considero essa iniciativa do Governo muito feliz, pois facilita a vida dos maiores empregadores do Brasil: as micro e pequenas empresas.  

No que diz respeito à atual proposta de reforma tributária do Governo, ela me parece consistente e viável, embora eu suspeite que ela seja excessivamente tímida e lenta em seu processo de implementação. Farei adiante comentário sobre esse aspecto e tecerei duas ou três críticas à proposta.  

Em resumo apertado, a atual proposta substitui os seguintes tributos: o IPI, o PIS, a CSLL, o Salário-Educação e a COFINS.  

O antigo ICMS é substituído por um novo ICMS, que passa a incidir sobre todos os serviços e não mais apenas sobre os serviços de transporte e de comunicações. Continua, é claro, a incidir sobre todas as mercadorias. Também continua a apresentar a característica de um imposto sobre valor agregado, mas será agora partilhado entre União e Estados, e entre estes e seus Municípios. As alíquotas serão uniformes em todo o território nacional, de acordo com legislação federal

O ISS ganha um novo formato, passando a poder ser compensado em relação ao novo ICMS.  

A CPMF, o imposto do cheque , é mantida, agora com alíquota maior. Somente muda de nome e passa a se chamar IMF, Imposto sobre Movimentação Financeira.  

Finalmente, é criado o Imposto Seletivo, incidente sobre derivados do petróleo, combustíveis, lubrificantes, energia elétrica, fumo, bebidas, veículos automotores, embarcações, aeronaves, serviços de telecomunicações e bens supérfluos especificados em lei.  

São mantidos os tributos que aqui não foram mencionados, como os chamados impostos regulatórios (Imposto de Exportação, Imposto de Importação e Imposto sobre Operações Financeiras) e o Imposto de Renda sobre Pessoas Físicas, e sobre Pessoas Jurídicas.  

Passando imediatamente ao comento de alguns aspectos escolhidos da proposta de reforma tributária, uma vez que uma avaliação geral em muito excederia o tempo de que disponho, eu ressaltaria, em primeiro lugar, que a atual proposta atende a, pelo menos, um dos quatro objetivos, mencionados anteriormente, que seriam esperados de uma reforma tributária: a simplificação do sistema. O número de impostos é significativamente reduzido, e o ICMS, por exemplo, terá sua sistemática bastante simplificada.  

Além disso, a proposta, se não elimina completamente, muito reduz a ocorrência de um dos maiores males que existem hoje em dia na Administração Pública, que é a guerra fiscal entre os Estados brasileiros.  

A guerra fiscal tem sido resultado de uma competição acirrada por investimentos entre os Estados, ou melhor, entre alguns Estados. Desta guerra saem ganhando as empresas, que realizam parte de seus investimentos com recursos públicos, e sai perdendo a população, que vê diminuir ou, pelo menos, não aumentar o dinheiro de que o Estado dispõe para empregar em serviços de interesse público. A proposta do Governo, ao federalizar a legislação do ICMS e ao estabelecer que a alíquota sobre cada produto ou serviço será uniforme em todo o território nacional, impede, na prática, concessões dos Estados a empresas em relação ao ICMS devido, o que, como sabemos, tem sido o principal instrumento utilizado na guerra fiscal.  

Uma das maiores críticas que tenho a fazer sobre a proposta é em relação ao período de transição de 12 anos, longo demais, entre a vigência do atual sistema tributário e a do novo sistema. Ora, em 12 anos, o atual Governo já terá acabado, já terá sido substituído por outro, que, por sua vez, já terá sido também substituído ou, então, recebido um novo mandato nas urnas. Nesse horizonte, a possibilidade de que uma nova administração altere o rumo das coisas ou simplesmente decida não seguir implementando o novo regime é muito grande. Eu prefiriria que essa questão fosse resolvida de forma mais rápida.  

Ademais, está incluso nesse regime de transição de 12 anos a paulatina substituição da incidência do ICMS tanto na origem quanto no destino pela incidência apenas no destino. Essa transição dever-se-ia dar de forma imediata, pois é essa complicação entre origem e destino uma das fontes de maior dificuldade no cumprimento da obrigação tributária. E não deve ser menosprezado o fato de que a imediata implementação do regime de tributação no destino, ou seja, sobre o consumo final, tende a beneficiar os Estados mais pobres, que são importadores líquidos. Sem dúvida, essa seria uma medida a favorecer a superação das profundas desigualdades regionais que reinam no País, sem solução até o momento.

 

Um dos maiores recuos da proposta do Governo foi a manutenção da CPMF com outro nome, agora IMF, Imposto sobre Movimentação Financeira. A proposta foi sábia ao eliminar impostos que incidem em cascata , isto é, nas sucessivas etapas do processo produtivo de uma mesma mercadoria ou serviço, o que significa tributar cumulativamente. Assim, eliminou o PIS e a COFINS. Entretanto, manteve a CPMF, que, além de também incidir em cascata, é muitas vezes pior e mais distorciva do que os dois tributos mencionados. A CPMF ou, atualizando a nomenclatura, o IMF faz um mal muito grande à produção nacional, uma vez que incide sobre o sistema de pagamentos da economia, tendo custo cumulativo repassado ao preço final das mercadorias e serviços e tendo viés antiexportador. Parece que a única vantagem do IMF, se é que oferece alguma, é ser fácil de arrecadar e difícil de sonegar. Eu costumo dizer que o IMF é o imposto do preguiçoso , sendo o preguiçoso a autoridade arrecadadora.  

Por fim, eu quero lamentar que o Governo tenha desistido de, aproveitando o ensejo, fazer mais do que uma reforma tributária. Eu quero lamentar que o Governo tenha desistido de fazer uma verdadeira reforma fiscal. A reforma fiscal não apenas mudaria o sistema tributário, mas também discutiria e imprimiria mudanças na distribuição das responsabilidades constitucionais entre os três níveis da Federação (União, Estados e Municípios) em relação à prestação de serviços públicos. Isso eliminaria a necessidade de futuros remendos na destinação de recursos entre os níveis da Federação, como hoje acontece com o Fundo de Estabilização Fiscal.  

E aqui, no que concerne a esse ponto, eu faço uma última advertência. É a de que não devemos ceder ao imediatismo numa questão tão importante e complexa como a reforma tributária. As regras que iremos aprovar devem valer para o futuro e não ser mais um remendo, com excessiva preocupação de aumentar a arrecadação, um remendo que terá de ser novamente remendado um pouco mais adiante. A reforma tributária não pode estar subordinada à conjuntura econômica do momento. Ao contrário, deve ter os olhos colocados no porvir e deve ter o caráter da permanência.  

Hoje o Brasil possui uma carga tributária de mais de 30% do PIB, um nível próprio de um país desenvolvido. No entanto, presta serviços à população com qualidade típica de Terceiro Mundo. Isso não pode continuar como está. O Estado já demonstrou ter grande voracidade fiscal. Resta demonstrar capacidade gerencial, para que o contribuinte brasileiro tenha um alívio na pesada carga que suporta e possa ver que seu dinheiro está sendo bem empregado, e em seu favor.  

Era o que eu tinha a dizer.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/1998 - Página 19003