Discurso no Senado Federal

JUSTIFICAÇÃO A PROJETO DE LEI DE SUA AUTORIA, ENCAMINHADO A MESA NESTA OPORTUNIDADE, QUE INSTITUI A LINHA OFICIAL DE POBREZA E ESTABELECE QUE O GOVERNO FEDERAL DEVERA DEFINIR METAS AO LONGO DO TEMPO DE PROGRESSIVA ERRADICAÇÃO DA POBREZA, DIMINUIÇÃO DE DESIGUALDADES SOCIOECONOMICAS, E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • JUSTIFICAÇÃO A PROJETO DE LEI DE SUA AUTORIA, ENCAMINHADO A MESA NESTA OPORTUNIDADE, QUE INSTITUI A LINHA OFICIAL DE POBREZA E ESTABELECE QUE O GOVERNO FEDERAL DEVERA DEFINIR METAS AO LONGO DO TEMPO DE PROGRESSIVA ERRADICAÇÃO DA POBREZA, DIMINUIÇÃO DE DESIGUALDADES SOCIOECONOMICAS, E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.
Aparteantes
Lauro Campos, Osmar Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 07/01/1999 - Página 237
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ESTABELECIMENTO, GOVERNO FEDERAL, OBJETIVO, GRADUAÇÃO, ERRADICAÇÃO, POBREZA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, BRASIL.
  • ANALISE, CRITICA, AUMENTO, TAXAS, INDICE, DESEMPREGO, AGRAVAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, BRASIL, PERIODO, VIGENCIA, PAIS, PLANO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA, MOEDA, REAL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães, Srªs e Srs. Senadores, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu discurso de posse do primeiro mandato, em 1º de janeiro de 1995, ressaltou estar horrorizado "vendo compatriotas - e ainda que não fossem brasileiros -, vendo seres humanos, ao nosso lado, subjugados pela fome, pela doença, pela ignorância, pela violência". Isso foi objeto, ainda, da seguinte observação: "Isto não pode continuar!" No mesmo discurso, afirmou que se fosse preciso "acabar com o privilégio de poucos para fazer justiça à imensa maioria dos brasileiros", que ninguém duvidasse. Ele estaria ao lado da maioria.  

Para diminuir as desigualdades sociais, prometeu "se jogar por inteiro no grande desafio, que é do Brasil, e não apenas desta ou daquela região, que é de todos - e não apenas dos excluídos".  

No mesmo pronunciamento, há quatro anos, o Presidente Fernando Henrique se comprometeu a fazer da solidariedade "a mola de um grande mutirão nacional, unindo o Governo e a comunidade para varrer do mapa do Brasil a fome e a miséria".  

O que aconteceu nos últimos quatro anos? Terão a fome e a miséria sido varridas do mapa?  

Ao ser empossado pela segunda vez, em 1º de janeiro de 1999, em função de ter ganho as eleições de 1998, no cargo de Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso assinalou que "de pouco vale ao País ser a oitava economia mundial se continuarmos entre os primeiros na desigualdade social". Procurou reiterar os objetivos assinalados quatro anos antes, afirmando que "milhões puderam alimentar melhor seus filhos e dar-se conta de que onde há democracia, estabilidade na economia e seriedade de governo não há razão de ser para o flagelo da fome".  

O Presidente, entretanto, não substanciou com dados quantas pessoas e/ou famílias, dentre os mais de 160 milhões de brasileiros, conseguiram progredir o suficiente para terem um padrão de rendimento e o acesso aos bens essenciais que lhes permitam viver com dignidade. Qual foi realmente o progresso havido? Se houve progresso, evidenciado por indicadores sócio-econômicos de 1993/94 para 1995/96, há evidências de agravamento de desigualdades, de desemprego e de pobreza em 1997 e 1998, que estão a exigir uma apuração muito mais completa.  

Sr. Presidente Antonio Carlos Magalhães, V. Exª soube trazer vibração por ocasião da posse do Presidente, no sentido de que Sua Excelência realmente cumpra os objetivos. Mas eis que, Sr. Presidente, no mesmo instante em que V. Exª falava, na capital da Bahia, Salvador, nada menos que um quarto, ou seja, uma pessoa em cada quatro pessoas adultas na população economicamente ativa estão desempregadas, segundo o DIEESE. Segundo o IBGE, em 1995, em janeiro, a taxa de desemprego era da ordem de 4%, agora é superior a 8% nas seis regiões metropolitanas do País. Se levarmos em conta os índices do DIEESE, se em janeiro de 1995 era da ordem de 12% na grande São Paulo, agora é da ordem de 18%. E os indicadores do IBGE, relativos ao desemprego, são o dobro de há quatro anos. Segundo previsão de muitos especialistas, economistas que acompanham o mercado de trabalho, o quadro deve agravar-se, podendo chegar aos patamares de 9 e 10%. O próprio Governo, em sua mensagem de intenções ao Fundo Monetário Internacional e ao Congresso Nacional, prevê diminuição do Produto Interno Bruto e, em conseqüência, aumento do desemprego.  

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, de 1997, divulgada pelo IBGE, mostra que não houve avanços na distribuição da renda de 1996 para 1997. O Índice de Gini - que mede a desigualdade para todos os rendimentos e inclui trabalho, aluguéis e outras rendas -, em 1992, era 0,575; em 1996, 0,590, e em 1997, 0,588.  

Conclui-se que houve melhoria na distribuição da renda no início do Plano Real - reconhecemos que a diminuição da inflação, a extinção do imposto inflacionário é muito importante e teve efeitos -, mas, em 1997 e 1998, há indícios de agravamento para uma Nação que está, segundo relatório do Banco Mundial, entre as de pior desigualdade de Índice ou de Coeficiente Gini, dos mais altos do mundo.  

Portanto, isso mostra que, de 1992 a 1997, houve concentração de renda, apesar da ínfima diminuição desse índice quando comparados os dois últimos anos. Quanto ao Índice de Gini para rendimentos com todos os tipos de trabalho, verifica-se uma estagnação nos anos de 1996 e 1997 em 0,58, segundo o IBGE.  

O Sr. Osmar Dias (PSDB-PR) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Com muita honra Senador Osmar Dias. Mas acredito que V. Exª terá mais elementos para enriquecer o meu pronunciamento se permitir que eu avance um pouco mais e cheque à conclusão, que é a apresentação de um projeto de lei.  

O Sr. Osmar Dias (PSDB-PR) - Eu aguardo.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Levando-se em conta a média real mensal, a valores de setembro de 1997, em reais, das pessoas com mais de 10 anos de idade, verifica-se que os rendimentos dos 10% mais pobres da população, que em 1996 era de R$61, caíram para a irrisória cifra de R$58. No outro extremo, observa-se que o 1% mais rico da população recebeu em média R$7.066 por mês em 1996 e, em 1997, valor pouco superior a R$7.068.  

Os números da desigualdade de renda e pobreza no Brasil são alarmantes. A redução da pobreza deve ser, de fato, uma das maiores responsabilidades do Governo.  

Aliás, a Constituição Federal, no Título I, Dos Princípios Fundamentais, art. 3º, estabelece que:  

"Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:  

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;  

II - garantir o desenvolvimento nacional;  

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;  

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."  

Apesar de estarmos distantes desses objetivos fundamentais, é necessário estabelecer critérios que dêem a noção exata do caminho a ser percorrido e dos objetivos que se almeja alcançar para erradicação da pobreza.  

É necessário estabelecer uma meta explícita para a redução da pobreza. A construção de uma linha de pobreza fornecerá uma referência na análise da extensão da miséria no Brasil e na consecução e orientação das políticas sociais.  

O conhecimento da eficiência relativa de políticas sociais depende da formulação de objetivos e restrições sobre os quais esses objetivos podem ser alcançados. A afirmação de que um programa alcançou determinado patamar de eficiência só pode ser interpretada no contexto de uma formulação explícita de objetivos e restrições.  

O grande economista Antony B. Atkinson, autor de inúmeros trabalhos sobre a questão de como diminuir as desigualdades e como enfrentar a pobreza, que em seu último livro, Poverty in Europe, de 1998, ressalta esse aspecto - foi um dos economistas que encontrei na Universidade de Oxford, em dezembro último, por ocasião da minha visita a convite do governo inglês -, cita uma passagem do economista laureado com um Nobel, James Tobin, em 1970, sobre o estabelecimento de uma medida oficial de pobreza:  

"A Guerra Federal contra a Pobreza, além de tudo o mais que foi realizado, estabeleceu uma medida oficial de prevalência da pobreza nos Estados Unidos. A adoção de uma medida quantitativa específica, apesar de arbitrária e questionável, terá conseqüências políticas duráveis e de longo alcance. As administrações serão julgadas pelo seu sucesso ou falha na redução da prevalência da pobreza medida oficialmente. Enquanto uma família for encontrada abaixo da linha de pobreza, nenhum político será capaz de anunciar vitória na guerra contra a Pobreza ou ignorar o conhecimento das obrigações da sociedade para com os seus membros mais pobres". (Tobin, J. l970, " Raising the Incomes of the Poor ", in K Gordon, editor, Agenda for the Nation , Washinton, DC: Brookings Institution).  

Em diversos países se instituiu uma linha de pobreza e observou-se a formação de uma consciência maior sobre a miséria. Recentemente, na Irlanda, em l997, foi adotada a Estratégia Nacional contra a Pobreza. Além de estabelecer um padrão de pobreza, criou-se uma meta para a sua redução. Assim explicitada: "no período de 1997 a 2007, a Estratégia Nacional contra a Pobreza deverá reduzir o número daqueles que são consistentemente pobres de 9 a 15% para menos de 5 a 10%, de acordo com a medida da pobreza irlandesa (ESRI).(Atkinson, l998).  

Ora, no caso brasileiro, como estabelecer o quanto se avançou nos últimos quatro anos no sentido de reduzir a pobreza e as desigualdades sociais? Quais são, claramente, as metas traçadas para o alívio da pobreza? Qual a rapidez em que essas metas devem ser atingidas? Como proteger a população mais carente das políticas de ajuste econômico que levam à retração da economia e à redução do emprego?  

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, IPEA, vem desenvolvendo estudos que tratam das desigualdades e da pobreza no Brasil. A pesquisadora Sônia Rocha, em seu artigo Desigualdade Regional e Pobreza no Brasil - A Evolução - 1981/95 - publicação do IPEA - estabelece índices de participação na pobreza e um índice de desigualdades regionais, numa tentativa de mensuração da pobreza no Brasil.  

No entanto, não há ainda um critério oficial estabelecido para medir a pobreza em nosso País, o que torna difícil colocar em prática políticas sociais com metas claras e parâmetros definidos. Assim sendo, cabe estabelecer a linha oficial de pobreza e definir metas para erradicação da miséria no País.  

Levando em conta essa argumentação, apresento, Sr. Presidente, como Líder da Oposição ao Governo, o seguinte projeto de lei mediante o qual se institui a linha oficial de pobreza e estabelece que o Governo Federal deverá definir metas de progressiva erradicação da pobreza, diminuição de desigualdades socioeconômicas, e dá outras providências. É o seguinte o projeto de lei:

 

"O Congresso Nacional decreta:  

Art. 1º Para consecução do disposto no art. 3º, inciso III, da Constituição Federal, o Poder Executivo, através da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, deverá estabelecer uma linha oficial de pobreza.  

§ 1º - Considera-se uma linha oficial de pobreza, para os fins dessa lei, o padrão de rendimento anual mínimo necessário para que uma família e/ou uma pessoa possa suprir suas necessidades vitais.  

 

Art. 2º O Presidente da República, por ocasião de sua posse, deverá estabelecer metas regionais de erradicação da pobreza e de diminuição das desigualdades socioeconômicas, ao longo do período de seu governo, e dar conhecimento por meio do envio de sua Mensagem ao Congresso.  

§ 1º - As metas de que trata o caput desse artigo devem expressar a redução do número de famílias e/ou pessoas que estejam vivendo abaixo da linha oficial de pobreza definida no art. 1º.  

§ 2º - O Presidente da República, por ocasião do envio da Mensagem ao Congresso Nacional, referida no Inciso XI do art. 84 da Constituição Federal, deverá apresentar um balanço da evolução das metas definidas no caput desse artigo, considerando as últimas informações socioeconômicas disponíveis.  

§ 3º - A linha oficial de pobreza deverá orientar a elaboração dos planos plurianuais, das leis e diretrizes orçamentárias, dos orçamentos anuais e dos planos e programas nacionais, regionais e setoriais, nos termos do art. 165 da Constituição Federal.  

Art. 3º O Presidente da República deverá enviar ao Congresso Nacional as metas de que trata o caput do art. 2º, trinta dias após a regulamentação desta Lei.  

Art. 4º Esta lei deverá ser regulamentada em 90 dias, a partir da data de sua aprovação.  

Art. 5º Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.  

 

Nobre Senador Osmar Dias, apresentei o projeto de lei que institui a linha oficial de pobreza com o objetivo de que se possa definir quantas pessoas estão abaixo de um limite oficial de pobreza estabelecido no País. Agradeceria a atenção de V. Exª de estudar o projeto de lei e, se possível, aperfeiçoá-lo.  

O Sr. Osmar Dias (PSDB-PR) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Com muita honra, concedo-lhe o aparte.  

O Sr. Osmar Dias (PSDB-PR) - Senador Eduardo Suplicy, com certeza vou estudar com muito cuidado e atenção o projeto de lei que V. Exª acaba de apresentar. No entanto, Senador Eduardo Suplicy, quando se faz uma análise da questão social no Brasil, principalmente no que se refere ao índice de desemprego, deve-se levar em consideração o que ocorre no mundo. Se isolarmos o Brasil e insistirmos na sua análise individualizada, correremos o risco de praticar injustiças. Ainda no domingo passado, li uma reportagem a respeito da situação da Argentina em relação ao desemprego: o índice lá é de 13%, e a projeção para o ano de 1999 é de 26%. O mesmo fenômeno ocorre em países de economias mais fortalecidas, países que, em passado recente, nem sonhavam em enfrentar a crise pela qual estão passando. E soluções criativas estão sendo colocadas em prática, na França, por exemplo, para amenizar o drama do desemprego. Apóio as iniciativas de amenizar esse problema, mas chamo a atenção para que não pratiquemos a injustiça de fazer uma análise individualizada do País, como se vivêssemos isolados do resto do mundo, como se esse problema não afetasse também outros países. Mais do que isso, há indicadores que apontam na direção de uma melhoria da distribuição de renda. Por exemplo: o consumo de alimentos básicos no País, notadamente de carne de pequenos animais, cresceu em torno de 27% no período do Real. Esse é um indicativo de que houve aumento do poder aquisitivo da classe trabalhadora pelo menos no que se refere à alimentação. Houve, também, um aumento de mais de 30% no consumo de eletrodomésticos. Parece-me que são indicadores que devem ser considerados quando se analisa a situação social em que vive o País. Concordo com V. Exª em que todos devemos estar preocupados e apresentarmos projetos - eu o fiz, apresentei o projeto mediante o qual se cria o primeiro emprego, projeto relatado por V. Exª na Comissão. Ainda hoje, li que o Ministro Francisco Dornelles pretende adotar a política do primeiro emprego. Espero que esse projeto, que é nosso, do Senado, possa ser considerado, com o apoio de V. Exª. Estou à disposição para, juntos, analisarmos o projeto que acaba de apresentar e, quem sabe, transformá-lo em uma das alternativas par amenizar o drama. No entanto, repito, chamo a atenção para que a análise da situação não seja feita fora do contexto mundial.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Nobre Senador Osmar Dias, tem razão V. Exª quando diz que devemos sempre olhar não apenas para o nosso País, mas para a experiência de outras nações. É interessante notarmos que, não obstante a crise por que passam diversas economias, como a Rússia, como países do sudeste asiático - Coréia, Indonésia e outros -, há os que enfrentaram grandes dificuldades recentemente - Estados Unidos da América, Japão, até mesmo Taiwan ou a República Popular da China - e que apresentam indicadores de desemprego muito menores. Os Estados Unidos da América têm apresentado nos últimos 12 meses taxas de desemprego que são as menores dos últimos 14 anos. Por que razão ali houve diminuição das taxas de desemprego? Ou seja, não são todos os países que estão vivendo com taxas de desemprego muito altas. O exemplo da Argentina não deve ser seguido por nós.  

Por outro lado, no que diz respeito às desigualdades sociais, se compararmos a nossa situação com a de outros países, o que é que infelizmente podemos constatar? Somos vice-campeões mundiais da desigualdade socioeconômica. Segundo o último relatório do desenvolvimento do mundo, só Serra Leoa apresenta um índice Gini de desigualdade socioeconômica mais alto do que o apresentado pelo Brasil. E se houve melhora de 94 para 95, e muito pequena em 96, já em 97 os indicadores são de piora e, muito provavelmente, também em 98.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Permite-me um aparte, Senador Suplicy?  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-DF) - Senador Lauro Campos, com muita honra, concedo-lhe o aparte.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Manifesto o meu apoio e o meu aplauso ao projeto que V. Exª acaba de anunciar, bem como a maneira pela qual o apresentou. O discurso de posse do Presidente Fernando Henrique Cardoso - não o discurso da reposse recente - mostra como o condicionamento social, a conjuntura econômica, social e política influem na produção da cabeça das pessoas. Como a cabeça de Sua Excelência FHC, há quatro anos, diferia da cabeça de hoje, triste, abatida, um tanto alheada da realidade brasileira. Parece que Sua Excelência está tomando posse em outro país, não naquele país que ajudou a construir como Presidente da República, aumentando, sim, todos os indicadores negativos importantes de nossa sociedade. No ano passado, em Paris, Sua Excelência disse que apenas um setor o preocupava, que havia fracassado no que diz respeito ao problema do desemprego, que era da ordem de 4%, mas que iria aumentar um pouco daí para frente. Ora, diante do desemprego que grassava na França naquela ocasião, de 11%, mediante a afirmativa de que havia fracassado porque o desemprego se encontrava em 4%, Sua Excelência tecia loas a si mesmo, ao seu Governo, mostrando as vantagens que tinha conseguido obter. Pretendo ainda acrescentar aos argumentos de V. Exª apenas um, para terminar. Sabemos muito bem que quiseram desvincular o Plano Real dos seus antecessores, como, por exemplo, o Plano do México e depois o do Cavallo, na Argentina. No entanto, devemos, sim, observar o que está acontecendo no México. O salário mínimo mexicano perdeu 86% do valor entre 1976 e o ano passado. Estão reduzindo o custo México, como estão reduzindo o custo Brasil, através de um programado arrocho salarial, de contenção de gastos do Governo nas áreas sociais. Agora mesmo reduziram mais R$5 bilhões dos gastos sociais do Orçamento. De modo que não há como contestar esse fato. Talvez não se deva atribuí-lo a uma deliderada ação, mas o Governo brasileiro entrou açodadamente no processo de globalização e, com isso, apresentou um custo FHC, um custo Brasil elevadíssimo, que pesa sobre a sociedade brasileira e que ameaça tornar ilegítimas as instituições e os próprios mandatários atuais do poder. Muito obrigado.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - V. Exª, Senador Lauro Campos, manifesta sua preocupação de como o Governo Fernando Henrique Cardoso tem, na verdade, sido pouco sensível a essa questão. Ele mesmo, em seus discursos de posse, tanto no de 1995, quanto no de 1999, falou sobre isso, como se tudo que foi feito para garantir a estabilidade da moeda estivesse realmente na direção de se melhorar a distribuição da renda e da riqueza.  

Se houve, portanto, alguns efeitos benéficos em se diminuir a inflação - isso sabemos que houve; o término do imposto inflacionário acaba sendo benéfico para a população - devemos perguntar, na medida em que os instrumentos que levaram a esse resultado foram perversos, na medida em que se estabelece a sobrevalorização da taxa cambial, que progressivamente coloca o Governo numa armadilha, segundo a qual ele precisa, para financiar déficits crescentes na balança de pagamento, aumentar extraordinariamente as taxas de juros, para captar recursos do exterior, qual é o efeito disso sobre a distribuição da renda. O que temos visto é que, se um lado, se estabelecem remunerações muito altas para os que recebem juros. E quem recebe mais juros na economia se não aqueles que justamente detêm mais recursos para aplicar no mercado financeiro? E, do outro lado da moeda, quais são as conseqüências para aqueles que perdem o seu emprego em função da desaceleração da economia, da diminuição da atividade, do fato, como hoje se observa em pequenas, em médias e nas maiores empresas do País, como a própria Ford? Estão lá em São Bernardo do Campo, Senador Lauro Campos, mais de dois mil trabalhadores que já receberam o anúncio de que foram demitidos, juntamente aos outros pouco mais de dois mil trabalhadores que ainda permanecem, solidários e juntos, ingressaram no recinto da empresa para dizer a sua direção, mas também ao governo federal, ao governo estadual de São Paulo e ao Congresso Nacional que há que se pensar em uma outra forma que não seja essa.

 

Como admitir que a estabilidade de preços se dê às custas da diminuição da atividade econômica, da produção? É estranho que para se conseguir a estabilidade de preços tenha-se que impor a diminuição da oferta de bens e serviços e das oportunidades de emprego para pessoas que estão lá dizendo que querem contribuir para o crescimento da economia, que querem contribuir para conseguirem ter o direito de receber uma remuneração para o sustento digno de seus familiares.  

Assim, Senador Lauro Campos, é muito importante que o Governo Fernando Henrique, ao estabelecer metas, seja claro e evite generalizações. Daí, Presidente Antonio Carlos Magalhães, por que apresento esta proposta no sentido de se instituir no Brasil uma linha oficial de pobreza, obrigando o Governo Federal, o Presidente da República, por ocasião de suas mensagens ao Congresso, a estabelecer metas relativas a um número específico de pessoas, uma dada proporção da população que estejam vivendo abaixo da linha oficial de pobreza. Essa linha deverá ser traçada pelos representantes do povo juntamente com o Executivo, com especialistas, com o IBGE, com o IPEA. A partir dela poder-se-á estabelecer um mínimo adequado para que aqueles que estiverem abaixo desse mínimo vivam com dignidade.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/01/1999 - Página 237