Pronunciamento de Djalma Falcão em 13/01/1999
Discurso no Senado Federal
HOMENAGENS A MEMORIA DA DEPUTADA FEDERAL CECI CUNHA, ASSASSINADA EM MACEIO, DIA 16 DE DEZEMBRO DE 1998.
- Autor
- Djalma Falcão (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
- Nome completo: Djalma Marinho Muniz Falcão
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.:
- HOMENAGENS A MEMORIA DA DEPUTADA FEDERAL CECI CUNHA, ASSASSINADA EM MACEIO, DIA 16 DE DEZEMBRO DE 1998.
- Publicação
- Publicação no DSF de 14/01/1999 - Página 1457
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
-
- HOMENAGEM POSTUMA, CECI CUNHA, DEPUTADO FEDERAL, ESTADO DE ALAGOAS (AL).
O SR. DJALMA FALCÃO (PMDB-AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, aproveito o fim desta sessão para, num pronunciamento singelo, como singela foi a vida da Deputada Ceci Cunha, prestar àquela extinta Parlamentar a minha solidariedade, a solidariedade do PMDB e a solidariedade da sociedade alagoana. Também de maneira singela, gostaria de referir-me à saga, à luta e ao sacrifício de uma jovem, de uma adolescente, de uma mulher que, pela sua obstinação, pela força do seu idealismo, veio, viu e venceu as circunstâncias da vida, embora de maneira prematura e absolutamente violenta tenha sido trucidada na chacina ocorrida em Maceió, no dia 16 de dezembro passado. Refiro-me, Sr. Presidente, à jovem filha de um simples feirante de uma cidade do agreste alagoano, onde, como mencionou o Senador Teotonio Vilela Filho no seu recente pronunciamento, não havia unidades educacionais que oferecessem o quarto ano primário; ela, assim, teve que repetir por três vezes a terceira série. Depois, com exaustivo sacrifício, o seu humilde pai, um sertanejo alagoano, mandou-a cursar o segundo grau em Arapiraca.
Concluídos os estudos, ela não tinha como se deslocar para a cidade de Maceió para realizar o seu desejo e o seu objetivo de se formar em Medicina. Um magistrado alagoano de escol, o qual conheci, juiz de Direito da cidade de Arapiraca - que tinha jurisdição sobre Feira Grande, cidade natal de Ceci Cunha -, conhecendo a luta desse pai e, sobretudo, o desejo daquela jovem de se formar em Medicina, convidou-a para ser hóspede na sua casa, na cidade de Maceió. Foi assim que Ceci Cunha se deslocou para a capital alagoana, prestou exame vestibular e foi aprovada.
Usava transportes coletivos para se deslocar de sua casa para a universidade e desta para a casa do seu protetor, o juiz Ivan Lopes. Estudava nas apostilas que adquiria no curso de Medicina e nos livros que lhe eram emprestados pelos seus colegas. Com essa luta, essas dificuldades e esse sacrifício, Ceci Cunha diplomou-se em Medicina e tinha como especialidade a Obstetrícia. Recebeu vários convites para permanecer na capital do Estado. Recusou todos eles, porque o seu desejo era retornar ao seio das comunidades a que pertencia no agreste alagoano, à cidade em que nasceu, para prestar seus serviços médicos ao seu povo, a seus irmãos.
Assim, Ceci Cunha voltou para a cidade de Arapiraca, segundo mais importante Município do Estado de Alagoas em termos econômicos, populacionais e eleitorais. Lá, estabeleceu-se com um consultório médico, onde passou a prestar os seus serviços profissionais a algumas unidades de saúde. No seu consultório, nos hospitais ou na Medicina itinerante que praticava, percorrendo os bairros da periferia das cidades pobres da região do agreste e visitando os sítios da região, Ceci Cunha atendia a quem podia pagar pelo seu trabalho, mas atendia sobretudo, Sr. Presidente, a quem não podia dispor de um centavo para pagar honorários médicos. Milhares de crianças nasceram pelas suas mãos hábeis de obstetra, em função caráter de verdadeiro sacerdócio que Ceci Cunha ofereceu à sua profissão.
Com esses serviços prestados sobretudo às camadas mais pobres da sociedade daquela região, Ceci Cunha obteve a estima, a admiração, o respeito e a gratidão dos seus pares. Foi por isso que se elegeu, por duas vezes, vereadora da Câmara Municipal de Arapiraca, dali partindo para ser eleita deputada federal. Nas últimas eleições, como aqui bem registrou o Senador Teotonio Vilela Filho, recebeu o dobro de votos que recebera na sua primeira candidatura à Câmara Federal.
Pois bem, Sr. Presidente, no dia 16 de dezembro do ano passado, o Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas realizou sessão solene para registro dos candidatos eleitos no Estado em 03 de outubro. Ceci Cunha foi escolhida como oradora e fez um pronunciamento que a imprensa alagoana classificou de “discurso da paz”. Nele, fez uma conclamação ao desarmamentos dos espíritos, ao restabelecimento da paz pública no Estado de Alagoas e ao princípio salutar do entendimento, da conversa, para a solução dos impasses políticos do Estado. Fez um apelo à concordia no seio da sociedade alagoana. Isso ocorreu às 17h.
Por volta de 20h, após a solenidade, ela se deslocou para visitar uma irmã que residia no bairro da Gruta de Lourdes, em Maceió. Viajou na sua camioneta, em companhia do marido, que era seu motorista. Lá, reuniu-se com o marido, com o marido e a sogra da irmã, numa visita familiar de cordialidade, de fraternidade, sobretudo nesse clima que nos propicia a época de Natal.
Em determinado momento, na sala da modesta casa onde se encontravam reunidos, penetraram alguns indivíduos. Um deles, dedo em riste, apontou: “A Deputada Ceci é esta!”. E outro, que vinha na sua retaguarda, desfechou a carga de espingarda 12 sobre a carótida de Ceci Cunha, quase que decepando a cabeça da nossa pranteada deputada. A fuzilaria continuou e ceifou a vida das outras três pessoas que se encontravam na sala.
A irmã de Ceci, que tem um filho de apenas seis meses, fugiu à morte porque antes da fuzilaria, Sr. Presidente, a criança chorou e ela foi ao quarto contíguo à sala amamentar o seu filhinho. Eu não tenho dúvida de que se fizesse essa amamentação naquele recinto onde se encontrava Ceci Cunha, ela e a criancinha de seis meses teriam sido também trucidadas pelos criminosos. Não tenho dúvida de que a ordem, naquele instante, era a de matar quantas pessoas estivessem em volta de Ceci Cunha, para não restasse testemunhas.
O crime, Sr. Presidente, causou verdadeira comoção nacional, mas revoltou, de modo especial, a sociedade alagoana. Sou um veterano político de Alagoas. Tenho mais de quarenta anos de vida pública no meu Estado. Posso declarar a V. Exª e ao Plenário que sou um homem altivo, de coragem cívica, mas abomino a violência. Jamais o meu nome foi envolvido em qualquer ocorrência violenta no Estado. Participo de todas as decisões importantes da vida pública do Estado de Alagoas. Nunca fiz aliança com criminosos. Para mim, lugar de criminosos é atrás das grades, na cadeia.
O Congresso Nacional não é lugar para pistoleiros, para mandantes, para traficantes de drogas, para desonestos. O Congresso Nacional é o lugar próprio para os homens públicos. A expressão homem público já define o seu sentido: homem público é o homem que serve à sociedade, ao País, é o homem que orienta as suas ações de acordo com os interesses da sociedade.
Sr. Presidente, é com indignação que faço o registro do assassinato de Ceci Cunha. E quase me coloquei no lugar de um cinegrafista ou de um fotógrafo, porque expus a Casa, a maneira fria, calculada, perversa, monstruosa como foi executado esse crime que tanto indignou o País e Alagoas.
Não tenho dúvida da inspiração política do crime, porque Ceci Cunha, Sr. Presidente, sacerdotisa da medicina, uma mulher de trato amorável, uma criatura simples, cordial, não possuía inimigos pessoais, nem exercia atividade política usando de meios violentos. A pergunta é: quem se servirá ou quem pretendia servir-se do assassinato de Ceci Cunha? As investigações policiais no Estado já estão em fase de conclusão e apontam para um caminho, para uma autoria. E eu, que conheço os homens e as coisas de Alagoas, estou consciente de que o trabalho da Polícia Federal e da Polícia Civil do Estado realmente se orienta para o caminho certo.
Espero que esse crime não fique impune, porque ele desonra Alagoas, desonra os alagoanos, atenta contra o Congresso Nacional, desafia o Poder Executivo e zomba do Poder Judiciário. É preciso dar-se um basta ao crime, à violência e à impunidade no Estado de Alagoas. Cobro essa atitude com toda autoridade moral, Sr. Presidente, porque essa tem sido a tônica do meu discurso ao longo de mais de quarenta anos de vida pública. Faço essa condenação veemente ao assassinato de Ceci Cunha e rogo às autoridades e até a Deus para que os seus assassinos não fiquem impunes. Retorno, Sr. Presidente, ao meu discurso original.
Não aceito, Sr. Presidente, que se puna e se culpe a sociedade de Alagoas. Porque, se por um assassinato tão cruel quanto esse, por uma chacina tão brutal como essa, se colocasse a culpa no Estado de Alagoas, eu estaria aqui muito à vontade para colocar a culpa no povo de São Paulo pela chacina do Carandiru; estaria aqui muito à vontade para colocar a culpa no povo paraense pela chacina, no norte do Estado, dos trabalhadores sem-terra, ou colocar a culpa no grande povo gaúcho pela ação do “anjo negro” - Gregório Fortunato -, guarda-costa de um dos maiores estadistas que este País já teve, o gaúcho Getúlio Vargas. Estaria aqui, Sr. Presidente, colocando a culpa no cordial povo carioca, do Rio de Janeiro, pela chacina de Vigário Geral. Mas não se pode confundir. É para isso que chamo a atenção da sociedade brasileira. Não se pode confundir a ação criminosa de marginais com uma sociedade que, ao invés de apoiar essa prática, condena essa prática.
Alagoas é ciosa das suas tradições culturais, das suas tradições humanitárias, das suas tradições políticas e não concorda, Sr. Presidente, com essa ação maléfica de meia dúzia de pistoleiros violentos que entram em conluio para sempre sempre manchar o nome do Estado do povo de Alagoas e levar esse nome para as manchetes escandalosas do Brasil.
Alagoas, Sr. Presidente, tanto quanto o restante da Nação brasileira, está indignada com a morte de Ceci Cunha, com o trucidamento bárbaro de Ceci Cunha, e quer que se apure o mais exemplarmente possível as causas desse crime. Que se apontem os culpados - mandantes e mandados -, que sejam entregues ao julgamento competente do Poder Judiciário. E, se for o caso de ter sido um Deputado o mandante desse crime, que a Câmara dos Deputados também cumpra o seu dever cívico de cassar esse mandato, para depois esse indivíduo ser entregue ao julgamento competente do Poder Judiciário brasileiro.
Quero, por fim, Sr. Presidente, dizer que o sacrifício de Ceci Cunha certamente não será em vão. Desse episódio, tenho certeza, há de resultar um vigoroso movimento, um revigoramento de um movimento cívico em Alagoas, para extirpar o crime, a violência e a impunidade em nosso Estado, a fim de que a nossa sociedade possa viver dentro de um clima de segurança, de paz e de tranqüilidade; para que possa o Estado das Alagoas retomar o seu conceito de terra, para citar apenas um nome que honra todos os demais, da terra do grande, do maior Parlamentar que o Brasil conheceu: Tavares Bastos.
Muito obrigado.